“Debate nacional” de Macron visa fim dos coletes amarelos

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Os “Cahiers de Doléances” são registros nos quais, a prefeitura de cada uma das circunscrições francesas, encarregadas de eleger os deputados, se anota as petições e queixas da população. Seu uso remonta ao século XIV. VALERY HACHE / AFP

 

do RFI

“Debate nacional” de Macron visa fim dos coletes amarelos

Apesar das concessões feitas pelo presidente francês, Emmanuel Macron, os manifestantes coletes amarelos seguem nas ruas e prometem realizar uma nona rodada de protestos neste sábado (12), em todo o país. Na terça-feira (15), o governo vai lançar mais uma cartada para tentar acabar com o movimento: um “grande debate nacional” promete ouvir diretamente a opinião dos franceses sobre os temas mais diversos que afligem a população.

Os debates, que devem ocorrer até março, estão na reta final de organização e os detalhes serão divulgados na segunda-feira (14). Há vários dias, os franceses já podem detalhar por escrito, nas prefeituras, os temas que consideram prioritários para a discussão. Os mais evocados até o momento foram um alívio tributário e o retorno do Imposto Sobre a Fortuna, abolido parcialmente por Macron.

Temas polêmicos de fora

Os assuntos girarão em torno de quatro vastos temas, pré-definidos pelo governo. São eles: habitação, mobilidade e aquecimento (das moradias), no âmbito da transição ecológica; tributação mais justa, eficaz e competitiva; evolução da democracia; e como tornar o Estado e os serviços públicos mais eficientes e próximos dos franceses.

Assuntos polêmicos levantados por integrantes dos coletes amarelos, como o aborto, a pena de morte ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, “não estarão na mesa porque são assuntos inscritos no nosso Direito e conformes aos valores prezados pelo presidente da República”, explicou o porta-voz do governo, Benjamin Griveaux. Já a imigração, um tema recorrente nas manifestações, poderá ser abordada no contexto das discussões sobre “cidadania”.

O diálogo poderá ocorrer de variadas maneiras e será organizado em locais frequentados das cidades, como a prefeitura, as feiras ou até nas empresas. Cada cidadão também pode promover um debate no seu bairro, cidade ou região.

As conclusões poderão ser inscritas em uma plataforma aberta pelo governo na internet. Integrantes do governo, que promete manter a neutralidade nas conversas, participarão das conferências dos cidadãos, selecionadas por sorteio.

Expectativa por carta e ceticismo

Na véspera do início dos debates, Macron deve divulgar uma carta que prometeu escrever aos franceses, na qual explicará os rumos que pretende dar ao governo nos próximos meses. O conteúdo da carta é guardado a sete chaves pelo Palácio do Eliseu.

Apesar destes sinais de abertura por parte do presidente, os franceses se mostram céticos quanto à realização da iniciativa. Uma pesquisa do instituto Odoxa-Dentsu Consulting divulgada nesta sexta-feira indicou que 70% da população pensa que a medida não será útil para o país. Além disso, 80% afirmaram que os debates não permitirão abordar todos os assuntos.

A sondagem também sinalizou que 77% dos franceses não acha que os debates ocorrerão “de maneira independente do poder”. Por isso, apenas 32% das pessoas pretende participar dos diálogos.

Ao fim dos debates, caberá ao governo decidir o que fará, ou não, com as conclusões. Macron já deixou claro que não voltará atrás no fim do Imposto Sobre e Fortuna, apesar da impopularidade da medida. O presidente também promete não recuar nas reformas previstas no seu mandato, como a das aposentadorias e do funcionalismo público.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Esperar o que de Macron

    A adm. Macron foi eleita com uma apuração MINORITÁRIA dos votos.

    Paira uma insatisfação enorme contra o governo na França.

  2. Nós conhecemos muito bem o que
    Nós conhecemos muito bem o que é e qual o resultado dessas manifestações populares “espontâneas”. Lá também custará caro às instituicoes.

  3. Dois caminhos a caminho

    Essa iniciativa do Macron, querendo deter os manifestantes com uma suposta participação nas decisões, fazê-los gastar energia com discussões sem fim que pouco produzem, pode tomar uma de três veredas. Ou a população participa, e se perde, como deve querer o governo, esvaindo a energia mobilizatória em uma discussão estéril em torno de temas pré-definidos pelo governo, como deseja Macron, ou a extrema-direita mobiliza as forças populares tomando as rédeas das discussões, forçando e aprovando temas que de outro modo estariam fora das discussões, ou, o que é o menos provável de tudo, a esquerda tome o controle das discussões, aproximando a situação daquela dos primeiros momentos da Revolução Russa, com cada centro de debate se convertendo em uma espécie de soviet.

    Se a França for compelida à primeira vereda, seguindo a tradição francesa de explosões populares que fluem e refluem e tornam a fluir, dentro de algum tempo a situação será ainda mais grave, com rebeliões abertas e ainda mais violentas. Se Macron e seu povo forem incompetentes para conseguir o refluxo da atual explosão (que voltará, mas não mais sob sua presidência), e a direita surfar a onda, vamos ver a Bolsonarização da França, e como uma teoria dos dominós da Guerra Fria às avessas, a Europa mergulhar novamente no totalitarismo de direita.

    Se, contudo, a esquerda conseguir cavalgar o garanhão que a História lhe pôs à frente, conduzindo o processo para o empoderamento das massas populares, talvez a França tenha novamente que se defrontar com a opção revolucionária, e nos brinde com uma Segunda Revolução Francesa, popular, democrática, e que abra as portas ao fim do domínio da burguesia.

    Ou tudo pode acabar em pizza…

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