Fronteira Teórica da Economia
por Fernando Nogueira da Costa
A fronteira da Economia é… teórica! Na prática, ela é ultrapassada pela transdisciplinaridade. Este método de educação compreende o conhecimento de uma forma plural. É uma corrente de pensamento mais livre e aberta, sem barreiras à entrada, típicas do método tradicional de divisão de disciplinas de acordo com interesses corporativos profissionais.
As disciplinas são uma divisão artificial, instituída para facilitar as vigilâncias das diversas corporações. O conhecimento transversal do mundo real – indivisível senão artificialmente, ou seja, em abstração – exige uma coordenação ou combinação mais complexa entre todas as áreas de conhecimento.
Disciplina é a obediência ao conjunto de regras e normas, estabelecidas por determinado grupo de interesse em reserva de mercado profissional. Impõe o cumprimento de responsabilidades específicas para cada ser pensante.
Do ponto de vista social, a disciplina ainda representaria a boa conduta do indivíduo, ou seja, a característica da pessoa obediente, cumpridora as ordens existentes na sociedade sem nenhum questionamento. Em Ciência, a indisciplina – ao questionar as hipóteses, premissas e resultados – é benvinda.
Quando há a falta de ordem, regra, comportamento ou de respeito pelos regulamentos, impostos ao pensamento, este se liberta. Ao romper as fronteiras entre uma disciplina e outra, a transdisciplinaridade busca a compreensão dos fenômenos e a aquisição de conhecimentos de maneira holística e contextualizada.
Um sistema não é completamente isolado (ou fechado) face ao seu meio ambiente. Tudo (matéria, energia ou informações) a entrar ou sair do sistema vem de seu ambiente, passa por ele ou sai para ele, sendo a fronteira o lugar onde se dá essa passagem de importação e de exportação.
O conhecimento com característica transversal busca atravessar todas as disciplinas de forma coerente e consistente. Na prática, isso significa a metodologia transdisciplinar, em Economia, não irá ensinar apenas as teorias racionais, para a tomada de decisões econômico-financeiras, a partir da hipótese do estereótipo do imaginário agente representativo (“homo economicus”), mas também adotará Estatística, Sociologia, Política, Psicologia, História, Biologia Evolucionária, Ecologia, etc.
O conhecimento transdisciplinar exige um pensamento organizador, chamado de pensamento complexo. Esta forma diferente de pensar vai além da divisão cartesiana das áreas do conhecimento.
A compreensão da transdisciplinaridade é complexa, porque estuda os inter-relacionamentos e as transversalidades entre as disciplinas e, ao mesmo tempo, preserva as peculiaridades de cada área do conhecimento. O generalista não se torna um especialista em cada disciplina, mas se apropria, reúne e mistura métodos de conhecimentos dos distintos especialistas, de maneira lógica e consistente entre si.
Embora tenham certa similaridade, há diferenças entre conhecimento multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. Multidisciplinar refere-se à ideia de diversas disciplinas com a divisão do ensino por áreas temáticas. A metodologia interdisciplinar promove o diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento com planejamento do trabalho em conjunto, de modo cada especialista trabalhar junto com outros.
Já a transdisciplinaridade exige a mistura de disciplinas com organização e contextualização do conhecimento. Nesse caso, as fronteiras das disciplinas são rompidas para os fenômenos da natureza humana e da sociedade serem compreendidos em sua totalidade.
A compreensão do todo é holista. A evolução criativa configura, de maneira dinâmica, um todo (holos em grego) com qualidade distinta da mera soma das suas partes.
Tal abordagem alternativa tornaria possível a análise de como a economia se comporta fora do equilíbrio pressuposto, não constituindo, portanto, um mero complemento à teoria econômica convencional, mas sim uma forma mais geral e abrangente de encarar os fenômenos macros. As interações entre componentes podem ser locais ou globais.
Como esse método de estudo de sistemas complexos percebe-se suas configurações variarem ao longo do tempo. Em menor nível de abstração, não há teoria geral a ser sempre aplicada. As melhores decisões práticas não podem ser descontextualizadas da realidade, isto é, sem a compreensão de maneira ampla dos diversos domínios de ação.
Essa nova forma de pensar a atividade econômica como um componente interativo com as demais atividades, para emergência de um mutante sistema complexo, privilegia práticas profissionais cooperativas, estimulante de criatividade, reflexão e pensamento crítico. Focaliza os ambientes naturais e institucionais, para o entendimento da complexidade do mundo real, na tomada de decisões contextualizadas: datadas e localizadas.
Os chamados agentes econômicos não são cobaias, para serem estudados em laboratórios com condições constantes, pois são capazes de reflexão e autodeterminação. Possuem também caprichos, emoções e fobias, erram e acertam… Humanos repetem erros!
Na literatura da Economia Comportamental, é comum iniciar-se com uma descrição das ações individuais e julgamentos possíveis de ser classificados como “irracionais”, de acordo com a tradicional lógica do homo economicus, assim como algumas experiências com a reincidência desses comportamentos equivocados. Estes incluem, entre outros, a ilusão de controle, o excesso de confiança, uma falsa interpretação das evidências, a aversão à perda, os efeitos enquadramentos, e a subutilização de informações.
Algumas aplicações possíveis dessa literatura dizem respeito ao neuromarketing dos produtos financeiros. Demonstra, por exemplo, como o desenho e a apresentação dos produtos financeiros afetam as decisões dos investidores não profissionais. Um treinamento dos negociantes, dirigido pelas Finanças Comportamentais para corrigir seus vieses de julgamento, pode elevar seus desempenhos.
Este é um claro exemplo dos benefícios propiciados por uma estreita colaboração nos campos da Psicologia e Finanças. Houve uma crescente tendência nesse campo transdisciplinar em inventariar a propensão dos indivíduos em cometer erros sistemáticos no julgamento e tomada de decisões. Busca evitá-los, mas não há garantia.
Há comportamentos miméticos quando uns imitam outros em comportamento de manada com profecia autorrealizável até inflar uma bolha de ativos, durante o boom, por exemplo, no mercado de ações ou no mercado imobiliário. No auge ou topo, inicia-se a dissidência entre investidores, em geral, os profissionais saem primeiro do mercado e deixam “o mico-preto” para os amadores perderem no crash.
Esse é um desafio teórico: perceber a particularidade de cada indivíduo, mas ao mesmo tempo considerar, para a elaboração de teoria macrossistêmica, os possíveis agrupamentos sociais. Podem ser reunidos em faixas de renda e classes de riqueza, mas a luta de classes não é muito reducionista? Não seria mais adequado ao mundo real a estratificação social com base em castas de natureza ocupacional com Éthos culturais?
Para as tomadas de decisões por cada um de nós, não podemos abandonar as considerações sobre a natureza da vida individual como socialmente incorporada. É um esforço para preservar o indivíduo como objeto de preocupação teórica e moral.
O coletivo sempre se sobrepõe ao individual e à estrutura setorial? Instituições emergem através do aumento do número de adeptos de uma determinada regra, seja formal (legal), seja informal (espontânea), socialmente compartilhada.
A lógica da ação é um conjunto de regras socialmente compartilhadas e recorrentes de pensamento e comportamento, ou seja, os modelos mentais e as regras de comportamento. O estudo pela Economia Institucionalista de lógicas de ações, instrumentos úteis para o estudo do comportamento individual e coletivo, tem algo em comum com o dos vieses heurísticos, inventariado pela Economia Comportamental.
Os investidores confiam em regras simplificadoras para tomar suas decisões. A maioria dessas “regras de bolso” é inconsistente e faz eles terem crenças enviesadas.
Por fim, a Economia da Felicidade afirma o desejo de ser feliz ser aspecto central da nossa natureza. O sentimento predominante, expresso por seres não egoístas, é querer uma sociedade altruísta na qual as pessoas sejam tão felizes quanto possível e na qual a felicidade de cada pessoa seja tão importante quanto a das outras.
Esta deveria ser a filosofia – “amor à sabedoria” ou “amor ao conhecimento” – a ser seguida em nossa época, a principal referência de toda política pública e de toda ação individual. Por fim, ela deveria substituir o intenso individualismo, típico da recente Era do Neoliberalismo, incapaz de nos tornar mais felizes.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor do livro digital “Segredo do Negócio Capitalista: Alavancagem Financeira” (2021). Baixe em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected].
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