Do lambe-lambe ao retrato popular, um passeio

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Exposição SESC Belenzinho

por Rosângela Araujo Vig

Pelas paredes forradas de papel,

Desenho de querubins, segurando

Cornucópia e laços,

Retratos de antepassados, solenes, empertigados,

Gente de dantes.

(CORALINA, p.61, 2004)

Somente um olhar poético poderia descrever um casarão antigo, de forma tão bela. Nesse pequeno trecho da poesia, Cora Coralina (1889-1985) fala de gente de épocas antigas, cujos retratos empalidecem, aos poucos, com o passar dos anos e da vida. E a mente de quem lê, vai compondo a imagem dessas pessoas, de tempos idos, com olhar altaneiro, de corpo aprumado, nas imagens monocromáticas, já desbotadas pelo tempo.

Tais imagens monocromáticas se traduzem talvez, em saudade, em nostalgia, em Ppoesia. São essas as imagens que o SESC Belenzinho, em São Paulo, está mostrando até o dia 31 de julho. A exposição, que recebe o nome de Retrato Popular – do vernáculo ao espetáculo, tem a curadoria de Rosely Nakagawa, Titus Riedl e Valéria Laena. Proveniente do Museu da Cultura Cearense do Centro Cultural Dragão do Mar, o acervo é rico em fotografias antigas, ex-voto, com molduras originais; cartões, retratos pintados, monóculos, lambe-lambes, fotopinturas e cartões postais. No conjunto, há registros anônimos, mas também imagens dos retratistas Luiz Santos, Mestre Júlio Santos, Tiago Santana e Tonho Ceará.

Ao apreciador, resta visitar e compreender um pouco mais a respeito da obra de profissionais que levaram poesia para o popular. Tiago Santana, apresenta fotos de seu arquivo pessoal sobre o universo da fotografia popular das cidades de Juazeiro do Norte e de Canindé, no Ceará, cidade onde nasceu e onde viveu grande parte de sua vida. Sua obra é o resultado de uma pesquisa de dez anos. Sua linguagem monocromática, lembra os cordéis daquela região, tem ligação com a xilogravura e conta um pouco da história do nordeste brasileiro. Para ele, a tecnologia sempre esteve presente no campo da Fotografia e, como uma importante ferramenta de trabalho, pode auxiliar no processo criativo, mas cabe ao fotógrafo fazer com que seu trabalho adquira personalidade. A fotografia conta histórias sobre pessoas, sobre lugares; e é por meio do monocromático que se reforça o foco da observação, para as expressões humanas, para o olhar e para os gestos. A Poesia então se revela, pelo olhar do fotógrafo, pela personalidade que seu trabalho adquire.

Tonho Ceará chegou a ser fotógrafo de eventos religiosos, de romarias e de documentos de identificação, com a máquina lambe-lambe, o que chamou a atenção de Luiz Santos. Surgiu então, a partir daí, uma ligação e a parceria, que se traduziu em uma visão contemporânea da antiga forma de fotografar. Luiz Santos revela seu gosto de estar próximo de pessoas, de descobrir personagens e convida o observador a interpretar sua obra, da forma como a Arte deve ser interpretada, em seus detalhes, sem pressa. É ali que se encontra a Poesia. O fato de ter trabalhado, nos anos 80, com a revelação de fotografia, possibilitou que fosse dado mais ênfase ao trabalho monocromático.

Embora o foco da mostra seja o ofício de retratar e de eternizar um momento, a visita conduz o espectador a um conteúdo mais profundo, a respeito das novas tecnologias, agregadas ao ofício de fotografar e o quanto isso se modificou na última década. Com o intuito de levar a essa reflexão, o SESC ainda promove uma programação completa, em que se incluem oficinas e atividades desenvolvidas durante o período da exposição. E o melhor da Arte é o resultado desse encontro entre o contemporâneo e o antigo, sob o olhar atento do profissional, apto para captar um momento e transformá-lo em Poesia.  

