Qual o tamanho do agronegócio brasileiro? (3/3), por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

No Brasil, o subsídio revela-se nas isenções de impostos e no regime tributário, permitindo que mega fazendeiros operem como pessoas físicas, muitas vezes, empregando milhares de pessoas em regime de safra.

Prefeitura Municipal de Anchieta – ES

Qual o tamanho do agronegócio brasileiro? (3/3)

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Quanto mais se reza, mais assombrações aparecem.

A maior prova de que o agronegócio brasileiro, se não for, está perto de ser o maior do planeta é o fato de que o país é alvo das atenções do mundo. Quem está em primeiro é sempre o competidor a ser batido, especialmente, quando se trata de uma competição em que envolve recursos públicos. Na Europa e Estados Unidos, o subsídio médio gira em torno dos 30%, chegando a 70% para alguns itens estratégicos. No Brasil, o subsídio revela-se nas isenções de impostos e no regime tributário, permitindo que mega fazendeiros operem como pessoas físicas, muitas vezes, empregando milhares de pessoas em regime de safra. O ITR, por exemplo, não chega a 1% da arrecadação federal, sendo repassado todo aos municípios. Não poderia ser de outra forma porque a arrecadação não se pode considerar somente per capita. É necessário tomar em consideração a área a administrar, e, mesmo assim, a distribuição reflete o fato de os empresários rurais serem extremamente beneficiados, A discussão é quanto e como. Não dá, por exemplo, para falar em tributar grandes fortunas sem, antes, fazer uma reforma na base da tributação, tal que os verdadeiros milionários sejam identificados. Posto que os subsídios brasileiros não são claros, a Organização do Comércio não consegue punir o Brasil no que tange os impostos, daí sermos alvo de constantes retaliações, hora em âmbito sanitário, hora sob o aspecto ambiental.

Brasileiros em geral já ouviram falar em “antes da porteira”, “dentro da porteira” e “depois da porteira”. Esses três termos traduzem a abrangência do agronegócio. Tomando a matriz intersetorial descrita na primeira matéria desta série, os três passos estão contidos nas células primário – primário, correspondendo aos minérios usados diretamente dentro das fazendas, bem como os negócios entre fazendas; secundário – primário, que englobam desde insumos industrializados até máquinas e implementos; o terciário – primário, que contém as transações entre prestadores de serviços e as fazendas, indo da consultoria ao transporte de insumos e produtos acabados, bem como sua armazenagem. Há ainda o benefício dos produtos agrícolas que se operam em verdadeiras plantas industriais de grande porte, como usinas de açúcar e álcool ou mesmo esmagadoras de grãos, podendo-se incluir uma parte significativa do PIB em transações entre os setores primário e secundário. O grande problema é que, em nenhuma célula, o agronegócio ocupa 100% das transações, bem como em nenhuma das restantes deixa de haver traços dos agronegócios. É justamente essa extremamente complexa interação que deu origem ao próprio termo.

Tomando-se a soja, que hoje se pretende atribuir o mesmo significado que se deu ao café no fim do século XIX e início do século XX, com uma produção realista de 140 T milhões ao ano, ao preço de R$180,32/sc, ou R$3.000,00/T,[1]obtêm-se R$421 bilhões. Adicionando-se 116 T milhões de milho[2], ao preço de R$1.700,00/T, obtêm-se R$197,2 bilhões[3]. Os 36 T de açúcar, em média, ao preço de R$149,02/sc[4], ou R$2.980,00/T contribui com R$107,28 bilhões. Somente esses três produtos somam R$725,48 bilhões ao ano, algo como 9% de nosso PIB. Mas há outros produtos como café arábica, com R$90,77 bilhões; algodão, que oferece dois coprodutos, caroço e pluma, e suco de laranja que, depois de alguns malabarismos, enquadram-se entre as commodities mais vendidas do país. Nesses três casos, a exemplo do açúcar, a cotação já considera o beneficiamento, que é feito depois da porteira. O gado também é significativo, pois são abatidas 54 milhões de cabeças ao ano que, a R$5.100,00 cada[5], chegam aos R$270 bilhões. Só que não dá para fazer uma soma simples porque gado come milho e soja, assim como fazem os frangos e os porcos, competindo, grosso modo com a contabilidade dos grãos. Há ainda mais de 30 T milhões de grãos que não são commodities, como arroz, feijão, canola cujo consumo é significativo mas passam ao largo das bolsas de mercadorias, pelo menos, no Brasil.

Ao contrário do que se imagina, as hortaliças e as frutas também carregam características de mercado consistentes com grande parte dos itens acima. Tomate, ervilha, entre outros, dividem-se entre indústria e mesa, indo às raias da sofisticação como os vinhos e licores e como as cachaças. Todos esses itens não podem ser esquecidos, quando se fala em agronegócio, posto que são os de maior valor agregado. 1 ha de alho, por exemplo, vale tanto quanto 19 ha de soja, em faturamento, ou a 6 ha em custo. Esse é o lado do agronegócio que, apesar de ser o mais lucrativo, passa ao largo do glamour atribuído pelo “Agro é tec, agro é pop’ da televisão. Assim, é de se imaginar que falar em o agronegócio ser responsável por de 25% a 35% do PIB não é exagero, mesmo que, com tantas dificuldades para medir, não se consiga provar número algum.

Não dá, por exemplo, para falar em tributar grandes fortunas sem, antes, fazer uma reforma na base da tributação, tal que os verdadeiros milionários sejam identificados. Enquanto rentistas da terra e arrendatários em proporções estratosféricas forem considerados pessoas físicas, ou que tudo o que produzem continuar a ser isento de impostos sob o pretexto de tratar-se de alimentos, haverá sempre uma casta indevidamente beneficiada.


[1] Cotação BMF à vista para 31 de janeiro de 2022.

[2] Conab para 2021

[3] Cotação BMF à vista para 31 de janeiro de 2022.

[4] Cepea/Esalq para 28 de janeiro de 2022.

[5] Cepea/Esalq para 28 de janeiro de 2022, considerando animais com 17@ e R$300,00/@.

Leia os artigos da série:

Qual o tamanho do agronegócio brasileiro? (1/3), por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Qual o tamanho do agronegócio brasileiro? (2/3), por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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