O perfeito midiota e a eleição de Trump, por Luciano Martins Costa

 
 
Da Revista Brasileiros 
 
Manual do perfeito midiota – 49
 
por Luciano Martins Costa 
 
Não apenas você, mas toda a mídia internacional ficou sem palavras para dizer o que significa a ascensão à presidência dos Estados Unidos de um homem cuja visão de mundo se situaria, com muita generosidade, na transição do século XIX para o século XX
 
publicado em 11/11/2016

Você provavelmente engrossa o coro daqueles que se espantaram, no meio da semana, com a eleição de Donald John Trump ao mais alto escalão do poder global.

Não apenas você, mas toda a mídia internacional ficou sem palavras para dizer o que significa a ascensão à presidência dos Estados Unidos de um homem cuja visão de mundo se situaria, com muita generosidade, na transição do século XIX para o século XX.

E, como se sabe, quando não se tem palavras é que advém a verborragia, ou seja, aqueles que têm pouco a dizer são os que mais vociferam quando a realidade contraria suas expectativas.

Até mesmo o venerável The New York Times, surpreendido pela vitória do ogro republicano, registrou que o resultado das urnas chocou o mercado, representando um manifesto de repúdio ao establishment.

No Brasil, a nata da mídia hegemônica também não dissimulou seu espanto e sua contrariedade com aquilo que parecia inadmissível: Hillary Clinton era o ideal de modernidade com sobriedade que as elites imaginavam.

Globo afirma, em editorial, que “as forças do atraso”, contrárias à integração entre as sociedades e economias, ganham um reforço com Trump na Casa Branca. Ele representaria, segundo a opinião do poderoso jornal carioca, o avanço de grupos políticos nacional-populistas, xenófobos, anti-imigrantes e outras características típicas de movimentos reacionários contra a globalização.

Poderíamos citar outros textos da imprensa dominante no Brasil para registrar o que pode ser analisado como um exemplo de extrema hipocrisia ou de baixa percepção da realidade por parte da elite das empresas de comunicação.

Há aqui valiosas lições a serem absorvidas por todos, mas principalmente para os midiotas, que acreditam piamente no conteúdo do noticiário e do opiniário de maior audiência.

Mas vamos por partes: primeiro, é preciso considerar seriamente o vergonhoso fracasso dos institutos de pesquisas credenciados pela imprensa – todos eles erraram os prognósticos. Seriam as pesquisas apenas um instrumento adicional de convencimento da midia?

Em segundo lugar, como admite o New York Times, convém refletir como os principais analistas do jornal mais influente do mundo foram incapazes de captar os sinais de sublevação que acabaram dando a vitória a Trump.

Em terceiro e não menos importante, o episódio alimenta as teses segundo as quais o modelo de jornalismo que criou a mídia contemporânea está falido: nem o uso intensivo de tecnologias altamente sofisticadas de prospecção da opinião e da vontade dos indivíduos foi capaz de oferecer um mínimo de eficácia diante dos fatos objetivos.

Faliu, portanto, o prognóstico da objetividade, principal justificativa moral do jornalismo como atividade corporativa.

Mas há outro aspecto que precisa ser analisado: a mídia hegemônica do Brasil não entendeu que o processo de despolitização da sociedade produz uma bola de neve cujo crescimento só o caos pode interromper.

O que se quer aqui dizer é que não se pode, impunemente, deflagrar uma campanha de descrédito dos políticos. A consequência mais natural será que em algum momento as massas se voltarão contra a política em si, o que abre caminho para o fascismo.

Com todos os defeitos, a política democrática, que subentende a tolerância aos divergentes, é a solitária garantia de que as escolhas de uma sociedade irão fortalecer a democracia. Ainda que muitos detestem o resultado dessas escolhas.

Para ler (em inglês): O espanto do NYTimes.

Redação

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. As pesquisas não explicam as intenções de voto, pelo contrário

    “É preciso considerar seriamente o vergonhoso fracasso dos institutos de pesquisas credenciados pela imprensa – todos eles erraram os prognósticos. Seriam as pesquisas apenas um instrumento adicional de convencimento da midia?”

    Tem alguém aí que pode alegar que os Institutos de Pesquisa não erraram, pois a Hillary teve mais eleitores do que o Trump. Não me oponho que eles usem isso como consolo.

    Mas o fato é que as pesquisas da midia corporativa nãol refletem a realidade, ao contrário, elas são explicadas pela realidade.

    1. No Brasil nós temos um

      No Brasil nós temos um oligopólio muito fechado no ramo de pesquisas de opinião eleitoral. É IBOPE e Datafolha. Há alguns menores que fazem pesquisas esporádicas, mas só os dois citados produzem séries sistemáticas de dados. Claro, esse oligopólio dos dados vai de mão em mão com o oligopólio da notícia. Mas é ainda mais reduzido e fechado.

      Nos Estados Unidos há dezenas de institutos de pesquisa diferentes (lá chamados pollsters), incluindo muitos que sequer estão ligados à imprensa corporativa – é o caso de diversos institutos diretamente ligados a universidades.

      Para ter uma ideia da diversidade, a pollster geralmente considerada a melhor e mais precisa é a da Ann Selzer, ligada ao jornal Des Moines Register, um jornal regional do estado de Iowa. Mal comparando, é como se um diário, digamos, catarinense, não apenas fosse independente da Globo/Record/etc., mas mantivesse o seu próprio DataCatarina, publicasse os dados desse DataCatarina em vez de apenas repetir o Datafolha, e, mais incrível ainda, tivesse as pesquisas desse DataCatarina publicadas não só em Florianópolis, mas no país inteiro. E ainda por cima sendo consideradas as mais confiáveis do país.

      Então não dá pra comparar. Aqui nós temos dois institutos de pesquisa, os quais evidentemente manipulam resultados para obter ganho político (sem nem contar o fato de que os resultados, ainda quando corretos, são manipulados pela imprensa). Lá tem trinta, quarenta, e se tentarem manipular dados, é a credibilidade deles num mercado competitivo que está em jogo. Quando erram todos, é muito mais razoável pensar em erro metodológico do que em manipulação.

      Tem duas coisas diferentes no fracasso do senso comum a respeito das eleições americanas. Uma é que o sistema eleitoral deles é uma coisa de doido. Trump perdeu a eleição no voto popular. Ganhou por que as regras são disparatadas, e, no caso específico, o favoreceram. A segunda coisa é que a metodologia evidentemente falhou. E falhou por que os pollsters quase todos fizeram o óbvio, isto é, basearam suas amostras no resultado de 2012, e presumiram que o comparecimento às urnas dos diversos segmentos demográficos seria similar ao daquele ano. E não foi;  houve uma pequena queda no comparecimento dos negros, e, principalmente, um aumento expressivo no comparecimento da demographics mais favorável ao Trump: os brancos sem educação superior. E isso principalmente nos estados-chave do meio-oeste, que a sabedoria convencional dava como favas contadas na coluna dos Democratas.

      Esse erro faz parte de um erro muito mais amplo, que foi o de todos: o de considerar que as eleições americanas de 2016 seriam eleições “normais”, ditadas pelo consenso midiático. Não foram, daí o espanto de todo mundo. No caso da imprensa burguesa, esse espanto será rapidamente transformado em indignação contra a população pobre, que será vilipendiada de todos os jeitos e considerada “culpada” do resultado eleitoral inaceitável. A ideia de que a candidata do establishment, Hillary Clinton, perdeu por que era exatamente a candidata do establishment (e secundariamente por que era a pior candidata que o establishment tinha a oferecer), não vai passar pelas cabeças bem-pensantes de lá ou daqui.

      1. Sua análise está muito boa, mas…

        Sua análise está muito boa, mas haja “americano branco sem curso superior” no mapa das eleições dos EUA por “município”:

    1. Hoje FHC escreveu o seguinte

      Hoje FHC escreveu o seguinte sobre os EUA de Trump:

      “Não pode pura e simplesmente dar às costas ao mundo nem desprezar suas responsabilidades, não só no campo militar, mas também, por exemplo, em relação ao “aquecimento global”. Por isso mesmo a atitude “trumpiana” é perigosa. O mundo precisa de líderes que, defendendo seus interesses nacionais, não se esqueçam de suas obrigações universais (direitos humanos, meio ambiente, imigrações, etc.) e que preservem a paz. Portanto, que dialoguem e negociem.”

      A verdade é que quando o Partido Democrata assume os EUA, a ONU ganha uma espécie de “braço armado” para impor sua agenda de enfraquecimento das soberanias nacionais.

      Toda força da ONU foi apostada em Hillary Clinton, e com ela toda a imprensa americana, majoritariamente e descaradamente Democrata.

      E, exatamente na questão das “mudanças climáticas” que reside o nó da questão da política mundial, hoje.

      A questão é muito mais importante (para Obama, ONU e cia) do que o terrorismo ou os refugiados e isto já foi admitido várias vezes por eles mesmos, especialmente por J. Kerry e H. Clinton.

      Nunca houve nenhuma “ameaça” tão sob medida para destruir a soberania das nações como a questão do “aquecimento global”, questão que está sendo encarada de frente por Trump. Realmente ele está desmontando a máquina alarmista que se apossou das nossas vidas nos últimos quase 30 anos.

      Parece que esta pseudociência que se alimenta do alarmismo propagado pela mídia progressista está com sérios problemas nos EUA.

      Não me congratulo com Trump e nem com Hillary. Os dois são ruins. E seriam ruins para o Brasil.

      Acho que nesta  questão, Trump está fazendo um bom serviço.

      Uma ciência politicamente correta jamais poderia dar certo. Mas a agenda dos perpetradores avançou bem nos últimos 8 anos. Mais de U$ 1 bi são gastos por dia no mundo em função das tais “mudanças climáticas”. Virou um excelente negócio. Mas para isto, o alarmismo tem que continuar vivo. No Brasil, temos a Folha e a Globo como propagadores do alarmismo climático.

      Voltando ao FHC, vê-se que seu “textículo” acima foi feito apenas para agradar a ONU.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador