Direito, Jornalismo e Justiça no Brasil

Num de seus livros (não consigo agora lembrar qual deles) a filosofa Marilena Chauí fez uma distinção entre o “discurso de autoridade” e a “autoridade do discurso”. O primeiro não se preocupa com o processo de formulação de conceitos e sim com a preservação da hierarquização do “lugar de fala”: o que é dito é menos importante do quem quem disse. O segundo leva em conta o resultado da atividade cognitiva desprezando a hierarquia e premiando o rigor utilizado durante a produção de conhecimentos: o que é dito é mais importante do quem disse.

Essa distinção é especialmente importante na área do Direito, pois os juristas costumam se apoiar uns nos outros para garantir o predomínio do “discurso de autoridade”. O que um Ministro do STF diz ao proferir um voto vencedor é automaticamente considerado mais importante do que o que o advogado da parte disse em defesa do cliente dele. Pouco importa se o defensor estava certo ou não, a tese que predominará não será a dele. O “campo jurídico” é estruturado com base em hierarquias fixas que impõe o predomínio de um “lugar de fala” privilegiado.

No jornalismo deveria ocorrer exatamente o oposto. O “furo” tem o poder de subverter as hierarquias estabelecidas no “campo jornalístico”. A notícia que se impõe não é necessariamente aquela que foi dita pelo jornalista mais conhecido. Desde que tenha sido apurado com o devido rigor, o “furo” tem o poder de romper a barreira de silêncio que existia em virtude da ignorância, do hábito ou do acobertamento garantido pela política editorial.

A decadência no “campo jurídico” ocorre quando o “lugar de fala” privilegiado é ocupado por juristas ineptos, corrompidos ou determinados a corromper o discurso jurídico. A decadência no “campo jornalístico” se torna uma realidade quando o “furo” passa a ter menos importância do que as hierarquias entre as empresas de comunicação ou entre os jornalistas.

O caso do Triplex é exemplar. Em virtude de ter sido elevado à condição de unanimidade inquestionável, quase uma divindade dentro e fora do Judiciário e da Imprensa, Sérgio Moro conseguiu produzir uma decadência nos dois campos. Ele corrompeu os princípios do direito penal ao conspirar com o procurador para impor ao réu uma condenação injusta por diversos motivos.

Apesar da série de reportagens do The Intercept sobre as relações perigosas e potencialmente criminosas entre o juiz e o procurador da Lava Jato, a imprensa reluta a admitir que estava errada. Para restaurar a normalidade, o STF tem que romper a barreira que foi criada para legitimar o “simulacro do processo penal” utilizado contra Lula.

O compromisso de alguns Ministros do STF com o “simulacro jornalístico” que pressupõe as verdades estabelecidas pela Lava Jato é um problema. Esse problema, que é mais de caráter do que propriamente jurídico, afeta de maneira negativa a “autoridade do discurso” que deveria prevalecer nesse caso.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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