Como explicar às crianças a eleição de Trump?

Especialistas orientam pais e tutores a não simplificar o tema, se aprofundando na complexidade do sistema eleitoral norte-americano 

 
Jornal GGN – O portal de notícias português Publico decidiu pedir a ajuda de psicólogos para dar ideias de como explicar Trump às crianças, um homem que ganhou as eleições da nação mais influente do planeta usando um discurso machista, racista e xenófoba.
 
A primeira orientação dos especialistas é não simplificar o tema e sim partir para a explicação complexa do sistema eleitoral americano e do discurso “de coesão” escolhido por Trump para daí partir para “uma mensagem positiva, de defesa de uma sociedade pluralista, diversa, com equidade e igualdade de direitos”.
 
Publico.pt
 
Um manual para explicar Donald Trump às crianças
 
JOANA GORJÃO HENRIQUES
 
Não simplificar o que é complicado. Descrever as especificidades da cultura e do sistema eleitoral americano. Mostrar que não é preciso subscrever os seus valores só porque foi eleito. Pedir às crianças que falem do tema. Psicólogos dão dicas sobre como explicar Trump
 
Donald Trump não teve problemas em defender valores e ideias misóginas, machistas, racistas e xenófobas que se andam há muito a combater. Ofendeu várias vezes a candidata democrata Hillary Clinton (“ela não tem cérebro”, foi uma das suas tiradas). Como explicar, então, que alguém que incitou ao ódio e incorpora o “que não se deve fazer nem dizer” numa democracia chegou a Presidente dos Estados Unidos da América – e como explicar que isso aconteceu porque milhões de americanos votaram nele? Pedimos a alguns psicólogos que dessem ideias para um “manual sobre como explicar Trump às crianças”.
 
Margarida Gaspar de Matos, psicóloga e coordenadora de estudos sobre crianças e adolescentes para a Organização Mundial de Saúde, acrescenta ainda: como é que Trump conseguiu ganhar com “o voto das pessoas que ele discrimina – as mulheres, os mais novos, os imigrantes?”  
 
Também coordenadora do projecto Dream Teens, uma rede de jovens consultores (entre os 11 e os 18 anos) que tem como objectivo dar voz aos jovens e incentivar a participação cívica, não acredita que a melhor forma de ajudar a compreender o que aconteceu seja a simplificação. É preciso descrever a complexidade da cultura e do sistema eleitoral americanos, e sublinhar que, pelo facto de ter “havido um revés”, isso não significa que vamos abandonar os nossos valores.
 
Assim, começaria por explicar algo “complicado” como o “discurso de coesão contra os outros” veiculado por Donald Trump. Depois, adoptaria uma estratégia oposta, passando uma mensagem positiva, de defesa de uma sociedade pluralista, diversa, com equidade e igualdade de direitos. Explicar a diferenciação entre o que são organizações partidárias e as eleições e o que são as políticas públicas e a cidadania activa que “tentamos incentivar” seria o passo seguinte. “Depois dizia que há milhões de americanos que votaram vencidos e estão muito mais deprimidos do que nós, porque têm que lá viver. Devemos apelar à empatia das nossas crianças.”
 
E conclui: “Paradoxalmente é nestas alturas dos reveses em que os nossos valores ficam abalados que devemos juntar-nos, e aos nossos filhos, à volta dos valores democráticos.”   
 
Respeitar democracia não é subscrever ideias de eleitos
O facto de um político ser eleito, e de termos que respeitar a democracia, continua o pediatra Mário Cordeiro, não implica “abdicarmos de defender aquilo em que acreditamos e que constituem valores e avanços civilizacionais”. Autor de vários livros, como Educar com Amor (Esfera dos Livros), diz que devemos sublinhar que o voto popular não “legitima” necessariamente “o que Trump pensa”. “Se achamos que devemos acolher refugiados, defender a igualdade de género e ser contra a xenofobia e o racismo, mais uma razão para ser activo na defesa das ideias e não titubear ‘porque toda a gente acha isto ou aquilo’.”
 
Lições a tirar? “Será uma oportunidade para ensinar que o facilitismo do protesto, levando as diatribes e a superficialidade das redes sociais para coisas tão profundas como as escolhas políticas, encerra um enorme perigo do qual as pessoas depois rapidamente se arrependem, quando já é tarde de mais” – o “Brexit” e esta eleição são exemplo, acredita.
 
Para a psicóloga clínica Isabel Leal a forma como vamos explicar depende da idade das crianças. Se já forem mais velhas, deve-se começar por lhes perguntar como é que elas próprias explicariam a vitória de Trump.
 
Ainda de manhã, Isabel Leal lembrou-se – “com as devidas proporções” – do livro Escuta, Zé Ninguém!, de Wilhelm Reich, em que a certa altura se interroga: “Como é que o Holocausto aconteceu?” Porque “uma coisa são os valores que queremos ensinar às crianças, outra é o mundo que existe à nossa volta – e no nosso mundo vale mais ser giro e popular mesmo não sabendo fazer nada”.
 
Cultura do espectáculo
A vitória de Trump pode ter sido produto de uma reacção contra o sistema. Mas ele não defende ideias, “está a dar espectáculo”, diz Isabel Leal. “No fundo perguntar como o explicar às crianças é perguntar como é que as pessoas se conseguem relacionar com as que são contra tudo o que são os valores que se devem ter”, comenta. Ora podemos dizer-lhes que este não é um fenómeno de agora, acontece assim porque “há um patamar de insatisfação, de descontentamento, de denúncia” a que Trump responde – e foi aquilo que o eleitorado valorizou, “desvalorizando o seu politicamente incorrecto”.  
 
Estamos a falar de uma figura que diz barbaridades que as “pessoas mais básicas, comuns” também dizem – isso podemos explicar aos mais novos. “Há uma cultura do espectáculo que premeia o facto de as pessoas serem desbocadas, exporem-se, serem muito sinceras, serem mais elas – e para os americanos é como se ele fosse mais credível por dizer essas barbaridades do que a imagem ‘acabadinha’ de Hillary Clinton, muito preparada, culta, conhecedora”. Nesta competição “não importam os conteúdos, é muito mais o mundo da forma”, conclui. “Mas vivemos num mundo da forma” – por isso os “Trump” são vencedores.
 
 
Redação

7 Comentários

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  1. “A primeira orientação dos

    “A primeira orientação dos especialistas é não simplificar o tema e sim partir para a explicação complexa do sistema eleitoral americano”:

    Tao complexo e corrupto que nao se fala em votos totais:  todos os jornais hoje falam no numero de “delegates”, isso eh, intermediarios.

    (E pra quem estiver disposto a procurar ja que eu nao tenho o link do video, o Stephen Colbert foi…  patetico!  De dar pena mesmo, ele simplesmente nao sabia o que dizer ao vivo e a agonia dele foi so se prolongando…)

  2. Voto americano

    É muito fáciil crucificar o eleitor americano.

    Trump se declarou racista, xenófobo, machista?

    Hillari sempre se declarou pacifista, democrata, etc, e ajudou a dar um golpe no Brasil, Paraguai, Honduras, e foi a maior promotora de guerras pelo mundo.

    Talvez o eleitor tenha preferido a sinceridade do Trump, com tudo o que existe de ruim nele às mentiras de Hillari.

    Só faltava ela ganhar o Nobel da Paz, como recebeu Obama, o maior belicista da face da terra.

    Pelo menos o Temer deles foi eleito.

  3. Recall

    Se houvesse alguma espécie de uma outra votação para validar essa realizada há dois dias, o resultado seria muito diferente.

    A omissão, a abstenção, foi a maior aliada de Donald Trump. Muitos por simplesmente não valorizarem e não se interessarem por política, outros, penso que a maioria, por não acreditarem em hipótese aguma que o candidato republicano tivesse alguma chance real de ser o vitorioso.

    Os que se dispuseram e foram votar na Hilary, juntamente com os que não foram às urnas, além de estarrecidos e indignados com o resultado, estão nas ruas protestando.

    It’s too late!

    A não responsabilidade, a inação e a omissão, e as consequências decorrentes desse comportamento em várias situações seria um ótimo aprendizado para as crianças.

    ¨O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.¨ – Martin Luther King

    Outro dia vi num blog uma matéria sobre uma escola em Betim, MG, com um modelo educacional muito interessante, totalmente inclusivo e humanizador, chega a emocionar de tão singelo, simples e belo. Como estamos falando sobre a educação das nossas crianças, vi por bem compartilhar o que acontece no Salão do Encontro, onde a utopia é possível:

    http://opsicoanarco.blogspot.com.br/2015/06/salao-do-encontro.html

     

     

     

     

     

  4. Nossa esquerda tem

    Nossa esquerda tem dificuldade de compreender o que se passa ao seu redor por conta da “esperança equilibrista” na qual costuma se escorar para não cair. Ok! Confesso, eu também sou um “bêbado equilibrista”, por isso, vou traçar um cenário pessimista como se “faz-de-conta” fosse, quero e acredito estar errado, juro que também creio ser pura ficção, delírio, tudo o que estou pensando. A única coisa que atormenta meus delírios é: ninguém levava Hitler a sério também. Então, em meu delírio, vejo armado um cenário apocalíptico. Trump é a expressão acabada da cultura política pós-moderna: promove-se e prospera pelo açoite do irracional, do ódio, da xenofobia, do sexismo, da misoginia, do racismo, da intolerância, do preconceito social e do machismo. A esta receita, adiciona-se a descrença, o repúdio e, claro, o ódio à razão, à história, à ciência, à filosofia, à ética, ao conhecimento empírico… Que bela receita civilizatória, hein? Todos e todas aqui se lembram da “grande queima de livros” e o que ela simbolizou, não é mesmo? Qual era mesmo o compromisso civilizatório do Hitler? Nenhum!  Pois é: a vitória de Trump nos EUA –e porque não adicionar logo a esta lista a vitória de Crivela, no Rio de Janeiro, Zenaldo Coutinho, em Belém do Pará, assim como muitas outras da direita Brasil a dentro, incluindo a de Bolsonaro em 2018- ocorreu sob o açoite do que há de pior, de mais baixo na natureza humana. É este “pior” e “mais baixo” da nossa natureza que está em alta mundo à fora e a dentro, que está moldando a política, as instituições, demolindo os valores e os princípios da cultura democrática e civilizatória. E este “pior” e “mais baixo” tende a se fortalecer, em nível mundial, com a vitória de Trump por razões muito simples. Primeiro, aqueles que financiaram sua campanha são os mesmos que financiam movimentos “livres” e bolsonarismos em nível global. Irmãos Kosh e outros ricões psicopatas estão em êxtase. Segundo, agora que estes “ricões psicopatas” experimentaram este êxtase, quem aposta que eles vão parar? Numa coisa a psicologia liberal está correta: o homem é um ser maximizador, adora minimizar a dor e maximizar o prazer. E o prazer desta gente é este: é se portar como deuses orgiásticos que usam seus superpoderes para saciar seus desejos mais mundanos e primitivos. Terceiro, as referências do exército de zumbis que fecha com estes “deuses orgiásticos” está em alta, logo, seus egos adoecidos está em alta, logo, desde ontem suas personalidades estão ainda mais fechadas para qualquer fagulha do fogo prometeico e seus derivados civilizatórios. Ódio, sangue, morte, é só o que estes zumbis conseguem manifestar de reação diante de qualquer contestação àquilo que está a emergir de todo este movimento reacionário no ocidente: uma nova ordem sociocultural e ideológica, simbolizada e cristalizada nos seus “líderes” e “mentores”. Já vimos este filme antes. Ideologias políticas e líderes políticos deste tipo não são novidades na história e surgiram nos momentos de maior decadência econômica, desigualdade social, crise moral e civilizatória do ocidente. Seus resultados: os maiores extermínios já conhecidos, duas guerras mundiais, pobreza, miséria, barbárie em larga escala. Portanto, e lá vai o desfecho da minha ficção, recomendo: finquem trincheiras! Se os “ESQUERDOPATAS” não quiserem ser exterminados precisam começar a se unir e formular estratégias de defesa e sobrevivência. Vou dar um desconto -e lá vai “a esperança equilibrista”-, não acredito numa nova guerra mundial, apesar do perfil psicótico, destemperado e desequilibrado de Trump. Claro, um louco no controle de um hiper-poder nuclear é um hiper-perigo à humanidade, mas, não creio que o novo presidente dos states seja o tipo de louco que rasga dinheiro e comete suicídio. Por fim, de toda esta minha obra de ficção, como dizem os italianos: “se non è vero è ben trovato”.

    1. Muito bem!

      Dá gosto ler o que escreve quem sabe ler, pensar e escrever. Me reconheço como quase completo ignorante, mas de uma coisa posso me gabar: adoro ler um texto bem escrito, que escancara mensagem clara e objetiva.

      Parabéns e obrigado caro Válber.

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