O dilema entre inflação e desemprego e a estratégia do Banco Central

 
Por José Luis Oreiro 
 
A taxa Selic se encontra atualmente em 13,75% a.a. Considerando uma inflação acumulada nos últimos 12 meses em torno de 9%, isso significa um juro real de 4,35%, um valor extremamente alto para uma economia que deve apresentar este ano um crescimento negativo de 1,5%. As sinalizações dadas por membros da diretoria do BCB nos últimos dias indicam que o ciclo de elevação da taxa de juros ainda não terminou. Ao que tudo indica a Selic deve aumentar até 14,5% a.a nas próximas reuniões do Copom, e pode não parar por ai. Alguns analistas acreditam que a Selic pode alcançar 15% a.a ainda em 2015. Isso implicaria aumentar ainda mais a dosagem de aperto monetário, levando o juro real para 5,5% a.a.
 
A economia brasileira passa por um momento claro de estagflação: a inflação se acelerou no início de 2015 em função do realinhamento dos preços relativos (energia, combustíveis e taxa de câmbio), ao passo que os indicadores de atividade econômica indicam um mergulho cada vez mais profundo num quadro recessivo. Nesse contexto, coloca-se um dilema para a autoridade monetária: interromper (e eventualmente reverter) o ciclo de elevação da taxa de juros para estimular a atividade econômica ou continuar o aperto monetário até que a inflação inicie uma trajetória consistente de queda, mostrando que vai convergir para o centro da meta de inflação?
A resposta a essa pergunta depende da “razão de sacrifício” – ou seja, o número de anos-ponto excesso de desemprego que são necessários para obter uma redução da inflação em 1 p.p – que o BC está disposto a tolerar. Uma desinflação muito rápida só pode ser obtida as custas de uma queda muito acentuada do nível de atividade econômica e, consequentemente, um aumento muito grande da taxa de desemprego com respeito ao seu valor de equilíbrio (NAIRU). O lado positivo disso é que o aperto monetário será mantido por um período menor de tempo, permitindo assim que a retomada do “crescimento normal” ocorra mais cedo, ou seja, que o desemprego volte mais rapidamente ao seu nível normal de longo-prazo. Um ritmo mais lento de desinflação é compatível com uma queda menos acentuada do PIB e, portanto, com uma elevação menor do desemprego com respeito ao seu nível de equilíbrio; mas nesse caso o aperto monetário terá que ser mantido por um intervalo de tempo maior.
 
Qual dessas duas opções é melhor do ponto de vista social? A Teoria Econômica convencional diz que se a relação entre inflação e desemprego for linear então a razão de sacrifício é a mesma tanto no caso da desinflação rápida (a estratégia do “peru frio”) como no caso da política gradualista. Em outras palavras, se o BC deseja reduzir a inflação em 10 p.p, então o número de anos-ponto excesso de desemprego é o mesmo tanto para o caso do “tratamento de choque” como no caso da política gradualista. Um exemplo tirado do livro de Macroeconomia de Bhanchard ajuda a clarificar essa ideia. Suponhamos que a sensibilidade da taxa de inflação a diferença entre a taxa de desemprego e a NAIRU seja igual a 1. Nesse caso, se o BC quiser reduzir a taxa de inflação em 10 p.p em um único ano, o desemprego terá que ser mantido 10 p.p acima da Nairu por 1 ano. Se o prazo de desinflação for ampliado para 2 anos, então o desemprego terá que ser mantido 5 p.p acima da Nairu por 2 anos … Se o prazo de desinflação for estendido para 10 anos, então o desemprego terá que ser mantido 1 p.p acima da Nairu por 10 anos. Em todos os casos, a razão de sacrifício será a mesma, qual seja, 10 anos-pontos de excesso de desemprego.
 
Nessas condições o BCB parece ter optado pela estratégia do “peru frio”. As declarações do Presidente do BCB, Alexandre Tombini, e de outros diretores do BC como, por exemplo, Toni Volpon, apontam para o desejo do BCB de levar a inflação para 4,5 % a.a no final de 2016. Dada a persistência do atual patamar inflacionário, o qual beira os 9% a.a, isso significa uma desinflação de, pelo menos, 4,5 p.p em 18 meses. Admitindo um coeficiente igual a um para a sensibilidade da inflação ao excesso de desemprego, então a estratégia adotada pelo BCB implica que o desemprego deve ser mantido 3 p.p acima da taxa de equilíbrio por um período de 18 meses. Se considerarmos a taxa média de desemprego dos últimos 2 anos como uma estimativa da NAIRU para a economia brasileira, então o desemprego de equilíbrio é 6% da FT, o que significa que a estratégia do BCB implica numa elevação da taxa de desemprego para, pelo menos, 9% da FT nos próximos 18 meses.
 
Eu acho muito pouco provável que a sociedade brasileira tenha condições políticas e econômicas de suportar uma elevação de quase 50% da taxa de desemprego, ainda que por um período relativamente curto de tempo. Uma estratégia de desinflação que me parece mais sensata é dilatar o prazo de convergência da inflação para o centro da meta de 4,5% a.a para o final de 2017. Dessa forma, nas condições supostas no exercício acima, o prazo de convergência seria estendido para 30 meses, permitindo assim que o excesso de desemprego com respeito ao seu valor de equilíbrio seja reduzido para “apenas” 1,8 p.p. Isso significa que a política monetária deveria ser calibrada de forma a manter a taxa de desemprego em torno de 7,8% da Força de Trabalho até o final de 2017. Trata-se de um resultado ruim em termos de performance do mercado de trabalho, mas não catastrófico. Dessa forma, a estratégia gradualista me parece mais apropriada do que a estratégia do “peru frio” adotada pelo BCB.
 
No raciocínio exposto acima, consideramos que a taxa de desemprego de equilíbrio – a NAIRU – é constante e independente da evolução da taxa de desemprego, ou seja, consideramos a ausência de qualquer efeito de histerese no mercado de trabalho. O problema é que a literatura mais recente a respeito da relação entre inflação e desemprego aponta para a dependência da taxa de desemprego de equilíbrio com respeito a história da taxa de desemprego. Nesse contexto, períodos nos quais a taxa de desemprego é mantida acima da NAIRU levam a um aumento da taxa de desemprego de equilíbrio por uma série de mecanismos, em particular, a perda de habilidades e capacitações dos trabalhadores que perdem seus empregos e ficam longe do mercado de trabalho.
 
Se o efeito histerese for relevante para a economia brasileira – e não há nenhuma razão para acreditar no contrário – quanto maior for o excesso de desemprego com respeito a NAIRU num determinado período, maior será o acréscimo da NAIRU nos períodos seguintes, o que irá aumentar, de forma permanente, o custo da desinflação. Em outras palavras, uma vez que a inflação tenha convergido para a meta de 4,5 % a.a a taxa de desemprego de equilíbrio terá aumentado num montante aproximadamente igual ao excesso de desemprego que foi requerido durante o período de desinflação. Como na estratégia do “peru frio” o aumento do desemprego é maior, segue-se que essa estratégia levará a um aumento maior – e de caráter permanente – da taxa de desemprego.
 
Em função dessas considerações, acredito que o BCB deveria rever sua estratégia de desinflação. Com efeito, um ritmo mais gradual de redução da taxa de inflação – com o prazo de convergência sendo estendido até 2017 – me parece mais razoável tanto do ponto de vista econômico como político. Essa revisão permitiria a interrupção imediata do atual ciclo de elevação da taxa selic, dando espaço assim para uma desvalorização adicional da taxa de câmbio, a qual é absolutamente necessária para a retomada do crescimento da economia brasileira a partir do segundo semestre de 2016. Se isso não ocorrer, o ajuste fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda não será bem sucedido, em função do efeito negativo que a contração do nível de atividade terá sobre a receita tributária. E se o ajuste fiscal for mal sucedido, será impossível impedir a perda do grau de investimento, abrindo-se então as portas para uma crise cambial de grandes proporções em algum momento ao longo do ano de 2016.
 
José Luis da Costa Oreiro
Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisador Nível IB do CNPq e Presidente da Associação Keynesiana Brasileira.
Redação

7 Comentários

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  1. Pergunta

    Perguntem a qualquer trabalhador se prefere viver com inflação ou estar desempregado, vivendo de bico ou favor e sem perspectiva. A resposta é óbvia. Logo, a conversa mole de combater a inflação à custa dos sacrifícios dos trabalhadores (maioria absoluta) não cola mais. Aliás, está ficando cada vez mais claro (e provado) que essa  c r i m i n o s a  política de juros não é aplicável a nosso tipo de inflação e só beneficia quem não precisa, aumenta a dívida pública, tornando necessário mais arrocho e o círculo vicioso “mata” a economia. Não há  n e n h u m   c a s o  em que tenha dado certo.

  2. Nassa,vc é muito profundo,
     

    Nassa,vc é muito profundo,

      Sugiro que no fim de semana , tire a gravata e caia na gandaia.

              Ah vá…, um dia por semana ….

                     Relaxa !