 

Link Exposição SESC Belenzinho:

http://www.sescsp.org.br/online/artigo/9944_UM+MERGULHO+NA+FOTOGRAFIA+POPULAR#/tagcloud=lista

 

Referências:

CORALINA, Cora. Melhores Poemas. São Paulo: Editora Global, 2004.

PROGRAMAÇÃO SESC Belenzinho

Relatório Programação Maio
 

Artes Visuais

RETRATO POPULAR – DO VERNÁCULO AO ESPETÁCULO

Programação integrada à exposição

Cursos

Início das inscrições: dia 5/5 (quinta) pessoalmente, a partir das 14h, no 1º Pavimento. Havendo disponibilidade de vagas, as inscrições seguirão no 1º Pavimento a partir do dia 6/5 [sexta], às 11h. Grátis. Acima de 16 anos.
 

Aprenda a usar uma câmera Lambe-lambe – com Maurício Sapata

Os participantes terão a oportunidade de entender o funcionamento de uma câmera
lambe-lambe, utilizando-se do processo analógico de revelação fotográfica em preto e
branco para se obter a foto. Será feita também a colorização manual destas imagens.
A câmera lambe-lambe foi muito popular no Brasil no princípio do século XX, pois ela
permitia que a fotografia fosse revelada de forma “instantânea”. Esses fotógrafos
ambulantes eram comumente encontrados em praças públicas e locais turísticos. 15 vagas. Oficina 2. Duração: 3 encontros.

Maurício Sapata é fotógrafo freelancer e atua em pesquisas de processos históricos fotográficos como o cianótipo, goma e papel salgado. Faz parte do Projeto 74Foto no qual ministra oficinas de fotografia pinhole e é colaborador de edição da revista fotográfica BLUR.    

De 10 a 24/5. Terças, das 14h30 às 17h30. 
 

Restauração e Colorização Digital de Fotografias Antigas – com Matheus Dacosta

Inspirado na fotopintura (fotografias de família em preto e branco, e coloridas manualmente) difundida pela cultura popular no século passado, este curso capacita o aluno a colorir digitalmente, além de restaurar fotografias antigas danificadas pela ação do tempo ou por algum incidente. De forma prática e dinâmica, o aluno trabalhará com softwares livres e terá a oportunidade de restaurar suas fotos pessoais. 20 vagas. Espaço de Tecnologias e Artes. Duração: 4 encontros.               
 

Matheus Dacosta é artista plástico formado pela UNESP, com Licenciatura em Artes Visuais e pós-graduando em Design Digital e Novas Mídias pela Belas Artes. Iniciou seus estudos com o curso de Design Gráfico, e a partir desse momento deu início à sua carreira trabalhando com Comunicação Visual e com Design/Ilustração de embalagens de brinquedos. Trabalhou também como Diretor de Arte em agência de publicidade por mais de 5 anos, e atualmente leciona Computação Gráfica e Fotografia no SENAC-SP e Ilustração Digital na Belas Artes. Hoje, trabalha paralelamente como artista plástico, designer e fotógrafo.
De 11 a 20/05. Quartas e sextas, das 9h30 às 12h30.
 

Tenda-Lab fotográfico – com Guilherme Maranhão

A proposta dessa atividade é a construção coletiva de um laboratório fotográfico vedado à luz, fácil de montar e desmontar, para uso em processos fotográficos PB e alternativos em ambientes cobertos. Após a atividade, os participantes terão noções de como elaborar o projeto de acordo com o tamanho de tenda-lab desejado, como quantificar e adquirir os materiais necessários para poder construir seu próprio lab individual. A última aula envolve um teste do lab. 20 vagas. Oficina 2. Duração: 4 encontros.

