Diário da Peste 36

É impossível deixar de notar como o COVID-19 está revolucionando a sociologia brasileira.

O governo federal usa a pandemia para exterminar pobres. E a bandidagem coloca ordem na favela para preservar vidas. Esse é um resumo perfeito da civilização brasileira.

A União doou trilhões de reais aos banqueiros sem exigir qualquer contrapartida e os Bancos aumentaram os juros. A reação do Ministro da Economia foi aparentemente exemplar. Muito embora seja um defendor do neoliberalismo, Paulo Guedes disse que “200 milhões de trouxas são explorados por seis bancos”. Os trouxas acreditarão nele?

Dez mil brasileiros mortos numa pandemia que sequer chegou ao pico no Brasil e o presidente da república diz que pretende realizar um churrasco. Em virtude da reação negativa, Bolsonaro afirma que cancelou o evento e que tudo era Fake News divulgada pela imprensa. Depois ele foi comemorar a tragédia passeando de jet sky no Lago Paranoá.

Celso de Mello democraticamente se recusou a impedir a realização de atos em favor da criação de uma nova ditadura. O presidente do STJ convidou Bolsonaro a recorrer da decisão que o obrigava a apresentar o exame do COVID-19. Ao receber o recurso ao invés de se dar por suspeito ele deferiu o pedido do presidente. Um brinca com fogo o outro se jogou alegremente na fogueira das vaidades.

Comprei algo para uma amiga pela internet. O objeto será enviado da China. Não sei quando vou recebe-lo ou se poderei entrega-lo. A vida não para, mas também não pode se movimentar. Qualquer movimento é suspeito ou arriscado.

Ontem a noite o rendez-vous do bairro ao lado do condomínio em que moro na periferia de Osasco SP voltou a acontecer. Música alta até as 2 horas da madrugada. Até as 1:30 um saravá evangélico nas proximidades disputava a atenção do público e infernizava a vizinhança.

Sangue de Jesus, senta vai cachorra, ungida pelo Espírito Santo, no bonde do tigrão… Daqui a duas semanas pecadores e evangélicos começarão a sentir os sintomas da pandemia. Vários deles morrerão porque o COVID-19 não faz qualquer distinção.

Ao abaixar para pegar algo que caiu na cozinha olhei sem querer embaixo do móvel da pia. Merda. Vou ter que limpar esse vão de novo. Ontem consegui tomar banho de sol. Hoje farei isso uma vez mais.

Quando era jovem eu implicava muito com meu pai. Ele tinha duas manias que eu considerava irritantes. Quando chegava o outono ele passava a usar duas meias e colocava um cobertor de lã entre o colchão e o lençol.

“Eu sinto muito frio nos pés”, ele dizia franzindo a testa quando era por mim questionado. Aos 55 anos passei a usar duas meias. O cobertor de lã entre o colchão e o lençol eu passei a utilizar quando fiz 50 anos. Algumas coisas não podem ser aprendidas na juventude. Precisamos viver para entender nossos pais.

Toda uma geração de escritores, juristas, jornalistas, compositores, atores e artistas está rapidamente desaparecendo durante a pandemia. Não seria uma tarefa fácil listar tudo o que eles fizeram pela cultura brasileira nos últimos 50 anos. Para homenagea-los seria preciso escrever uma obra volumosa.

A vida é curta e a arte é frágil. A morte, um preço a ser pago à natureza. Os que morrem sem deixar um legado são rapidamente esquecidos. Os que saíram da vida para viver na cultura apenas se tornam clássicos.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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