Deteção inédita da colisão de estrelas de nêutrons via ondas gravitacionais e luz ótica, por Hélio Rocha-Pinto

Imagem da quilonova da galáxia NGC 4993, obtida com o telescópio espacial Hubble.

Deteção inédita da colisão de estrelas de nêutrons via ondas gravitacionais e luz ótica

por Hélio Rocha-Pinto

Uma descoberta astronômica inédita foi anunciada hoje por várias observatórios, institutos de pesquisa e consórcios astronômicos: a deteção simultânea da colisão de duas estrelas de nêutrons através de ondas gravitacionais e eletromagnéticas. A descoberta envolve a quebra de vários marcos: foi a primeira deteção de ondas gravitacionais provenientes de um par de estrelas de nêutrons, a primeira confirmação por observação eletromagnética de evento descoberto via ondas gravitacionais, a primeira evidência real de que colisão de estrelas de nêutrons podem ser responsáveis pelas explosões de raios gama de curto período e primeira evidência da existência de um novo fenômeno astronômico, anteriormente estudado apenas na teoria: as chamadas “quilonovas”.

Quase todos já devem ter ouvido falar de supernova e têm uma ideia mais ou menos clara sobre o que gera esse fenômeno: uma estrela a explodir. Essa explosão ocorre apenas no fim da vida da estrela, quando sua massa é pelo menos cerca de oito vezes maior que a do Sol. O nome “supernova” deriva-se de outro fenômeno astronômico menos badalado e mais corriqueiro: a nova.

As novas foram assim batizadas por conta da expressão latina “nova stella”, isto é, uma estrela nova, que subitamente parecia ter surgido no céu. Hoje sabemos que as novas são estrelas binárias formadas por uma anã branca e uma estrela gigante. A estrela gigante tem parte da sua atmosfera roubada pela atração gravitacional da anã branca. Essa matéria roubada se deposita sobre a superfície da anã branca e acaba levando a surtos periódicos de deflagração termonuclear, o que leva a estrela a brilhar intensamente durante alguns dias ou semanas. Monitorando essas estrelas, sabemos que não se tratam de estrelas recém-surgidas, mas sim de binárias antigas, que voltam ao seu brilho anterior após o fim da deflagração. Há inclusive observações de várias novas recorrentes, com período de poucas décadas.

Representação artística de uma nova. Crédito: NASA.

As quilonovas receberam esse nome também em alusão às novas. Mas o prefixo quilo- foi adotado por seu brilho máximo chegar a ser mil vezes superior ao de uma nova típica, mas ainda muito inferior ao das supernovas. Foram previstas em 1998, como resultado da colisão entre duas estrelas de nêutrons. Tais colisões poderiam explicar as explosões de raios gama, outro fenômeno astronômico ainda mal compreendido. Em um artigo de 2010, Brian Metzger e colaboradores propuseram que as quilonovas seriam objetos ideais para a detecção de ondas gravitacionais e que poderiam ainda ser comprovadas simultaneamente pela observação de ondas eletromagnéticas, incluindo raios gama.

Essa previsão notável foi comprovada este ano. No dia 17/08/2017, o observatório LIGO detetou ondas gravitacionais passando pela Terra. Foi a quinta deteção deste tipo já feita. A própria façanha de detetar as ondas gravitacionais pela primeira vez rendeu o Nobel de Física de 2017 a seus idealizadores. Cerca de dois segundos após a deteção do LIGO, dois telescópios espaciais da NASA (o Fermi e o INTEGRAL) captaram uma explosão de raios gama provenientes da mesma área do céu. O sinal do LIGO não foi confirmado por outro observatório de ondas gravitacionais (o VIRGO, que opera na Itália). Isso indicava que o evento teria ocorrido num dos pontos cegos do VIRGO, reduzindo a área do céu em que o sinal da contrapartida eletromagnética deveria ser buscado. Os sete dias seguintes foram empolgantes. Dezenas de observatórios do hemisfério sul foram contactados e requisitados para varrer o céu, em busca de uma “nova” fonte de luz, que seria resultante do material residual da colisão. A busca teria de ser feita nos poucos dias seguintes, pois a previsão é que a intensidade da luz de uma quilonova caia rapidamente. Entre os telescópios mobilizados para a observação encontra-se o pequeno T80-Sul, um telescópio brasileiro que opera no Chile desde o começo deste ano, construído com financiamento Fapesp, em projeto liderado pela astrônoma Cláudia Mendes de Oliveira, da USP.

Essa caçada rendeu uma formidável quantidade de observações de um fenômeno até então apenas teorizado. Foi possível observá-lo em vários estágios e acompanhar o decaimento da luz ao longo de mais de uma semana.

