Uma fantástica fábula brasileira

Era uma vez, numa cidade pequenina às margens de um rio caudaloso e cercada por uma floresta luxuriante povoada por pássaros coloridos, animais esquivos, rãs eloquentes e perigosas serpentes venenosas, um menino triste não muito inteligente.

Ele não havia nascido na cidade. E por isso era tratado como estrangeiro pelos moleques da cidade.

Ele tinha as canelas finas e um nariz imenso. E por isso as meninas mais bonitas da escola não gostavam dele.

Ele tinha um pai bebum. Mas isso não chegava a ser um problema. Aquela cidade muito, muito distante da capital era povoada por homens rudes que afogavam a pobreza, a ignorância e a raiva em copos cheios de cachaça.

Ele tinha uma mãe gentil. Mas ela não era capaz de protegê-lo dos meninos mais velhos de pele escura e de temperamento violento que controlavam as ruas. Quando chegava em casa esfolado, a mãe cuidava dos ferimentos dele. E então ele se sentia amado.

A vida humana dele era uma triste paródia das vidas humanas que os garotos das famílias ricas tinham. Ele observava-os sem se aproximar muito, pois sabia que seria rejeitado. Ele secretamente os invejava, mas não ousava expressar esse sentimento pecaminoso porque isso apenas iria piorar sua situação.

Aquele menino triste não muito inteligente de canelas finas um nariz imenso rejeitado e invejoso tinha um sonho: ele queria se tornar um ser humano. Mas isso não era possível. Então aconteceu algo realmente diferente.

Um tiroteio na praça da cidade atraiu a atenção do Exército. Em pouco tempo uma imensa coluna de caminhões de soldados chegou na cidade. Eles acamparam num pasto que havia perto da casa onde o infeliz menino narigudo morava.

Curioso, ele foi espiar o acampamento. Vestidos todos da mesma maneira, os soldados pareciam formigas mecanizadas. E eles estavam sempre muito ocupados, andando em colunas, direita, esquerda. Alto. Os soldadinhos sempre cumpriam as ordens de dois ou três homens altos metidos em fardas vistosas que usavam um tom de voz enérgico.

O menino rejeitado das canelas finas ficou fascinado. Ele já sabia que não conseguiria se tornar um ser humano. Poderia ele se tornar um mecanismo do Estado? Dito e feito. Para desgosto do pai dele, um bebum que não gostava muito de soldados, o menino narigudo se fez soldado.

Mas ele não conseguiu ser uma máquina muito eficiente. Ele não gostava de cumprir ordens e era meio preguiçoso e muito mentiroso. Ele tinha medo de executar tarefas perigosas e ficou com fama de ser desonesto. Ele acreditava que um mecanismo do Estado deveria ser melhor remunerada do que qualquer ser humano e acabou criando tanta confusão que foi expulso do Exército.

Quando era criança ele acreditava que não conseguiria virar um ser humano. Ele pensou que poderia se tornar uma máquina fardada, mas em pouco tempo os superiores dele descobriram que ele não tinha as qualidades necessárias para se tornar um bom soldado.

Impossibilitado de virar um ser humano, rejeitado pelo Exército em virtude de ser um mecanismo imprestável e ineficiente, nosso herói não demorou muito para descobrir que existia um espaço em que todos os defeitos dele seriam úteis e eventualmente estimados. Foi assim que nosso anti-herói feio, triste, rejeitado, medroso, preguiçoso, desonesto, insubordinado e ambicioso entrou para a política.

Na política ele prosperou muito. Quanto mais ele afundava na podridão e no crime organizado melhores eram os postos que ele conquistava. As pessoas viam ele como queriam e não como ele realmente era. E ele se tornou um mestre em administrar mais a imagem que era vista do que o Estado que pagava os vencimentos dele. Ele eventualmente teve vários filhos e rapidamente os colocou no caminho que havia trilhado.

Pinóquio, bonequinho de madeira construído por Geppetto, passou por uma sucessão de aventuras até que finalmente conseguiu se tornar um ser humano. Quem realizou o sonho dele foi uma bondosa Fada Azul. David, o robô ingênuo do filme A.I., tentou imitar Pinóquio. Mas a única coisa que ele conseguiu ganhar do holograma da Fada Azul foi um dia perfeito com o clone da mãe que o havia rejeitado.

Nosso personagem não conseguiu virar um ser humano e foi expulso do Exército porque não tinha as qualidades necessárias para ser um robô a serviço do Estado. Todavia, ele conseguiu chegar ao topo do poder em virtude de seus defeitos. Ele mentiu, traiu, subornou, mentiu um pouco mais, agrediu, xingou, roubou, organizou uma vasta organização criminosa, mandou matar e eventualmente matou…

No país em que aquele moleque triste das canelas finas e nariz imenso nasceu o sucesso nunca era um prêmio. Ele podia ser herdado, mas ninguém podia ter certeza de que seria premiado por merecimento. Quem não nasceu em berço de ouro só pode conseguir tudo o que quiser se conseguir juntar ouro de maneira ilícita.

Quando a riqueza é a única medida de virtude, todos os defeitos desaparecem. Bem… Eles nunca desaparecem, mas pelo menos era nisso que os milionários daquele estranho país acreditavam. Muitos deles imaginaram que seria possível governar o país distribuindo ofensas e ameaças pela internet. Ledo engano.

Durante décadas, os defeitos dele foram vistos como se fossem virtudes. Mas no fim, toda carreira política tem que chegar ao fim. E as virtudes que ele nunca foi capaz de alimentar o levaram a ficar congelado numa situação desesperadora. Se não der um golpe de Estado ele pode ser preso. Se fizer isso ele pode morrer ou ser preso. Não existe um cenário em que ele não perda tudo ou quase tudo que conquistou de maneira desonesta.

Toda história infantil tem um final feliz. Essa é a história de um líder infantil que não conseguiu nem ser Pinóquio nem David. E agora nem mesmo uma Fada Azul conseguirá salvá-lo. Fim.

 

 

Moral da história: Não é possível governar pelo medo. Não é aconselhável ser governado pelo ódio. A riqueza não governa o mérito. O demérito é incapaz de governar qualquer coisa. Quem não nasceu para virar um ser humano e não conseguiu nem mesmo se tornar um bom soldado deveria ser impedido de entrar na política.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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