O livro Submissão e os muçulmanos na Europa

Enviado por Anarquista Lúcida

Do Outras Palavras

Submissão e o declínio da cultura eurocêntrica

POR ALEXANDRE PILATI

Michel Houellebecq imagina uma França onde democracia, esvaziada, restringiu-se a debate em torno de valores étnico-religiosos. Livro é pobre; mas incompreensão da crítica, pior

Por Alexandre Pilati

Acaba de chegar ao Brasil Submissão (Alfaguara, 2015), o polêmico livro de Michel Houellebecq, que ficou marcado pelo atentado ao semanário Charlie Hebdo em Paris em 7 de janeiro deste ano. Nesta data, Houellebecq estampava a capa do jornal e lançaria o livro que conta a história fictícia da ascensão do Partido Irmandade Muçulmana, centrado na figura do personagem Mohammed Bem Abbes, que acabaria, segundo sua previsão, tornando-se presidente da França em 2022. O livro acabou recebendo, talvez por isso, apressadas análise do seu conteúdo, que trata diretamente do Islã como uma força político-social crescente na Europa.

No Brasil, como sempre, importamos não apenas a literatura em si, mas também as polêmicas literárias, exercitando a nossa congênita e quase geral preguiça para pensar as coisas em sua especificidade e em relação com as nossas próprias mazelas. Assim, o que se pode ver montado na imprensa brasileira nos últimos dias a respeito da obra de Houellebecq é uma macaqueação do debate superficial que se desenvolveu sobre a obra até aqui. Esse debate está, sobretudo, vinculado ao questionamento da noção de “futuro muçulmano” da Europa antevisto na ficção de Houellebecq. Esquecem-se de que, quando um autor ficcionaliza o futuro de uma determinada sociedade, não está querendo prever o que vai acontecer. Quando um autor da altura de Houellebecq figura ficcionalmente certo futuro historicamente contextualizado, na verdade, está intensificando forças do processo social presente, que, sem a energia da ficção, permaneceriam difusas para nós que as vivenciamos por dentro cotidianamente. Portanto, em Submissão, não importa o que Houellebecq pretensamente preveria em relação ao futuro da Europa e sim o que ele nos faz ver em relação ao presente da civilização ocidental.

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O que é a política burguesa hoje e não o que ela será (e isso em escala mundial) é o núcleo histórico deSubmissão. Quem o ler, em determinado momento, dará de cara com essa avaliação, que faz gelar: “Bem Abbes sempre evitara comprometer-se com a esquerda anticapitalista; a direita liberal ganhara a ‘batalha das ideias’, ele entendera perfeitamente isso, os jovens tinham se tornadoempreendedores, e o caráter insuperável da economia de mercado era, agora, unanimemente admitido. Mas, sobretudo, o verdadeiro lance de gênio do líder muçulmano foi entender que as eleições não se disputariam no terreno da economia, e sim no dos valores”. Ora, trata-se de uma avaliação que nos serve para enxergar e problematizar corridas eleitorais que se desenvolvem hoje no mundo. O modelo econômico capitalista relega o debate acerca da emancipação política das classes subalternas a um plano secundário e distante, que cheira a anátema. Questões que envolvem valores cada vez mais definem a aparência do debate político das democracias burguesas, fazendo-se como determinantes em detrimento da essência da história, ou seja, a luta de classes.

Como diz o narrador, perceber este fato e dominá-lo como ninguém é o grande talento do líder da Fraternidade Muçulmana, que chegará ao poder na narrativa de Submissão. O que Ben Abbes deseja, afirma o personagem Alain Tanneur, um veterano do serviço secreto que acompanhara a ascensão do líder do Islã francês, é: “encarnar um novo humanismo, apresentar o Islã como uma forma acabada de um humanismo novo, reunificador”. Basta olhar para o Brasil de hoje para percebermos a dificuldade que as esquerdas enfrentam para construir coletivamente um “um novo humanismo” capaz de fazer frente ao recrudescimento do conservadorismo propalado pela pauta reativa aos direitos humanos construída recentemente pela direta local. A dificuldade da esquerda tem a ver com uma virtude sua: não é possível construir esse novo humanismo sem romper com o modelo econômico responsável pela reprodução do capitalismo nos termos locais e globais.

