A guerra comercial de Trump é um pelotão de fogo circular, por William Pesek

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do OPEU – Observatório Político dos Estados Unidos

A guerra comercial de Trump é um pelotão de fogo circular

Destinadas à China, as tarifas de Trump colocam os Estados Unidos contra a Europa, o Canadá, o México e ainda dão ao Japão, à Coreia e a outros países motivos para deixar de dialogar com a Casa Branca.

por William Pesek

Especialistas andam envolvidos em um debate irresistível: quem errou mais nos cálculos comerciais – Donald Trump ou Xi Jinping? Bons argumentos podem ser apresentados por ambos lados.

O presidente dos Estados Unidos errou tremendamente quando disse: “As guerras comerciais são boas e fáceis de vencer.” Não quando seu inimigo é o líder de um governo orgulhoso, cuja legitimidade depende de parecer forte e resoluto.

Em Pequim, o erro de cálculo de Xi foi pensar que o líder que alegava “America First” estava blefando. Evidentemente, Trump não estava. Mas o passo em falso seguinte foi inteiramente de Trump, quando ele voltou-se contra empresas multinacionais que por muito tempo tornaram ótima a economia americana.

“O objetivo é dissociar as duas maiores economias do mundo, incentivando as empresas americanas a investir menos na China e mais em casa”, diz Arthur Kroeber, da Gavekal Research. “Diante desse objetivo, o que fará com que Washington alivie a pressão tarifária não é uma ação da China, mas evidências de que as empresas americanas mudaram suas práticas. Isso ainda vai demorar muito.

Uma ferida auto infligida

Se é que esse tempo vai chegar mesmo. Trumponomics já criou uma dinâmica de fogo amigo entre parceiros comerciais. Embora destinadas à China, as tarifas de Trump estão colocando os Estados Unidos contra a Europa, o Canadá, o México, e ainda dão ao Japão, à Coreia do Sul e a outros países motivos para parar de atender ligações da Casa Branca.

Mas a ambivalência de Trump em relação aos principais CEOs da América é uma ferida auto-infligida e duradoura.

Recentemente, a Ford Motor Co. tornou-se a principal evidência do desejo de Trump de recuperar o poder de manufatura norte-americano. Depois que Trump fez essa afirmação, em um tuíte de 9 de setembro, a Ford explicou que não seria viável produzir modelos como o Focus Active nos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, as tarifas de Trump tornam inútil a montagem de modelos na China para importação dos Estados Unidos. A Harley Davidson também está mudando para o exterior a produção para atender às importações europeias.

A Apple também. Trump quer que o CEO Tim Cook pare de montar iPhones na China, transferindo empregos para os Estados Unidos. Além dos altos custos de mão de obra norte-americana, cerca de 90% das peças do smartphone são fabricadas no exterior, a grande maioria das quais vem da cadeia de fornecimento do leste asiático. Transportar todos esses chips, baterias, módulos de câmera e outros componentes para os Estados Unidos e pagar as tarifas de Trump não faz sentido.

Investimentos diretos na China

Existem inúmeros outros estudos de caso que criticam a recomendação do representante de Comércio dos Estados Unidos, Robert Lighthizer: se alguém quiser evitar nossas penalidades de importação, faça as coisas em casa. Para intensificar a questão, os reguladores aumentaram o escrutínio das empresas chinesas que investem na América e das empresas norte-americanas que vendem tecnologia para a China continental.

Esta política do “ou nós ou eles” apresenta vários problemas. Um deles, diz Kroeber, é que as empresas americanas têm mais de 250 bilhões de dólares em investimentos diretos na China, alcançando quase 500 bilhões de dólares em vendas na China continental a cada ano.

“Para muitas empresas, a China é o maior e mais promissor mercado. Em um número cada vez maior de setores, evitar o mercado chinês simplesmente não é uma estratégia comercial viável”.

Se uma multinacional americana não estiver presente lá, perderá participação de mercado e lucros, prejudicando os acionistas. Extrapole essa dinâmica um pouco mais e o mercado de ações em alta, que Trump agita diariamente, pode deixar de ser tão vibrante.

“E na direção oposta”, diz Kroeber, “muitos governos locais nos Estados Unidos estão sedentos pelos investimentos em manufatura e infraestrutura que a China oferece”.

Com sua guerra comercial em expansão, Trump pensa pequeno. Seu governo obteria muito mais vantagens com políticas que reduzissem as barreiras comerciais, incentivassem a inovação, oferecessem assistência educacional para aumentar a produtividade e a competitividade e atraíssem ainda mais talentos estrangeiros. Trump está fazendo exatamente o oposto, apostando tudo no mercantilismo.

Considere também como Trump vem sendo forçado a salvar os agricultores e outras indústrias devastadas pelos aumentos de impostos relacionados à China. Esse dinheiro, claro, será emprestado pela China. Não deixe de mencionar essa lógica financeira circular.

Envolvimento da China com a África

A China está tomando outros rumos. Trump à parte, diz Ian Bremmer, do Eurasia Group, a verdadeira história do momento é a preponderância cada vez maior das relações comerciais chinesas, e como a ordem global está se adaptando à crescente influência política, tecnológica e militar chinesa.

“Isso”, diz Bremmer, “é maior na vizinhança chinesa mais próxima e entre os mercados mais pobres do mundo, mais dependente do envolvimento com a China – como na África, onde os negócios com Pequim já são quatro vezes maiores do que os com os Estados Unidos, e seguem aumentando essa diferença.”

As multinacionais sediadas nos Estados Unidos não querem realmente participar dessa megatendência? Dificilmente. Isso deixa os CEOs em uma posição muito complicada: ignorar os pedidos de nacionalização de Trump, evitando sua ira quando ele perceber que todos esperam por 2020, quando os americanos, presumivelmente, elegerão um presidente que compreenda as noções básicas da economia.

Xi já sinalizou que não vai se curvar ao país de Trump. As multinacionais dos Estados Unidos podem ter mais dificuldade em esquivar-se do pelotão de fogo circular de Trump. As avaliações de Wall Street também.

 

Tradução de Solange Reis

Artigo originalmente publicado em 13/09/2018, em http://www.atimes.com/article/trumps-trade-war-is-a-circular-firing-squad/

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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