Casa Branca ameaça juízes da Corte Internacional de Justiça, por Solange Reis

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

do OPEU – Observatório Político dos Estados Unidos

Casa Branca ameaça juízes da Corte Internacional de Justiça

por Solange Reis

Em um ataque sem precedentes à Corte Internacional de Justiça (CIJ), o governo dos Estados Unidos ameaçou punir os juízes do órgão que prossigam com as investigações sobre alegados crimes de guerra cometidos por americanos no Afeganistão.

Os magistrados da CIJ poderão ficar proibidos de entrar nos Estados Unidos, ter eventuais bens congelados no sistema financeiro americano e ser criminalmente processados pelos tribunais do país.

John Bolton, conselheiro de segurança nacional, fez o comunicado na segunda-feira (9), durante seu discurso na Federalist Society, organização jurídica conservadora com grande capacidade de penetração no sistema judiciário americano.

“Os Estados Unidos usarão quaisquer meios necessários para proteger nossos cidadãos e os de nossos aliados da acusação injusta por uma corte ilegítima”, enfatizou Bolton.

O conselheiro também disse que pretende assinar novos acordos bilaterais de cooperação com outros países, a fim de evitar que cidadãos americanos sejam entregues à Corte de Haia.

“Não vamos cooperar com a CIJ. Não vamos dar assistência à CIJ. Não vamos juntar-nos à CIJ. Vamos deixar a CIJ morrer sozinha. Afinal, para todos os efeitos, a CIJ já está morta para nós”, continuou Bolton.

O discurso duro seguiu com menções à supranacionalidade e ao caráter “antidemocrático”, à prática de “violação” da soberania dos Estados-nação, à “corrupção e à ineficiência dos juízes”, e à crescente “perda de credibilidade” da Corte.

Bolton considera o órgão a mais recente empreitada neocolonialista europeia contra os direitos soberanos na África, alegando que os africanos são os mais processados pela CIJ.

O alvo da ira da Casa Branca são os juízes que vêm investigando crimes no Afeganistão imputados a soldados dos Estados Unidos e de países aliados, bem como a funcionários de agências de inteligência.

A Guerra do Afeganistão está prestes a completar 17 anos, durantes os quais não faltaram relatos de abusos cometidos pelas forças ocidentais, principalmente as americanas. Além de atos individuais ou coletivos praticados por militares, os investigados poderão responder por operações em prisões clandestinas. Entre as acusações figuram tortura, estupro e atrocidades generalizadas contra pelo menos 88 afegãos presos naqueles locais.

As investigações começaram no final do ano passado. Desde então, Bolton acirrou seus antigos e notórios ataques a essa instituição das Nações Unidas. A Corte Internacional de Justiça foi estabelecida pelo Tratado de Roma, em 2002, mas os Estados Unidos nunca tornaram-se signatários. Bolton, que naquele ano era funcionário do Departamento de Estado, foi um dos que trabalharam pela não adesão do país. Ainda orientou o governo a firmar uma centena de acordos bilaterais com países aliados, a fim de evitar que estes viessem a entregar cidadãos americanos para o tribunal.

Entre 2005, Bolton foi promovido a embaixador na ONU. Somente após sua saída do governo no ano seguinte, os Estados Unidos começaram a mostrar uma tímida disposição em cooperar com a Corte.

Em fins de novembro de 2017, antes de entrar oficialmente para o governo Trump, Bolton voltou a bombardear a instituição. Em artigo no The Wall Street Journal, defendeu que os Estados Unidos “estrangulassem a Corte no berço”. Também acusou a ex-secretária de Estado, Condoleezza Rice, de enfraquecer os Estados Unidos com a decisão de apoiar as investigações da CIJ sobre o genocídio em Darfur.

Acima de tudo, o artigo de Bolton foi uma resposta à procuradora da CIJ, Fatou Bensouda, que, dias antes, dera início a apurações sobre possíveis crimes de guerra cometidos por americanos no Afeganistão.

No discurso desta semana, o neoconservador Bolton também anunciou planos para fechar o escritório em Washington da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). A medida é em retaliação à suposta indisposição da OLP para retomar as negociações de paz e às tentativas de processar Israel na Corte Internacional de Justiça por crimes contra a humanidade.

Em resposta ao processo impetrado pela OLP na CIJ em maio deste ano, juízes da Corte solicitaram a abertura de canais de informação pública para ouvir vítimas da ocupação israelense na Palestina. Assim como os Estados Unidos, Israel não assinou o Tratado de Roma e não reconhece a jurisdição da CIJ.

O discurso agressivo de Bolton, o primeiro de grande peso desde que assumiu o cargo atual, é mais do que o ataque a um órgão da ONU. Expressa de forma incontestável o desejo de ruptura do atual governo americano com a ordem internacional que os Estados Unidos apregoaram desde 1945.

Que algumas instituições internacionais tenham muito a perder nesse duelo é fato óbvio. O xis da questão, porém, é o quão prejudicial o rompimento com o sistema internacional estruturado no multilateralismo seria para a influência dos Estados Unidos num mundo em plena transformação.

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Exteriorizando uma crença

    Bolton é a voz da América Profunda, dos rednecks.

    Agora ve-lo falar de extraterritorialidade e violação do Estado-nação é no mínimo comico.

  2. é o contínuo isolamento do

    é o contínuo isolamento do império anglo-saxônico-sionista, chegamos à fase do abandono dos acordos multilaterais, fim do direito internacional (para eles, claro), e surgimento de um novo sistema..

    .. nesse momento, estamos com o pé em dua canoas.. uma vai afundar..

    Também no Brasil passamos por uma transformação profunda..

    .. tropeços à parte, dissimulações, adiamentos, nós vamos mudar o sistema..

    .. por isso que a velharada tá em pânico..

  3. Estão rifando um “impechment”……..

    e tenho  a impressão que Trump tem todos os numeros e cartelas……não sei se chega ao fim do mandato………tenho duvidas….

  4. Presente caso X lula
    Qualquer semelhança é mero acaso. O poderosos iniciaram as cortes internacionais para aprofundarem sua hegemonia mas quando os próprios se opõem a respeitar as regras… dane se as cortes e tratados internacionais.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador