EUA estão órfãos de uma Presidência da República, por Dorrit Harazim

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto: CJ GUNTHER/EPA
 
Jornal GGN – Donald Trump conseguiu conquistar o consenso entre adversários e também aliados partidários de que o fim de sua Presidência pode estar próximo. O gesto foi admitido após as mais altas patentes das Forças Armadas do país verem necessidade de se posicionar de forma pública e contundente contra o racismo, após o aceno de Trump frente às ações de nazistas, anti-ssemitas e racistas em Charlottesville, Virgínia.
 
“Nenhuma tentativa posterior de consertar o vazio inicial teve efeito. A sensação de que os Estados Unidos estavam órfãos de um chefe da nação em sintonia com a história e o país que governa ficou escancarada”, analisou Dorrit Harazim, em coluna de O Globo. Se acreditava-se que o cargo que ocupa na maior potência mundial acabaria por amadurecer Dondald Trump, constatou-se que, neste caso, foi a Presidência dos Estados Unidos que desapareceu, bastando Trump a si mesmo.
 
Por Dorrit Harazim
 
 
Sensação de que os EUA estavam órfãos de um chefe da nação em sintonia com a história e o país que governa ficou escancarada
 
De O Globo
 
Não foi como ele desejaria, mas aconteceu. Sete meses depois de instalar na Casa Branca uma presidência disfuncional, errática, tão combativa quanto combatida, Donald Trump conseguiu, pela primeira vez, que partidários e adversários chegassem a um consenso nacional: esta última semana pode ser considerada a pior e mais neurastênica desde a sua instalação na Casa Branca.
 
David Gergen, o comedido conselheiro político considerado insubstituível pelos quatro presidentes a que serviu, deu um veredito severo: a instabilidade emocional de Trump precisa começar a ser questionada, inclusive por profissionais, pois arrisca minar os fundamentos da sociedade americana.
 
O ex-vice-presidente democrata Al Gore, derrotado por George Bush na contestada eleição de 2000, foi mais direto. Perguntado sobre qual conselho daria a Trump diante das erupções da semana, respondeu com uma só palavra: “Demissionar”. Há quem prefira aguardar o resultado do cipoal de investigações em curso no Congresso e no FBI para saber se abrem caminho a um eventual processo de impeachment. Outra, ainda, é a previsão de Tony Schwartz, o ghostwriter que conviveu 18 meses com o personagem enquanto escrevia “A arte da negociação”, assinado por Trump. Ele está convencido de que o presidente encontrará uma forma de renunciar num período próximo: “Se ele se submeter a um eventual processo de impeachment ou continuar a ser humilhado na Casa Branca”, garante Schwartz, “encontrará uma maneira de fazer o que fez a vida toda: revestir de ganho uma perda. Ao renunciar, ele vai declarar vitória”. (No caso, vitória contra o establishment de Washington que vilipendiara ao longo da campanha eleitoral.
 
Como amplamente noticiado, a origem de tudo foi a falência múltipla do presidente diante da ação de supremacistas brancos que provocaram um espetáculo de terror nazista, anti-ssemita e racista em Charlottesville, Virgínia, no sábado anterior. Ao não denunciar de imediato a Ku Klux Klan, os neonazistas e outros grupos de ideologia racista que desfilaram armados cuspindo ódio e preconceito, Trump vacilou. Não percebeu ser aquele um dos momentos em que o país inteiro aguarda a palavra do presidente, quando valores nacionais estão em jogo, e palavras contam.
 
Nenhuma tentativa posterior de consertar o vazio inicial teve efeito. A sensação de que os Estados Unidos estavam órfãos de um chefe da nação em sintonia com a história e o país que governa ficou escancarada.
 
Pela primeira vez, as mais altas patentes militares do país acharam necessário posicionar-se de forma contundente e pública contra o racismo. Um a um, os chefes do Estado-Maior do Exército, da Marinha, dos Fuzileiros Navais, da Guarda Nacional e da Força Aérea deixaram claro que as manifestações de ódio ocorridas não podiam ser igualmente distribuídas entre nacionalistas brancos e opositores antifascistas, como pretendeu o comandante em chefe.
 
Costuma-se dizer que a Presidência da maior potência mundial acaba amadurecendo o seu ocupante devido ao peso histórico e à responsabilidade do cargo. Só que o atual ocupante do cargo parece estar invertendo a equação: a Presidência sumiu. Só tem Donald Trump, que ocupa assento na Casa Branca e basta a si mesmo. Nem a demissão de Steve Bannon, seu temido e detestado conselheiro estratégico ligado à extrema-direita nacionalista, pode aliviar as tensões mais cruas. Mas não resolverá a equação Trump.
 