A quilonova descoberta encontra-se na galáxia NGC 4993, situada a 123 milhões de anos-luz. Os modelos teóricos indicam que a colisão tenha gerado quase 1 centésimo da massa solar em novos elementos químicos pesados, incluindo platina, ouro, érbio, e diversos isótopos radioativos pesados, cujo decaimento rápido manteria a luz residual no material remanescente.

E foram justamente as observações feitas com o T80-Sul que geraram um dos primeiros artigos de dezenas de outros aguardados acerca desse objeto. O time de brasileiros, argentinos, chilenos e mexicanos publicaram seu trabalho hoje, na edição especial da The Astrophysics Journal Letters dedicada à descoberta.

Em épocas de más notícias para a ciência nacional, quando a própria adesão do país ao European Southern Observatory se inviabiliza mesmo sendo aprovada após anos de discussão legislativa, é reconfortante constatar a contribuição desse grupo, composto por pesquisadores e professores da USP, UFSC, UFRJ, UFS e do Observatório Nacional, para a astronomia do século XXI.

Mosaico de observações do telescópio VISTA, mostrando a variação de luz da quilonova.

Redação

3 Comentários

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  1. Pobre Brasil

    Desde a minha infância sou “apaixonado” pelo espaço.  Tenho na minha estante vários livros e algumas coleções sobre o assunto. Um deles que acredito eu seja raríssimo hoje, foi lançado pela revista veja, quando essa era realmente uma revista, em forma de fascículos sobre a conquista da lua. Comprei o meu primeiro telescópio aos quatorze anos e nunca esqueço da noite em que vi Saturno e seus aneis pela primeira vez.  Para tristeza nossa, vejo o golpista temer  “entregando” a nossa base de Alcântara para os seus patrões norte americanos, com o beneplácido de quem deveria se opor a isso, as Forças Armadas,  “entregando” aos interesses estrangeiros o controle dos nossos  satélites e até, o que eu acho o cúmulo dos de  espírito de vira latas, a vigilância do nosso espaço aéreo. Apesar de tudo existem os abnegados que merecem nossos aplausos e  o nosso respeito.

  2. Vamos garimpar?

    “Com base em seus dados, a equipe estimou que a kilonova criou uma quantidade realmente surpreendente de platina e ouro, com uma massa combinada igual a várias centenas de vezes a massa da Terra.”

    Segundo as teorias, todos os elementos da tabela periódica mais pesados que o ferro são criados nesse tipo de evento.

    Sem eles, não estaríamos aqui.

    Como disse Carl Sagan, somos “poeira das estrelas”.

     

    Um bom artigo foi publicado na Scientific American

     

    http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/fusao_de_estrelas_de_neutrons_e_observada_diretamente_pela_primeira_vez.html

    Fusão de estrelas de nêutrons é observada diretamente pela primeira vez

     

    No dia 17 de agosto de 2017, cientistas fizeram a primeira observação direta da fusão de duas estrelas de nêutrons – os núcleos densos e colapsados que sobram após grandes estrelas morrerem em explosões do tipo supernova. A fusão é o primeiro evento cosmológico observado tanto sob a forma de ondas gravitacionais – ondas no tecido do espaço-tempo – quando em todo espectro de luz, de raios gama e ondas de rádio. As observações de ondas gravitacionais foram publicadas na revista Physical Review Letters e as observações de raio-X, na Nature.

    As ondas gravitacionais do evento, nomeadas GW170817, chegaram primeiro aos detectores gêmeos do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (LIGO, na sigla em inglês), localizados em Hanford, Washington e em Livingston, Louisiana. Devido à orientação do par de estrelas de nêutrons, o recém operacional detector de Virgo, localizado perto de Pisa, Itália, observou um sinal mais fraco. Menos de dois segundos depois, o Monitor de Explosão de Raios Gama no Telescópio Espacial Fermi de Raios Gama da NASA detectou uma pequena explosão de raios gama.

    Uma rápida análise desses sinais permitiu à Colaboração Científica de LIGO (LSC, na sigla em inglês) e à Colaboração Virgo localizarem o sinal em uma região que abrange menos de 0,1% da área total do céu, visto da Terra. Independentemente, Fermi identificou uma área maior, consistente com a identificada por LIGO e Virgo. Astrônomos por todo o mundo apontaram mais de 70 telescópios espaciais e terrestres em direção ao evento para observações de acompanhamento.

    Pesquisadores da Universidade Maryland desempenharam papéis chave na detecção de sinais gravitacionais e de luz do evento histórico. “Este é o evento astronômico mais intensamente observado na história”, disse Petter Shawhan, professor de física da Universidade de Maryland e um dos principais pesquisadores da LSC, onde também serve como presidente do comitê de análise de dados.

