Por Geraldo Recos
A falta de diálogo entre os diversos cadernos de um jornal sempre foi um problema para a imprensa. Enquanto um diz uma coisa o outro diz outra coisa. No Estadão de hoje há um perfeito exemplo disso.
No caderno de economia, Sardenberg tese loas ao sucesso da Espanha na Copa atribuindo-o ao liberalismo. Para ele, o mercado livre do futebol espanhol só contribuiu para o sucesso da seleção local. Aproveita para narrar os supostos benefícios desse livre comércio.
Já no caderno de esportes, reportagem desenha um retrato bem diferente, mostrando o estado falimentar de vários clubes espanhóis. O título já dá uma boa idéia: “Jogadores milionários e clubes endividados .
Os links são estes:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100712/not_imp579907,0.php
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100712/not_imp579833,0.php
A Fúria, produto do livre mercado
Carlos Alberto Sandenberg
O sucesso da seleção espanhola, a Fúria (*), demonstra como é correta a tese favorável aos mercados abertos. Na verdade, o que acontece no futebol espanhol é a realização completa dessa ideia, tão cara a muitos economistas.
Há muito tempo os clubes espanhóis contratam jogadores estrangeiros. Como em qualquer outro setor, importa-se o que de melhor têm os países exportadores.
E estes só conseguem colocar lá fora os seus produtos mais competitivos, isso definido por uma combinação de qualidade e preço.
No caso do futebol, isso fica muito claro. Só faz sentido – no início do processo, ao menos – contratar jogadores melhores do que os disponíveis internamente, pagando salários mais elevados. Ainda hoje os estrangeiros Cristiano Ronaldo e Kaká são os mais caros na Espanha. Também faz sentido importar jogadores de qualidade apenas um pouco superior à média local, mas cuja contratação seja mais econômica.
Em qualquer caso, a consequência é a elevação do nível do futebol importador. Os jogadores locais, para conseguirem vaga nos times, precisam evoluir até o ponto em que estão os estrangeiros, com os quais passam a competir.
Muita gente diz que a importação livre acaba com a produção local, seja de geladeiras ou de jogadores. O caso da Espanha prova o contrário. Nunca o time espanhol teve tantos craques, nunca jogou tão bonito. Tal foi a mudança que os jogadores espanhóis – antes colocados em segundo nível no mundo – passaram também a ser exportados para outros centros de excelência.
Isso fecha o processo, o mercado tornando-se ao mesmo tempo importador e exportador. Nos clubes, a combinação do local e do importado, num nível superior.
Consideremos o Barcelona, campeão espanhol, vice da Europa. Entre os seus 20 principais jogadores, nove são estrangeiros. E nada menos do que sete espanhóis foram titulares da Fúria na Copa do Mundo da África do Sul.
Perguntará o leitor: e a Itália e a Inglaterra, também fortemente importadoras, mas que deixaram a Copa logo no começo?
Foi circunstancial. Não se deve esquecer que a Itália foi a campeã de 2006, com uma seleção de craques (quando já era importadora), e chegou à África do Sul com um time envelhecido e cansado. Problema de gestão.
A Inglaterra, onde está a maior legião estrangeira, formou agora, com um técnico importado, a melhor seleção dos últimos tempos. Nunca teve tantos craques no mesmo time. Acontece, apenas, que eles não estiveram bem na Copa, estavam ou cansados ou machucados. Lembrando: a seleção foi muito bem na fase de classificação, que é sempre muito difícil na Europa.
Vira e mexe, sai essa discussão na Europa. Na própria Espanha, o fracasso na Copa passada foi atribuído por muitos analistas locais à “invasão estrangeira”. Aliás, os cartolas italianos acabam de limitar o número de estrangeiros em seus times.
É a mesma coisa que pedem produtores locais de qualquer país e qualquer setor quando submetidos à competição com os importados. Claro que é preciso cuidado com dumping, preço vil, concorrência desleal. Mas isso é simples de administrar.
É muito diferente de instalar um sistema protecionista, que bloqueia de algum modo a entrada dos importados. Isso sempre levou à estagnação econômica e a prejuízos para o consumidor, que só tem acesso a produtos piores e mais caros.
Se a Espanha tivesse proibido a importação de jogadores, teria times piores, que ofereceriam espetáculos piores e, portanto, com faturamento muito menor. A importação elevou o nível do futebol local e, na verdade, com a constituição dos grandes clubes, cada vez mais atuantes nos campeonatos europeus, abriu espaço para a formação dos craques locais.
Exportador. Nesse mercado, o Brasil está no papel de exportador, grande exportador, como a Argentina e, de resto, toda a América do Sul.
Isso tem enfraquecido o futebol local, sem craques e, pois, com menos faturamento.
Vai daí que muita gente acha que proibir a exportação, em especial dos jovens, é uma saída.
Um baita equívoco.
Primeiro, porque seria uma violação da liberdade de ir e vir e de trabalhar. Então, um clube europeu oferece uma nota ao jovem pobre e ele é obrigado a jogar no Brasil por salários muito menores?
Não é justo, não é legal.
Nem eficiente.
Os jogadores vão embora porque os clubes não têm dinheiro para lhes pagar em níveis internacionais. E por que não têm dinheiro? Porque dirigentes amadores e incompetentes, para dizer o mínimo, não conseguem tornar mais rentável um negócio que empolga milhões de pessoas que poderiam perfeitamente pagar mais caro por espetáculos mais bem organizados.
O atraso mede-se pela preparação da Copa de 2014. No país campeão do mundo cinco vezes não há um único estádio de padrão Fifa. E esse padrão não é nenhum excesso dos cartolas. O que se exige são estádios que ofereçam conforto ao público consumidor e boas condições de trabalho para os jornalistas, especialmente para a televisão, de onde vem a maior parte do faturamento desse negócio.
É tão ruim a gestão do futebol no Brasil que cria até uma esperança. Alguma profissionalização já produziria resultados.
(*) Escrevo na sexta-feira, mas, independentemente do resultado da final da Copa do Mundo, o time da Espanha mostrou classe e eficiência.
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Jogadores milionários e clubes endividados
Seleção espanhola é a mais valiosa do Mundial, mas clubes acumulam dívidas por má administração 12 de julho de 2010 | 0h 00
Almir Leite, André Cardoso, Daniel Akstein Batista, Jamil Chade, Wilson Baldini Jr. – O Estado de S.Paulo
ENVIADOS ESPECIAIS
JOHANNESBURGO
Vitoriosos dentro de campo, os jogadores da seleção espanhola já formavam, antes da final, a trupe mais valiosa do mundo. Com o título, as projeções são de uma valorização ainda maior. Baseado nos direitos econômicos dos jogadores de cada seleção, o site português Futebol Finance estimou que a Espanha, com atletas como Fábregas, Xavi, Fernando Torres, Iker Casillas e David Villa, acumula um valor de 565 milhões (R$ 1,25 bilhão). Até antes da queda, o Brasil vinha em 2.º lugar, com 515 milhões (R$ 1,14 bilhão).
O título, além de valorizar os novos campeões que ganharam R$ 50 milhões da Fifa, pode ajudar a atrair investidores. Um levantamento realizado por economistas da Universidade de Barcelona, obtido recentemente pelo Estado, aponta que o endividamento do futebol campeão do mundo é de 2,8 bilhões (R$ 6,2 bilhões).
Dívidas não são novidade no futebol espanhol e o problema passou a ser crônico nos últimos anos. Como consequência, alguns clubes já foram colocados em administração judicial para evitar que sejam dissolvidos. Outros venderam seus estádios e campos de treinamento. Só ao Fisco, os clubes devem mais de 600 milhões (R$ 1,33 bilhão). O mais endividado é o Real Madrid, com 527 milhões (R$ 1,17 bilhão), acima de seu orçamento anual de 366 milhões (R$ 815 milhões).
Em situação mais crítica está o Atlético de Madrid. Tem uma dívida de 430 milhões (R$ 957 milhões), mas os prejuízos se avolumam. O projeto de construir um novo estádio foi abandonado.
O Barcelona tem uma dívida de 388 milhões (R$ 864 milhões). Segundo seu ex-administrador de finanças, Ferran Soriano, o déficit é sustentável e do que o futebol espanhol precisa é de uma gestão profissional. “A constatação é de que o resultado em campo está diretamente ligado ao que fazemos fora dele”, analisa. “A gestão é central para qualquer resultado. As decisões não podem ser tomadas com base na paixão.”
O Valencia, com dívidas de 286 milhões (R$ 637 milhões), estaria prestes a declarar-se insolvente, sem ter como pagar os empréstimos. Além disso, não consegue negociar com bancos novas linhas de crédito.
Se os grandes e tradicionais clubes sofrem, os pequenos têm a corda no pescoço. Sporting Gijón, Málaga e Real Sociedad estão sob administração judicial. O Celta está no tribunal de comércio e só não foi dissolvido graças a uma maquiagem em suas contas. A esperança é que, depois do título, empresas queiram investir no futebol e sanar dívidas dos clubes. Tarefa de fôlego.
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