A prova do ferro em brasa e o paradoxo Paulo Guedes

Um dos métodos de prova mais curiosos existentes durante a Idade Média era o do ferro em brasa. A pessoa acusada de um crime era obrigada a segurar o objeto incandescente por um determinado tempo. Se a ferida resultante infeccionasse o réu era considerado culpado, caso contrário ele era julgado inocente.

A relação entre infecção e culpa era automática e desprezava um fato importante. A possibilidade da infecção decorrer do que ocorreria após a realização da prova. Se a pessoa fosse obrigada, em razão de sua situação social, a lidar com dejetos de animais, lavrar a terra ou lavar as mãos em água contaminada a ferida certamente infeccionaria. Mas se ela não fizesse nada e se limitasse a lavar a mão com água limpa (ou fervida) o resultado poderia ser diferente.

O resultado da prova poderia ser, portanto, condicionado pela situação social do acusado. Naquele mundo em que existia uma distância abissal entre nobres e camponeses, entre fiéis e clérigos e entre soldados e servos, as probabilidades de culpa ou inocência oriundas da prova do ferro em brasa dependiam menos da interferência divina e de uma relação entre culpa e infecção do que imaginavam os juízes.

Passemos agora a julgar Paulo Guedes. Elogiado incondicionalmente pela imprensa, ele foi nomeado superministro de Jair Bolsonaro com poderes plenipotenciários para transformar o Brasil num paraíso neoliberal com crescimento de 10% ao ano.

No primeiro ano, Guedes não fez nada para reduzir o desemprego. Ele se limitou a empossar mais e mais dinheiro nos Bancos e o crescimento econômico do Brasil foi pífio. A única coisa que realmente cresceu foi o abismo entre ricos e pobres.

No segundo, o Brasil afundou numa depressão econômica porque o Ministro dos banqueiros insistiu em fazer mais do mesmo.Num momento delicado em que a economia real deveria ser estimulada, Guedes empossou uma quantia ainda maior de dinheiro nos Bancos travando o motor da economia ao dificultar o pagamento do auxílio emergencial aprovado pelo Legislativo.

Confrontado com o resultado deprimente de sua gestão, Paulo Guedes disse que o país estava decolando (mentira) e que nossa economia poderá se recuperar rapidamente (uma mentira ainda maior). Dois fatores impedem o Brasil de sair do atoleiro em que ele foi metido pelo campeão do neoliberalismo: a pandemia e o isolamento diplomático causado pela irresponsabilidade econômica e sanitária do governo Jair Bolsonaro. Não só isso.

A pandemia causou um estado de animação suspensa do neoliberalismo. Alguns dizem que esse sistema econômico está morto. Uma coisa é certa: é impossível desprezar o papel central do Estado numa conjuntura como a que nós estamos vivendo.

Todos os países neoliberais (EUA, Alemanha, França, Inglaterra, Japão, etc…) destinaram enormes quantias de dinheiro público tanto para conter o avanço da pandemia quanto para proteger suas populações dos efeitos econômicos que ela provocou. O único país em que a proteção do mercado foi equiparada ao empossamento de dinheiro nos Bancos foi o Brasil. Isso explica a buraco sem fundo em que nosso país foi jogado.

O “paradoxo Paulo Guedes” pode ser formulado da seguinte maneira: ele não foi capaz de entregar o que prometeu, mesmo assim não admite o fracasso do neoliberalismo tupiniquim e/ou credita sua incompetência pessoal a fatores exotéricos.

Submetido metaforicamente à prova do “ferro em brasa”, Paulo Guedes mostra as mãos e afirma que é inocente porque o ferimento não infectou. Entretanto, todo mundo sabe que ele nunca revirou a terra, lidou com bosta de vaca ou lavou as mãos em água contaminada. A culpa do neoliberalismo e do seu operador brasileiro já estão bem estabelecidas. Resta agora ele sofrer as consequências.

O problema: os banqueiros não pedirão a cabeça de Bolsonaro ou do seu superministro do fracasso econômico, pois o lucro dos bancos ainda não começou a declinar. Isso inevitavelmente ocorrerá em algum momento futuro. E quando isso ocorrer, salve-se quem puder. Mas ninguém conseguirá se salvar, pois o ferro em brasa será finalmente enfiado no orifício rugoso dos rentistas brasileiros.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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