Guilherme Maranhão reside em São Paulo desde 1985. Na fotografia, sua pesquisa está centrada nas alterações do processo de formação de imagens, na subversão das ferramentas produzidas pela indústria e na busca pela irreprodutibilidade mecânica. Realizou exposições individuais no Itaú Cultural (São Paulo), Gallery 44 (Toronto) e no Ateliê da Imagem (Rio de Janeiro). Recebeu o Prêmio Porto Seguro (2007) e o Prêmio Marc Ferrez (2014). Possui obras no acervo do MAM-SP e na Coleção Itaú.

De 11 a 20/05. Quartas e sextas, das 19h às 22h.
 

Colorização de fotografias PB – com Maurício Sapata

Colorização fotográfica é a técnica na qual se aplica cor manualmente sobre uma fotografia em preto e branco ou mesmo colorida (nesse caso pode ser considerado também como retoque fotográfico). Esta técnica utiliza os mais diversos materiais como aquarela, guache, lápis, óleo e outros tipos de pigmentos. Nesta oficina, os participantes terão a oportunidade de experimentar esta técnica sobre uma fotografia impressa em papel fotográfico fibra, com base de gelatina e prata, utilizando diversos tipos de materiais. 20 vagas. Oficina 1. Duração: 3 encontros.

Maurício Sapata  é fotógrafo freelancer e atua em pesquisas de processos históricos fotográficos como o cianótipo, goma e papel salgado. Faz parte do Projeto 74Foto no qual ministra oficinas de fotografia pinhole e é colaborador de edição da revista fotográfica BLUR.    
Acima de 16 anos.             
Grátis
18/05 a 01/06. Quartas, das 19h às 22h.      
 

(Re)construção da memória: processos de recuperação de fotografias – com Goma Oficina

Pretende-se discutir, em três encontros, os processos de recuperação de fotografias antigas (negativos, positivos e fotos impressas), e o valor da reconstrução de histórias e memórias, além de possíveis aplicações desses processos em fotografias pessoais e familiares. O curso acontecerá em dois momentos, o primeiro com a apresentação de materiais e referências (ensaios, livros, filmes) e, num segundo momento, através de um ateliê aberto com propostas de exercícios práticos. 20 vagas. Espaço de Tecnologias e Artes. Duração: 3 encontros.

Goma Oficina é um grupo de arquitetos e artistas associados que, desde 2009, trabalha e pesquisa linguagens e suas aplicações em projetos. Além de arquitetos, fazem parte da rede de colaboradores e parceiros, fotógrafos, músicos, designers, educadores, entre outros. Alguns dividem o espaço, outros compõem a rede virtual. Essa rede dá vazão à interdisciplinaridade, uma vantagem para a continuidade do aprendizado e da pesquisa, assim como propicia um ambiente de convívio e troca.

Dias 25/05, 1 e3/06. Quartas e sextas, das 10h às 13h.            
 

Intervenção

Lambe-lambe – QuemVocêPensa queÉ? – com Guilherme Maranhão e Penna Prearo

A propostaé inspirada no ofício comercial do fotógrafo de rua conhecido tradicionalmente como lambe-lambe no Brasil ou fotógrafo “a la minuta” em Portugal. Essa atividade prevê a realização de um trabalho fotográfico in loco e em público do Sesc Belenzinho pelos artistas Guilherme Maranhão e Penna Prearo. A ideia é utilizar uma câmara lambe-lambe analógica e fotografar grupos de pessoas nas áreas comuns da unidade. As pessoas poderão acompanhar o processamento da imagem e os negativos vão ficar num varal no local. “Quem Você Pensa que É?” é resultado de uma pesquisa pessoal de Penna Prearo realizada desde 2001, na qual o artista pede aos seus retratados que vistam um saco de papel abrindo mão da sua identidade. Lambe-lambe é resultado de uma pesquisa pessoal de Guilherme Maranhão realizada desde 1995, na qual o artista investiga o funcionamento e a operação das câmaras de retrato de rua. Na praça.      
Livre
Grátis
Dias 07 e 08/05. Sábado e domingo, das 13h às 17h.
 