Mas, da forma como se configura como impasse, esta é também uma condição limite para a esquerda: como promover verdadeiros avanços se nos prendemos quase que totalmente na pauta dos costumes? Fica a pergunta e a sugestão para que se leia o livro de Houellebecq pensando no presente político brasileiro e as excrescências políticas (Barbosas, Cunhas, Aécios, Gilmares, Richas, Felicianos, Bolsonaros) que querem submeter o povo a um destino que parece confortável, mas tem cheiro de danação.Submissão tem esse inegável valor: ajuda a enxergar algumas posições do debate político atual com uma clareza um pouco maior. A má notícia, por agora, é que não temos, salvo engano, um romancista de fibra para entrar com disposição crítica e talento narrativo no nervo dessa questão. Temos de importar a leitura de nossos males via literatura francesa, ainda!

Cabem ainda algumas palavras acerca da qualidade literária do livro. Não tenho dúvida de que Houellebecq escreve como um clássico. No que ele produz está muito bem acumulada uma tradição que passa por Baudelaire, Balzac e Flaubert. Mas Submissão, em linhas gerais, é um livro ruim. A narrativa se articula mal em termos de ritmo. A primeira parte é visivelmente mais bem composta que a segunda, e o livro se arrasta do meio para o final. A construção dos personagens que fazem o papel de interlocutores do narrador é defeituosa. Tanto Alain Tanneur, que explica ao narrador o lugar de Ben Abbes no contexto político francês, quanto Renon Rediger, que termina por explicar o “Islã afrancesado” ao narrador, têm a consistência frágil de meros títeres falantes. Além do mais, há um mal que é externo à narrativa, mas a que um autor está sempre sujeito. No caso de Submissão, isso foi muito cruel: nunca um livro envelheceu tão rápido. O atentado ao Charlie Hebdo fez um livro que fala do futuro tornar-se, em velocidade impressionante, uma “coisa do passado”.Admirável mundo novo e 1984, livros que igualmente imaginaram terrivelmente o futuro, demoraram bastante para passar pela prova das confirmações/contradições do tempo. O atentado de 7 de janeiro tornou o presente infinitamente mais terrível que o futuro que Houellebeq imaginou em sua narrativa e ela perdeu força.

Como sempre, o melhor de Houellebecq está no protagonista: desencantado, niilista, de contornos nietzscheanos. Entretanto, aqui, ele parece um pouco mais “acomodado” do que em O mapa e o território, ou em Plataforma, por exemplo. Estes são livros de maior envergadura. Tenho uma teoria, não totalmente formulada e muito menos testada, de que grandes autores que acham a sua fórmula literária passam a viver pelo esplendoroso esgotamento de seu talento. O que não deixa de ser uma afirmação desse mesmo talento. Afinal, não é para todos continuar produzindo esplendor a partir de um esgotamento. Isso é só para os grandes (Calvino? Borges? Drummond? Garcia Marquez? Rosa?). Em termos literários, Submissão marca a submissão de Houellebecq a si mesmo. O dito de Huysmans que o autor usa como epígrafe parece bem verdadeiro para o próprio Houellebecq: “Estou um tanto enfastiado de minha vida, um tanto cansado de mim, mas daí a levar outra existência vai uma distância!”. Nas tramas frágeis e ensimesmadas de Submissão está o escritor em um labirinto de mercadoria e derrogação da arte, que nem a mente perversa e escandalosamente dessacralizante de Houellebecq seria capaz de criar.


“Horizonte cerrado” é a expressão que inicia o primeiro verso do soneto de abertura do livro Poesias  (1948) do poeta carioca Dante Milano. Sendo microcosmo do poema, a expressão também serve para   expor a situação atual de um mundo cujas perspectivas nos aparecem sempre encobertas por nuvens ideológicas cada vez mais intrincadas. O que pode o olhar do poeta, do escritor e do crítico literário diante disso tudo? Esta coluna, inspirada na lição de velhos mestres, quer testar as possibilidades de olhar algo do real detrás da névoa, discutindo literatura, arte, política e pensamento hoje.

