Ação entre amigos

O sistema judiciário brasileiro é corrupto de alto a baixo — completa e absolutamente corrupto. Das OABs locais e juizados de primeira instância e até do sistema de apoio — cartórios e quejandos — às mais altas instâncias, do fórum local cujos equipamentos e materiais de escritório são bancados por empresas locais aos congressos e conferências regionais, nacionais e internacionais “patrocinadas” por entidades interessadas e aos grandes contratos de construção de tribunais em todas as instâncias, passando pela venda de sentenças e a propina comum e silvestre, o sistema inteiro está armado de maneira a favorecer e incentivar a corrupção, e ninguém faz carreira nesse meio sem ser sucessivamente filtrado por outros corruptos. O “mérito”, na carreira judiciária, é a sofisticação da cadeia de favores e vantagens recíprocas de cada um, e quem chega às mais altas instâncias é quem aprendeu pelo menos a fechar muito bem os olhos para as negociatas e falcatruas dos colegas. Nas alturas rarefeitas em que circulam os “supremáveis” não há inocentes, todos são pelo menos coniventes.

Numa tal carreira nem é preciso haver enriquecimento ilícito, que poderia chocar as almas mais sensíveis dessa corporação de avindores. Paradoxalmente, é o próprio caráter “democrático” dos mecanismos de ingresso na corporação que favorece a formação do espírito de elite e a consequente identificação com as elites reais. Pegue-se um cidadão comum qualquer esforçado ou brilhante o bastante para passar num concurso e dê-se-lhe um salário que o alce imediatamente aos píncaros da pirâmide de consumo, muitíssimo acima dos mortais comuns com os quais ele convivia até ontem mesmo, lugar excelso de onde ele passa a contemplar o mundo lá embaixo enquanto sobe na carreira, ganhando cada vez mais, recebendo cada vez mais homenagens e favores e facilidades, para si mesmo e, com o passar do tempo, para a mulher, os filhos, sobrinhos e protegidos, toda uma vida frequentando e sendo adulado nos melhores salões, e o que é que se tem no fim? Uma deslumbrada servil como a Carmen Lúcia, um patife mafioso como o Gilmar, um papalvo vaidoso como o Lewandowsky, todos ávidos em mostrar que pertencem, e em servir, à classe que os nutriu, protegeu e fez “prosperar” no mundo. O fato de não pertencerem a essa classe realmente, de não serem mais do que seus serviçais até relativamente baratos, tem pouca relevância. O que importa é como eles se sentem.

Em uma empresa particular, faz carreira o indivíduo que serve os interesses maiores da entidade em que trabalha, que é ganhar mais dinheiro. Acima de todos os chefes de seção, gerentes de linha, gerentes regionais, vice-presidentes, diretores executivos e presidentes do conselho está a assembleia de acionistas, que pune ou recompensa os seus servidores de olho em uma única coisa, o balancete. O judiciário é uma empresa em que os próprios empregados decidem quem é promovido e quem não, quanto vão ganhar, quanto tempo vão ter de férias e quais benefícios e mordomias terão, “controlados” unicamente pela assembleia profissional e carreirista de “representantes do povo” de cada instância, onde estão os seus irmãos, primos e amigos. Enquanto não houver em todas as instâncias um controle externo efetivo, composto por um corte verdadeiramente representativo da sociedade, o nosso judiciário vai continuar sendo o que é. E escolher juízes do Supremo “republicanicamente” vai continuar sendo uma das maiores bobagens que qualquer governante pode fazer.

Redação

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