Retrato Lambe-lambe na Praça – com Maurício Sapata

Oportunidade de entender o funcionamento de uma câmera lambe-lambe, que utiliza o processo analógico de revelação fotográfica em preto e branco para se obter a foto. A câmera lambe-lambe foi muito popular no Brasil no princípio do século XX, pois ela permitia que a fotografia fosse revelada de forma “instantânea”. Esses fotógrafos ambulantes eram comumente encontrados em praças públicas e locais turísticos. Fotógrafos demonstram o processo e revelam a fotografia na hora, explicando aos interessados o procedimento técnico para registro e revelação. Cada demonstração, da captura até a revelação da imagem positiva, dura aproximadamente 15 minutos. Na praça.

Maurício Sapata é fotógrafo freelancer e atua em pesquisas de processos históricos fotográficos como o cianótipo, goma e papel salgado. Construiu uma câmera lambe-lambe e registra retratos com ela pela cidade. Faz parte do Projeto 74Foto no qual ministra oficinas de fotografia pinhole e é colaborador de edição da revista fotográfica BLUR.     
Livre
Grátis
De 14 a 22/05. Sábados e domingos, das 13h às 17h. No dia 21/05, das 13h às 16h.        
 

Monóculos fotográficos PB –  Memória Familiar – com Roger Sassaki

Quem já passou dos 35 anos de idade possivelmente tem alguma foto de infância bem encaixadinha dentro de um pequeno monóculo de plástico. Muito populares nos anos 70, traziam uma experiência intimista de rever uma memória pessoal. Sua caixinha de plástico acabou sendo a grande responsável pela conservação das fotografias por décadas seguintes, protegendo-as em seu interior. Com o declínio da fotografia analógica e dos filmes “cromos” necessários, os monóculos se tornaram raros e pouquíssimo produzidos. São ainda guardados com grande carinho por muitas famílias brasileiras. Nesta atividade, serão feitos monóculos com fotografias PB e o público terá a oportunidade de acompanhar o processo de revelação das fotos e montagem nas caixinhas de monóculos. Com Roger Sassaki. Na praça.

Roger Sassaki é fotojornalista e pesquisador de processos fotográficos. Desenvolve projetos autorais e ministra cursos e oficinas de fotografia, com enfoque em técnicas artesanais analógicas.

Livre
Grátis
Dias 26, 27, 28/5, 4 e 05/06. Quinta (feriado), sábados e domingos, das 13h às 18h.

 

Encontro

Bate-papo Retrato Popular – participação de Rosely Nakagawa, Titus Riedl, Valeria Laena e Tiago Santana

As particularidades da Fotografia Popular no Ceará e a sua transformação a partir do advento da fotografia digital e das interfaces das redes sociais, de 2005 a 2015, fazendo referência aos 10 anos do Encontro de Fotografia Popular realizado no Museu de Cultura Cearense – Dragão do Mar. Após o bate-papo haverá a exibição do filme ‘Câmara Viajante’, de Joe Pimentel. Oficina 3. Retirada de senha com 30 minutos de antecedência no 1o. Pavimento. Vagas limitadas.       
Não recomendado para menores de 16.

Grátis
Dia 07/05. Sábado, às 17h.
 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. um dos prêmios Histórias do Trabalho – SEC Porto Alegre

    Maravilhosa postagem-título! ! Como visitante, não me é possível (já tentei várias vezes e comuniquei ao Contato pra fazerem um recurso técnico) colocar aqui 2 imagens, uma do antigo Lambe-Lambe da Praça XV (premiado) e outro ele em ação. Além de uma foto em que, ao longe, este também fotógrafo aparece. Hitórias do Trabalho é uma edição anual e contempla, em cada modalidade, vários concorrentes, crônicas, poesia, etc. O lambe-lambe foi uma dessas fotografias, ao lado do de outras pessoas..

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