       

  3. realismo político deixa keynes pelo caminho

    Parece que até mesmo o Professor Oreiro, campeão do keynesianismo brasileiro oficial, também joga a toalha. Claramente aceita que não há outra saída fora do tripé ortodoxo atual – câmbio flutuante, meta de inflação (de preferência buscada por um BC independente) e política fiscal voltada para estabilizar indicadores de solvência. 

    É importante que nossos amigos da esquerda “social” e “política” entendam isso: a situação econômica do Brasil é muito complicada. É certo que Dilma “sugeriu” uma continuidade da política econômica que não podia entregar (talvez tenha se convencido disso só durante seu “inverno do patriarca”, de novembro a fevereiro). A inflação está estupidamente alta, o câmbio ainda está longe de um patamar que permita uma retomada vigorosa à frente e o endividamento aumentou muito e tende a subir. Embora haja muita intabilidade e anormalidade no cenário internacional, é difícil negar que o lulismo deu os cocos.

    Para viabilizar a desconcentração de renda em marcha forçada a que se propunha, teria que ter investido mais em aumento da produtividade (de fato, por um tempo pareceu que bastava distribuir renda e, via aumento de escala, a priodtuvidade viira, daí o investimento, daí o aumento de salário e emprego e assim por diante) e/ou forçado o câmbio para cima muito mais. Para fazer o primeiro, ele teria de ter contido a fúria consumista da classe média e aumentado a arrecadação até o ponto em que poderia aumentar o investimento e fazer política industrial de verdade. Para fazer o segundo, teria de admitir uma inflação mais alta e/ou partir para medidas mais heterodoxas contra a inflação, á la Kirschneristas. Medidas que pareciam difíceis, mas sobretudo pareciam não valer o custo em um cenário de radical incerteza como o de 2009-10, agora parecem muito mais evidentes. Tirando a questão cambial – provavelmente resultado de uma combinação com lideranças do sistema financeiro intermediada por Meireles – Lula teria que ser clarividente ou muito mais desenvolvimentista do que era para ter bancado os possivelmente altos custos de forçar novo aumento da carga tributária (haja vista perda da CPMF) ou de topar gerir uma inflação alta no fio da navalha. 

    O fato é que a herança para Dilma ficou muito pesada e sugere uma ruptura. A gestão fiscal só pode ser feita com uma mão muito mais pesada nos direitos sociais. É evidente que, como sabe muiot bem o Professor Oreiro, que seria muito melhor fazer todo ajuste só com controle fiscal, algo parecido como os 4,25% que … Palocci entregou com folga em 2003. Os juros subiriam muito menos e por menos tempo, o cãmbio se ajustaria rapidamente com juros menores, e a economia voltaria a crescer com algum vigor já em 2016. Eu realmente tenho dificuldade de entender porque não se pode bancar essa estratégia junto aos movimentos sociais. Desocnfio que em alguma medida Lula está por trás disso, mas talvez ele também não tenha muita opção. 

    Não acho que Dilam realmente optou pelo outro caminho:  o ajuste que der pra tirar do congresso, com o nível de apoio efetivo que ela tem, deixando para o BC domar a inflação. Claramente o que acontece é uma incompatibilidade entre as metas do Levy e do … daquele cara lá no BC que só se interessa em “coordenar expectativas dos bancos” – um eufemismo para dizer “agradar aos falcões dos bancos”. O aumento acima de qualquer razoabilidade dos juros por conta de um objetivo espafúrdio de trazer a 4,5% a inflação em 2016 impedirá, de longe, que a dívida se estabilize. De outro lado, Levy insiste que fará que o nível de dívda caia (sic). E finalmente, Dilma sustenta gastos sociais e transferências incompatíveis com o ajuste.

    Só há uma esperança: os EUA ganham velocidade acima do esperado no segundo semestre e a Europa reage pra valer. Para funcionar, o cãmbio sobe muito e para “acomodar” seu efeito, os serviços caem. Não preciso dizer que isso só aconteceria com os salários e o emprego vindo abaixo pra valer. Isso teria de se dar numa velocidade impressionante para a inflação estar na meta em 2016. Não acho que o BC esteja pensando isso: ele sabe que com os juros nesse patamar, o câmbio vai estabilizar mesmo que os EUA cresçam muito. Ou seja, o BC faz o trabalho dele em nome de um objetiov que inevitavelmente impedirá o Brasil de crescer, porque fecha o único canal plausível (não vou nem comentar o ridículo do pacote de infraestrutura: ele não mira invesimento e PIB, mas apenas gerar mais caixa para o governo fechar as contas em 2016), que o do comércio exterior.

    Isso impedirá que a dívida estabilize e dificultará o crescimento mesmo em 2017 e 18. 

    Forma-se um cenario propenso a ampliar o niilismo bestial que já reina. 

