Entenda

Entre Milho e Soja, onde vai parar o Brasil? (4/4), por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Entre Milho e Soja, onde vai parar o Brasil? (4/4)

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Ainda resta uma esperança

Quando um boi se desgarra da manada, em vez de o peão mandar um cão acuar o animal, tocando-o de volta para o bando, é muito mais produtivo levar uma ponta de gado até o fujão e trazer todos de volta pacificamente. Se o mercado de commodities é o fujão ambiental, em vez de tentar laçá-lo, vamos levar a biodiversidade para o mercado para que todos ganhem com a preservação.

Nós, muito menos os animais, não nos alimentamos diretamente de milho ou de soja. Do milho, aproveitamos principalmente o amido, que é um dos polissacarídeos, e proteína vegetal contida na soja. A fruta-pão, que garante que ninguém passe fome na Zona do Cacau, tem uma produção de 70 T/ha com 60% de água e, do restante, 65% de amido, resultando 26 T/ha de hidrato de carbono. O milho tem um limite genético de 20 T/ha, com 72% de amido, resultando em 14,4 T/ha teóricos. O Brasil, a média é de 9,6 T/ha, considerando as duas safras. São, portanto, 6,912 T/ha de hidrato de carbono, um terço do que se conseguiria com a fruta-pão. A diferença maior é que estamos falando de uma cultura perene, que sombreia o solo, usa máquinas muito menores e dá mais empregos do que o plantio anual de milho.

São substitutos perfeitos? Não, mas em grande parte dos produtos, existe uma grande permutação possível.

A mesma comparação se pode fazer com a mandioca que, em condições normais, fornece, na porção radicular, 18 T/ha de fécula (amido retirado de raízes). Na parte aérea, são 15 T/ha de massa seca, com 32% de proteína, resultando em 4,8 T/ha. A soja, otimistamente, produz 4 T/ha e contém 38% de proteína em seu farelo, que é 65,6% do peso colhido, já retirado o óleo. Isso resulta em 2,6 T/ha de proteína. O uso é o mesmo entre as duas espécies? Não. Como no exemplo anterior, existe grande capacidade de substituição, especialmente, na ração animal.

Seja por condicionantes geográfica e climáticas, seja pela variação em uso, milho e soja continuam sendo imprescindíveis, porém, não é preciso que somente as duas tenham um preço à vista cotado no mercado mundial e somente elas sejam plantadas por toda a face do planeta, em detrimento de qualquer outra por privilegiada que seja. Se o produto for cotado pela substância, é perfeitamente possível estabelecer um preço à vista para mandioca, fruta-pão e inúmeros outros, baseando-se no que já existe para os próprios milho e soja.

Para equalizar os produtos, é preciso um fator de substituição a ser determinado pelas bolsas, considerando a percentagem de itens que se podem permutar entre o milho e o substituto sem prejuízo significativo da qualidade (podendo até haver ganho em alguns casos). Suponhamos que 80% dos itens tradicionalmente derivados do milho possam ser substituídos pela fruta-pão, usando os números acima, teremos 390 Kg/T de amido, contra 720 kg/T do milho. Assim, o preço à vista da tonelada de fruta-pão seria 43,3% do preço à vista do milho. Se isso deixa a fruta-pão viável é outro problema porque  depende do custo de produção da espécie, bem como, sendo produto perene, do tempo entre o plantio e a primeira colheita. Ela, certamente, será competitiva em algumas regiões mas não em outras. Poderá, por exemplo, servir de sombra para o cacau. Importante é entender que cada hectare dessa fruta pode evitar o desmatamento de três hectares para o plantio de ilho e isso só acontece com financiamento vindo dos mecanismos já desenvolvidos para as commodities tradicionais.

Para a soja, pode-se aplicar o mesmo raciocínio, considerando também o preço do óleo, ou seja, os coprodutos precisam também ser cotados e já o são em sua maioria. Repetindo, milho e soja, com a introdução da fruta-pão de mandioca são meros exemplos de um mecanismo que pode transformar o mercado de commodities de vilão a salvador da Natureza.

Uma ideia como essa encontra barreiras entre os produtores de máquinas, que investem verdadeiras fortunas em megaequipamentos altamente automatizados. Outra barreira é a indústria dos combustíveis porque a soja, por exemplo, consome 1.200 l/ha, contra algo como 250 l/ha para culturas perenes. Também indústria de fertilizantes não gosta da ideia porque ela, além de vender quantidades brutais de insumos, ainda são responsáveis pela decolagem das operações estruturadas, comprando o produto como pagamento antecipado. Outra dificuldade é a resistência dos agentes desse mercado, acostumados que estão com fazer negócios em produtos e não em substâncias.

O Estado tem a tributação como principal ferramenta para implantar tamanha mudança de hábitos, isentando os papéis lastreados em substâncias e sobretaxando os baseados em produtos, até que haja uma tradição no mercado. Um governante não tem obrigação de conhecer tudo, mas tem o dever de procurar quem o assessore corretamente, formando um conjunto, pelo menos, mais inteligente que os governados, assim como o peão que captura o gado sem o machucar.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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