    Shawhan e seus estudantes lideraram as tentativas de desenvolver protocolos para alertar astrônomos no evento de uma fusão de estrelas de nêutrons ou qualquer outro com ondas gravitacionais que pudesse ser observado por telescópios eletromagnéticos.

    “O LIGO foi construído com as fusões de estrelas de nêutrons binárias em mente”, disse Shawhan. “Detectar as fusões de buracos negros binários pela primeira vez foi uma alegria, e nós aprendemos muito com eles. Contudo, o que é fantástico aqui são as descobertas de astronomia as quais seguiram o sinal de onda gravitacional. É exatamente o que os teóricos previram que deveríamos ver a partir desse sistema, e estamos vendo isso ao longo de todo o espectro eletromagnético.”

    As estrelas de nêutrons se fundiram em uma galáxia chamada NGC 4993, localizada a cerca de 130 milhões de anos-luz da Terra, na constelação Hydra. Antes da fusão, cada uma das duas estrelas de nêutrons era um pouco maior do que o Sol. Entretanto, elas também eram extremamente densas, cada uma presa em uma esfera com um diâmetro de largura aproximadamente igual à de Washington, D.C. À medida que as densas estrelas de nêutrons espiralavam juntas, elas emitiam ondas gravitacionais detectáveis por cerca de 100 segundos. Sua colisão produziu a explosão de raios gama detectada pelo telescópio espacial Fermi cerca de dois segundos depois.

    “Para as fusões binárias de buracos negros que o LIGO já observou, os sinais foram muito mais curtos – apenas uma fração de segundo”, disse Alessandra Buonanno, professora de física da Universidade de Maryland em College Park e uma das principais pesquisadora da LSC, que também tem uma nomeação como diretora no Instituto Max Planck de Física Gravitacional em Potsdam, na Alemanha. “Nós conseguimos acompanhar a evolução das GW170817 ao longo do tempo de uma forma que não conseguimos com dois buracos negros. Ao continuar examinando o sinal, essa riqueza de dados provavelmente nos permitirá buscar testes gravitacionais novos e mais rigorosos, o que poderia colocar em questão a teoria de Einstein sobre a relatividade geral.”

    Buonanno lidera uma tentativa para desenvolver modelos altamente precisos das ondas gravitacionais a que as estrelas de nêutrons dariam origem durante o processo de orbitarem uma ao redor da outra e eventualmente colidirem. Ao analisar as GW170817, a equipe de Buonanno e outros membros das colaborações de LIGO e Virgo usaram esses modelos de formatos de onda para identificar a fonte de sinal como um par de estrelas de nêutrons em órbita prestes a se fundirem.

    “O modelo do formato de onda que corresponde ao sinal nos ajudou a determinar que os dois corpos possuíam uma massa entre uma a duas vezes a massa do Sol”, acrescentou Buonanno. “Esta é a variação de massa que esperamos nas estrelas de nêutrons. Ao contrário do que esperamos com dois buracos negros, vimos uma forte contrapartida ao sinal de onda gravitacional na parte de luz visível do espectro e em outras radiações. Isso nos fornece uma primeira observação dentro de uma estrela de nêutrons e uma oportunidade para analisar sua composição.”

    Nos dias e semanas seguintes ao sinal de onda gravitacional de da explosão de raio gama, astrônomos capturaram outras formas de luz – raios-X; luzes ultravioleta, óptica e infravermelha; e ondas de rádio. Cada observação revelou novas descobertas ou abriu novas portas para mais questões de pesquisa.

    “Com a detecção da explosão de raios gama pelo Fermi, todos já estavam entusiasmados. Poucas horas depois, vimos o transiente pela primeira vez”, disse Eleonora Troja, pesquisadora assistente do Departamento de Astronomia da Universidade de Maryland e principal autora do artigo da Nature que descreve resultados do Observatório Chandra de Raios-X da NASA e do telescópio espacial Hubble. Um transiente é um termo geral para qualquer fenômeno astronômico de curta duração.

    “Para um astrônomo, é como o país das maravilhas. Fiquei admirada dia sim, dia não, pensando que não poderia melhorar, e algo novo veio”, disse Troja, que também é membro da equipe da Missão Swift de Explosão de Raios gama no Centro de Voo Espacial Goddard da NASA. “Em poucos dias, percebemos que estávamos vendo um transiente raro, chamado “kilonova”, com mais detalhes do que nunca.”