Para ontem, em Boston, estava prevista nova marcha de supremacistas brancos “em defesa da liberdade de expressão”. Ao contrário de Charlottesville, com proibição expressa de levarem mochilas, bastões e armas de fogo. E sem homenagens a algum herói confederado (leia-se, a favor da escravidão) da Guerra Civil ocorrida três séculos atrás, mas que até hoje dilacera a nação.
 
Desde os confrontos do fim de semana anterior centrados no destino a ser dado a uma estátua do general confederado Robert E. Lee , autoridades e ativistas trataram de se livrar de marcos semelhantes em outras cidades e estados — seja cobrindo monumentos com plástico, seja derrubando-os a marteladas e cordas como se fossem a estátua de Saddam Hussein, seja removendo os símbolos do passado escravagista para algum museu ou localidade não declarada.
 
Um interessante artigo de Paul M.M. Cooper, estudioso de ruínas históricas e memória publicado na revista “Foreign Policy” aborda este dilema. Como nações de passado violento equilibram a pressão pela remoção de monumentos que honram o repreensível, e a sua preservação como pontos de memória?
 
Cada caso tem raízes e soluções diferentes, claro, mas o autor cita, entre outros, a solução encontrada pela Hungria, que se viu às voltas com centenas de pantagruélicos monumentos à glória comunista após a derrocada do bloco soviético em 1989/90. Ao invés de atenderem à pressão popular para que as odiadas marcas em pedra e bronze de 40 anos de opressão virassem pó, os líderes do novo regime democrático decidiram transferir para um mesmo local toda a pesada tralha espalhada pela cidade — estátuas de Stalin, Lênin, Marx, líderes comunistas húngaros, soldados em poses heroicas, monumentos ao trabalhador bolchevique.
 
Assim nasceu o Memento Park de Budapeste, visitado por milhares de turistas estrangeiros e nacionais, que se divertem comprando suvenires comunistas da lojinha Bandeira Vermelha, mas também aprendem a história por trás daquelas estátuas através de brochuras, vídeos, exposições e eventos culturais. Nada ali é glorificado.
 
A Alemanha deu uma contextualização semelhante a seu passado, ainda mais complexa e elaborada, mas, como aponta o autor, isso só é factível quando a comunidade concorda com a nova leitura a ser dada à História, por exigir uma compreensão democrática da memória.
 
Difícil prever se isso é possível no contexto atual de extrema polarização da vida americana.
 
*Dorrit Harazim é jornalista
 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

14 Comentários

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  1. O texto deixa transparecer

    O texto deixa transparecer muito cinismo. Parece escrito por um representante do estado profundo americano. Trump já foi transformado num presidente decorativo. Caso não se conforme às diretrizes da máquina de guerra e do sistema financeiro, será expelido do poder. Ao norte, o golpe é mais sutil. porque o alvo está à direita. 

  2. EUA estão órfãos de uma

    EUA estão órfãos de uma Presidência da República?

    Não é problema: “ESSA PORRA” aqui também não tem Presidencia. O que tem, se, quiser, a gente tem o maior prazer de ceder. Leva logo o Ministério completo, o Judiciário, o Congresso e as Forças Amadas(armadas?). Não vão fazer a menor falta. Ao contrário, a ida dessa mundiça só nos trará benefícios.

    1. Trump foi democraticamente

      Trump foi democraticamente eleito, numa corrente contra o Deep State belicista e contra o mercado financeiro.

      Trump está sendo jogado num conflito contra a Rússia e está sendo sabotado internamente desde o 1º dia do seu governo, tendo demitido recentemente o seu estrategista Steve Bannon devido a vazamentos de info.

      O recado é simples, nos EUA e por aqui. Democracia é uma ilusão.

      Trump certamente sofrerá impeachment e isso será um desastre. Por incrível que isso possa parecer. Os analistas brasileiros estão seguindo o MSM e fazendo uma cobertura mediocre do que se passa nos EUA. Recriando a caricatura de Trump.

  3. O do topete ridículo vai cair

    O do topete ridículo vai cair e os ridículos daqui vão implementar o parlamentarismo, seremos governados pelo Michelzinho “2 milhões”. Não sei se rio ou se choro.

  4. A opinião é da autora e não é

    A opinião é da autora e não é uma expressão da realidade objetiva.  A politica americana é bem mais complicada.

  5. Trump não é o pior

    Trump é um sujeito desprezível.

    Porém, os donos do poder norte-americano (financistas, indústria bélica, multinacionais) são de extrema-direita e são muito mais perversos do que o abominável Trump. Quantos milhões de iraquianos foram mortos pelos EUA, justificado por uma mentira ?

    O problema do Trump é que ele escancara a prepotência, a violência típica da dominação norte-americana. A sra. Clinton seria mais perversa do que Trump, mas de forma dissimulada. A sra. Clinton manteria as aparências de uma nação democrata. Trump é a tirania escrachada, é a tirania burlesca e grotesca. Por isso será defenestrado logo, logo…

  6. E onde estão os pensadores

    E onde estão os pensadores brasileiros, com nome e alguma credibilidade acadêmica, que ainda não foram capazes de estabelecer o paralelo necessário entre o episódio de Charlottesville e as jornadas brasileiras? Gostariam que analisassem a postura de Trump e dos governos – central e estaduais – no Brasil, diante de todas as mnifestações racistas e fascistas que ainda são comuns neste período de governo golpista. Seria bom denunciar ao mundo – e, sobretudo aos EUA – o tipo de gente que sai daqui e vai pra Miami, seja pra fazer compras ou morar em algum endereço chique. O mundo precisa saber que por aqui há uma turba de “pseudo-confederados” muito pior que a kukluxkan.

    Quem sabe alguém não se escandaliza e percebe o tipo de gente que deu o golpe por estas terras.

  7. Outsiders são parte do problema, não a solução

    Os parasitas sociais da humanidade odiavam negros e pobres. Quando não puderam mais manter seus privilégios intactos, tiveram que aceitar, a contra-gosto, que negros votassem, elegendo seus opressores. Negros podiam eleger mas não podiam ser eleitos. Posteriormente, como aceitar os negros e pobres apenas como eleitores, não era mais possível aos parasitas sociais manterem seus privilégios intacto, eles tiveram que permitir que pobres e negros fossem eleitos e elegeram Lula e Obama. Ao entrarem na política, Pobres e Negros mantiveram, na prática, os privilégios dos sanguessugas sociais. Quando pobres e negros se mostraram saturados na política e confirmaram que manteriam apenas o status quo, os sanguessugas sociais estão recorrendo aos outisders. Eles não vão resolver os problemas sociais, muito pelo contrário, como eles são partes do problema, eles só vão piorar a situação, não vão cumprir o que prometeram, ao contrário, criar mais problemas ainda.

    Depois dos outsiders, a quem a elite sanguessuga vai recorrer para manter seus privilégios sãos e salvos?

    Se recorrerem à força bruta, aos golpes de espada, a antipatia popular a eles crescerá vertiginosamente?

    Golpes parlamentares-midiáticos-parlamentares, como o do Brasil, Paraguai e o que estão tentando na Venezuela, só pioram o problema, como vimos com a cleptocracia que tomou o Brasil e o saqueia impunemente?

  8. Trump e seus filhos por aqui

    A qualquer notícia sobre Trump por aqui, nos portais da mídia tradicional, podem reparar, uma multidão de defensores apaixonados do sujeito alaranjando corre para as caixas de comentários. Vociferando ódio contra o veículo que a publicar, tachando inapelavelmente de “fake news” e de ser esquerdista (até a Veja já mereceu esse epíteto), os eleitores brasileiros de Trump são dos seres mais estranhos que a fauna da nossa internet abriga.

    1. Trump & Bolsonaro
      São os eleitores de Bolsonaro que admiram e defendem Trump. O discurso é idêntico, são de extrema direita, são nazistas, supremacistas, racistas. São realmente is bichos mais asquerosos que existem.

    2. Trump & Bolsonaro
      São os eleitores de Bolsonaro que admiram e defendem Trump. O discurso é idêntico, são de extrema direita, são nazistas, supremacistas, racistas. São realmente is bichos mais asquerosos que existem.

  9. Devemos ver Trump mais como efeito que como causa

     A maneira como se faz política nos Estados Unidos é que levou Trump ao poder. A enorme influência das grandes corporações em prol da globalização e da exportação dos empregos para os países em que os direitos trabalhistas são inexistentes ou pouco respeitados vem gerando um descontentamento crescente no eleitor estadunidense (vide Apple e Fox Con).

    Todas as decisões e a organização do país favorece cada vez mais as grandes corporações, em detrimento do cidadão comum. Foi nesse contexto de insatisfiação com os rumos da política, que dois outsiders, Tump e Sanders se destacaram. O primeiro prometendo uma saída pela direita e o segundo pela esquerda.

    Enfim, a classe dominante de lá determina que o país mais rico do mundo não tenha sequer um sistema público de saúde que oferece um mínimo, como faz o SUS e Trump foi o homem que melhor se prestou à manutenção desse estado de coisas. Em resumo, Trump significa o esgotamento de uma forma de fazer política.

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