Redação

1 Comentário

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  1. Islã

    O Islã é uma religião totalitaria e todo mulçumano que viva em uma nação onde o Islã tenha um minimo de influencia politica esta obrigado desde já a não se opor a implantação da sharia.

    Por uma razão de fé todo mulçumano é um potencial aliado do extremismo, seja por agir ou por se omitir deliberadamente à implantação da mesma.

    Seria até pedir demais para um fiél que pertença à uma religião totalitaria como o islã algo diferente disso.

    Os cristãos  fariam o mesmo se o mundo ocidental não tivesse enquadrado a Igreja e desmontado o controle da vida cível e criminal do fiel exercido por ela.

    Hoje devido a isso,  a doutrina cristã foi reformatada e nos ensina que podemos morrer por deus porém JAMAS matar em seu nome.

    O Islã é contemporaneo do cristianismo extremista, apesar de nascer cerca de 600 anos depois dele logo se espalhou no oriente médio, acabando com a influencia cristã.

    Hoje o cristianismo abdicou do controle civil do fiél mas o Islã mantem isso intacto.

    Enquanto o Islã não renegar a Sharia ele será uma ameaça potencial para o sistema de democracia ocidental e as conquistas mais básicas de qualquer minoria.

    No Islã a religião tolerada é somente aquela denominada  “do livro ” .

    Ou seja cristianismo/judaismo.

    E isso somente em caso de pessoas não mulçumanas ( mulçumanos não podem se converter a elas sob pena de morte ) e as tais religiões são proibidas de evangelizar e são toleradas somente por mulçumanos “progressistas ” que são uma minoria.

    Pois os mais conservadores  aceitam a ideia que outros mulçumanos possam ser mortos ( mesmo dentro de mesquitas ) por pertencerem à diferentes correntes do islã, que dirá de cristãos ou judeus! rs

    A taxa de natalidade do povo mulçumano é bem maior do que a do europeu médio, logo deduzir que haveria uma mudança de habitos culturais/religiosos no médio prazo é questão de realismo e não de ficção.

    Uma pena ver o mundo ocidental aceitar que valores inegociaveis sejam  relativizados  como ocorre na europa (destaque para a Inglaterra ) para não parecer etnocentrista.

    A verdade é que se a curva de natalidade se manter,  no médio prazo os islamicos na França e Inglaterra serão comunidades importantes do ponto de vista politico e como tal irão representar uma ameaça direta para comunidades como os LGBT e os avanços da mulher conquistados a duras penas no decorrer de decadas.

    A esquerda gosta de ignorar isso pq ela tem um fetiche com tudo que se diga anti ocidental e anti yankee/israel, mesmo que esses tais defendam linhas de atuação e repressão à  coisas que ( aqui no Brasil por exemplo ) a esquerda tanto ama dizer ser defensora.

    Para mulçumanos religiões africanas são coisas satanicas e os seus praticantes deveriam ser mortos à luz da Sharia.

    Para mulçumanos os gays jamais poderiam dar a minima vazão publica à sua sexualidade.

    Para os mulçumanos as mulheres inclusive aquelas que  os defendem por  aqui e em muitos lugares são prostitutas que não sabem qual é o seu lugar, ou seja ficar em casa tendo filhos e serem  tratadas como caes.

    Mas isso tudo  é ignorado , falar isso é ser islamofobico, sendo que não se trata de preconceito e sim POS conceito!!!

    Já que somente há pré-conceito quando falamos de algo que não conhecemos ou não  tenha demonstração prática. 

    Pois o que é , e o que o  Islã representa para a mulher, para fiéis de outras religiões, para a liberdade individual e para a sociedade como um todo esta demonstrado EMPIRICAMENTE!!!

    Só existe islã bonzinho e tolerante onde ele NÃO SEJA MAIORIA.

    E mesmo estes tais  mulçumanos democratas  não denunciam a SHARIA , pois comungam no seu intimo com o seu extremismo…

     

    Obs: O judaísmo ortodoxo padece do mesmo mal e caso não seja duramente reprimido na sua expansão irá destruir Israel que sofre com a crescende comunidade Asquenazi vinda dos paises do leste Europeu e da Ex URSS.

    Ao decretar a prisão desses fanaticos s/ necessidade de autorização judicial Israel dá um passo certeiro para enquadrar esses boçais…

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