    Os astrônomos acreditam que o decaimento de elementos radioativos formados em detritos ricos em nêutrons cria a luz visível e infravermelha de uma kilonova. Troja e seus co-autores foram um dos poucos grupos a fazer observações detalhadas dessa luz infravermelha. Com base em seus dados, a equipe estimou que a kilonova criou uma quantidade realmente surpreendente de platina e ouro, com uma massa combinada igual a várias centenas de vezes a massa da Terra. Os resultados sugerem que a colisão estrelas de nêutrons pode ser a fonte dominante de elementos pesados do universo. Contudo, a kilonova não foi a última descoberta a ser feita.

    “Nove dias depois, a emissão de raio-X começou a aparecer”, continuou Troja. “Fui a primeira pessoa a observar isso, e não puder acreditar no que meus olhos viam. Estavamos presenciando um fenômeno chamado de orphan afterglow.”

    Um orphan afterglow é um fenômeno transiente – previsto pela teoria, não observado de forma conclusiva até agora – o qual é originado da explosão de raio gama, porém permanece visível por dias ou até meses após o evento.

    Por quase duas décadas, astrônomos buscaram vestígios de um orphan afterglow para ajudar a explicar as origens enigmáticas das explosões de raios gama. Segundo Troja, o afterglow visto após esse evento sugere que a fusão de estrelas de nêutrons lançou jatos astronômicos ligeiramente “fora do eixo” – ou, em outras palavras, não apontados diretamente para a Terra. Esses jatos, por sua vez, provavelmente alimentaram a pequena explosão de raios gama observada pelo telescópio Fermi.

    “Quase todas as explosões de raios gama as quais observamos até agora estavam apontadas diretamente para a Terra. Imagine o feixe de uma lanterna. Se o telescópio não olhar para baixo do eixo do jato, não vemos o sinal”, disse Sylvain Veilleux, professor de astronomia da Universidade de Maryland e co-autor do artigo da Nature. “Para esse evento, imagine, em vez disso, o fluxo de água de uma mangueira de jardim – o jato central se move muito rápido, mas também há um cone de radiação que expande para fora, pelos lados.”

    “O atraso de nove dias nos sinais confirmou que estávamos vendo o evento fora do eixo”, acrescentou Veilleux, que também é membro do Instituto Conjunto de Ciência Espacial. “Provavelmente perdemos uma grande fração desses eventos fora do eixo, pois eles acabaram rapidamente e não sabíamos onde fazer observações de acompanhamento. Porém, com uma coordenação bem-sucedida entre a rede LIGO-Virgo e telescópios eletromagnéticos ao redor do mundo, é provável que vejamos muitos outros.”

    Teóricos previram que quando as estrelas de nêutrons colidem, elas devem gerar ondas gravitacionais e raios gama, além de jatos poderosos que emitem luz em todo o espectro eletromagnético. As novas observações confirmam que pelo menos algumas pequenas explosões de raios gama são geradas pela fusão de estrelas de nêutrons – algo que, anteriormente, só havia sido teorizado.

    “Durante décadas, suspeitávamos que as explosões de raios gama fossem alimentadas por fusões de estrelas de nêutrons”, disse Julie McEnery, cientista do projeto Fermi no Centro de Voo Espacial Goddard da NASA, professora adjunta de física da Universidade de Maryland e um membro do Instituto Conjunto de Ciência Espacial. “Agora, com os incríveis dados de LIGO e Virgo sobre esse evento, temos a resposta. As ondas gravitacionais nos dizem que os objetos de fusão tinham massas consistentes com estrelas de nêutrons e o flash de raios gama nos diz que os objetos provavelmente não são buracos negros, pois não é esperado que uma colisão de buracos negros libere luz.”

    Entretanto, enquanto um mistério parece estar resolvido, novos mistérios surgiram. A explosão de raios gama observada foi uma das mais próximas da Terra vistas até agora, mas foi surpreendentemente fraca pela sua distância. Cientistas estão começando a propor modelos para o que poderia ser isso, disse McEnery, acrescentando que novas idéias provavelmente surgirão nos próximos anos.

    “Enquanto os resultados desse evento estão além dos meus sonhos mais loucos, a parte mais emocionante é que isso é realmente apenas o começo”, disse Brad Cenko, uns dos principais pesquisador da Missão Swift de Explosão de Raios Gama no Centro de Voo Espacial Goddard da NASA, professor assistente adjunto de astronomia da Universidade de Maryland e membro do Instituto Conjunto de Ciência Espacial. Cenko também é co-autor do artigo da Nature. “Agora, LIGO e Virgo não estão funcionando porque estão sendo atualizados, mas começarão a observar novamente em 2018 e com uma sensibilidade ainda maior. A partir dessa primeira fusão de estrelas de nêutrons, com dados tão surpreendentes em todo o espectro eletromagnético, realmente estamos em uma nova era da astronomia multimeios.”

    Universidade de Maryland

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