Uma revolução dos bichos no TJSP


Eis aqui duas notícias que justificam as críticas feitas ao TJSP pelos advogados paulistas. O Tribunal negou a esmagadora maioria dos Habeas Corpus requeridos por presidiários com fundamento na pandemia do COVID-19 https://www.conjur.com.br/2020-jul-08/tj-sp-nega-88-habeas-corpus-motivados-covid-19 e concedeu HC para impedir o sacrifício de um cavalo https://www.conjur.com.br/2020-jul-29/tj-sp-concede-habeas-corpus-cavalo-nao-seja-sacrificado.

A missão do Direito é hierarquizar e proteger bens considerados juridicamente relevantes. Os critérios empregados para estruturar essa hierarquia distinguem o Estado de Direito das tiranias brutais e genocidas.

Entre nós, a vida humana é mais valiosa do que o direito de propriedade e este tem menos valor do que a vida dos animais. A faculdade de repudiar unilateralmente obrigações é menos valiosa do que os deveres criados pela ação humana voluntária. E assim por diante…. 

A liberdade individual tem mais valor do que direito do Estado de perseguir e punir suspeitos. Uma punição só pode ser imposta mediante processo regular com garantia de direito de defesa e produção de provas pelo réu, não podendo a pena exceder o limite prescrito em Lei.

Habeas Corpus é um instituto garantido pela Constituição Cidadã. Ele foi criado para impedir a supressão da liberdade individual mediante abuso estatal. Sempre que a liberdade de alguém estiver em risco ou for violentada, a pessoa pode requerer Habeas Corpus ao Judiciário. Constatada a ilegalidade, o juiz deve atender o pedido.

Com o tempo o uso do Habeas Corpus foi alargado para contemplar não só o direito da pessoa de ir e vir. O instituto também pode ser usado para garantir a vida do cidadão.

Nossa Constituição proíbe expressamente a pena de morte. A letalidade do COVID-19 e sua imensa habilidade de se espalhar entre seres humanos confinados em lugares fechados são fatos cientificamente reconhecidos. Portanto, causa estranhamento o TJSP ter negado de maneira quase automática a concessão de HCs em favor de presidiários que correm risco de morrer em virtude da pandemia que se alastra pelos presídios. 

O Estado somente pode impor as punições prescritas em Lei. Ao se transformar numa pena de morte em razão da pandemia, o confinamento do presidiário adquire contornos ilegais evidentes.

“Concedo o Habeas Corpus, liberte-se quem corre risco de vida ilegalmente.” Essa, entretanto, não foi a decisão predominante. Na maioria dos casos o TJSP preferiu garantir o direito do COVID-19 de exterminar a maior quantidade possível de presidiários.

A simpatia que o TJSP demonstrou pela preservação da vida de um cavalo condenado ao sacrifício pode ou não ser justificada. Todavia, quando comparamos o excesso de humanidade da decisão em favor do animal com a desumanidade que o Tribunal demonstrou em relação aos presidiários que temem a própria vida fica evidente que uma revolução dos bichos está em curso.

Impermeável ao reconhecimento e à aplicação das regras que garantem os direitos humanos, o Judiciário brasileiro passou a dar mais valor a bens juridicamente menos valiosos. Desde quando a vida humana passou a ter menos valor do que a vida dos animais? O resultado previsível da pandemia (o extermínio de prisioneiros que não podem ser condenados a morte) deve realmente ser considerado um obstáculo à concessão de Habeas Corpus?

Em seu livro “Animal Farm”, George Orwell narra como as injustiças renascem assim que o dia-a-dia na fazenda passa a ser reorganizado por Napoleão. O que deveria ser uma utopia igualitária em benefício de todos os bichos se transforma numa tirania brutal hierarquizada comandada pelos porcos.

No Brasil pandêmico pós-golpe de 2016 a vida dos cavalos já tem mais valor constitucional do que a vida humana. Que outras inovações devemos esperar do TJSP na “Animal Farm” bandeirante?

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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