     

     

     

     

  4. Emprego não tem oposição.

    Prof. José Luis, não me parece que o BACEN esteja preocupado com empregos. Seus funcionários (todos) nunca estiveram em filas de emprego ou tiveram que enviar curriculum e ficar torcendo para ser chamado para entrevista, enfim, nunca estiveram no andar de baixo da sociedade. Concordo com o Sr. em relação à necessidade de diminuição da taxa SELIC, visto ela encarecer o crédito e desestimular a produção provocando com isso o desemprego. Há ainda o problema do não repasse pelos bancos da diferença entre o que recebem pela aplicação nos títulos do governo e os produtos por eles vendidos ao mercado, o famoso spread. Os bancos aumentaram muito pouco o ganho de quem aplica em seus produtos. Aproveitaram para melhorar sua lucratividade. É uma verdadeira transferência de renda do setor produtivo para os rentistas, onde os bancos são os principais beneficiários. Não acredito que aconteceria uma corrida para aplicações em dólares caso a SELIC viesse a sofrer diminuição. Há o receio do BACEN quanto a não colocação dos novos títulos que o governo viesse a lançar e, como ele está fazendo a rolagem da dívida com novas dívidas, ele necessita de clientela certa para essas operações. Destravar o compulsório seria um dos caminhos para oferecer dinheiro ao mercado de crédito sem ter que oferecer altas taxas na SELIC. Isso não afetaria o nível de emprego tanto quanto a elevação da taxa. Para quem está de fora, dá a impressão que é a oposição que está no comando porque criar empregos não tem oposição, todos são a favor. Mas aumentar o desemprego, através da administração financeira, é fazer o jogo que a oposição mais deseja. Me parece que os comandantes do BACEN não entendem nada de produção, distribuição e consumo mas é justamente isso que toca uma nação. É nesse sentido que se deve administrar todo o resto. O setor financeiro não pode comandar uma economia tendo em vista ser um setor assessório. O principal é a produção, ou seja, a economia real. Quando há inversão são os trabalhadores que perdem, como está começando a acontecer agora.

  5. Realinhamento dos preços é uma forma de indexação

    Primeiro é preciso deixar claro que o realinhamento dos preços é uma contradição do governo e do Copom que discursa contra a indexação de preços.

    Boa parte do aumento dos juros da Selic se deve ao temores do Copom em relação aos impactos da revisão da política monetária que foi iniciada em 2014, primeiro com a redução gradual da injenção de liquidez, depois com o provável aumento gradual dos juros para uma patamar de 4% anuais.

    Precisamos lembrar que os impactos do deslocamento de capital provocado pela revisão da politica monetária nos EUA, com o aumento gradual dos juros americanos para um patamar em torno de 4% nominais ao ano, terá um impacto diferente na contas públicas no Brasil, do que ocorreu em momentos de deslocamento de capital no mercado financeiro no passado não muito distante.

    Desta vez a dívida pública tem um nível muito baixo de exposição cambial, além do Brasil possuir  Reservas cambiais de quase US$ 400 bilhões .

    Agora haverá um aumento da dívida pública bruta em razão do aumento em reais da divida externa, do auemnto a remuneração dos títulos atrelados ao IPCA e a Selic, mas haverá uma significativa redução da dívida pública líquida em razão do aumento em reais da Reservas Cambiais, e a diminuição da remuneração dos títulos públicos pré-fixados (cerca de  40%) que estão em carteira

    Pode ser que o Copom esteja exagerando na avaliação  dos impactos de crise de liquidez nas contas públicos, do mesmo modo que exagerou nos temores em relação ao passivo externo na crise de liquidez internacional no final de 2008.

    A participação de títulos públicos atrelados ao câmbio está em torno de 0,5% e a dívida externa atrelada ao câmbio representa menos de 5% do total da dívida pública Bruta.

    anexo:

    STN-Secretaria do Tesouro NacionalDívida Pública FederalArtigo Dívida Pública FederalRelatório Mensal da Dívida—————Relatório Mensal da Dívida – 2015—–Abr – RelatórioTabelas

     

  6. Não tem dilema

    O dilema não existe para o BC. Para eles, a inflação é muito mais importante, o desemprego não é importante para eles.

    O dilema é nosso, de saber como iremos defenestrar a presidente de seu cargo, antes que ela faça mais asneiras. Alguns falam de esperar até 2018, mas há dúvidas se até lá ela não terá destruido o que resta do país.

    1. Se

      Se não estivesse estabelecido (na marra diga-se de passagem) que o “combate” à inflação se daria aumentando a SELIC, a inflação cotinuaria tão importante para o BC? Perguntar não ofende, não é? 

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