Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O “momento decisivo” na foto símbolo da aprovação da PEC 55, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Nos dias recentes uma foto por câmera de telefone celular viralizou na Internet e redes sociais: no salão da Câmara dos Deputados alegres convivas entre comes e bebes, aparentemente indiferentes ao que estava acontecendo para além da ampla vidraça: do outro lado do espelho d’água a violenta repressão aos manifestantes contrários à PEC 55, em meio à fumaça das bombas de gás. Sua autora, proprietária de uma empresa de comunicação acostumada ao meio corporativo e relações com autoridades, não tinha a menor intenção de fazer uma foto de denúncia. Mas, involuntariamente, atingiu aquilo que o fotógrafo Cartier-Bresson chamava de “momento decisivo” e o semiólogo Roland Barthes de “punctum” –  produtos visuais ou audiovisuais podem, dadas certas condições, ganhar vida própria, tornarem-se autônomos e se desvencilhar das pretensões informativas ou propagandísticas dos seus emissores. E no Cinema e na Pintura também há vários exemplos disso. 

Até agora a jornalista Gisele Arthur está tentando entender o efeito viral produzido nas redes sociais e Internet por uma fotografia que fez em um evento na Câmara dos Deputados no exato momento em que manifestantes contra a votação da PEC 55, do lado de fora do Congresso, eram violentamente reprimidos com bombas de gás lacrimogêneo.

De um lado, elegeram a foto como o símbolo da aprovação da PEC 55 e do retrocesso nas conquistas sociais dos últimos anos. E do outro, uma foto que “não é bem o que parece” –  na verdade as pessoas perceberam a “quebradeira no jardim” e ficaram assustadas. Ou seja, não era exatamente uma imagem  sobre “descaso”, como sugere o flagrante.

Gisele Arthur (proprietária de uma empresa de comunicação e larga experiência em relações governamentais e assessoria parlamentar na Câmara dos Deputados e serviços a ONGs e empresas privadas na área de imprensa) se diz “vítima da Internet” com a viralização da fotografia – recebeu inúmeras mensagens e ligações de pessoas elogiando a foto.

Gisele observou que fez a foto ao ir ao cafezinho da Câmara. Ela desceu uma escada que dá no Salão Nobre da Casa e se deparou com as pessoas no evento.

“Estavam entregando troféu, aí começou aquele negócio do gás lacrimogêneo. Eu tinha ido para tirar uma foto da manifestação. Aí, quando eu voltei, eu subi a escada e vi aquelas pessoas. Dei dois cliques com o celular. A foto nem é boa”, afirmou.

Como dá para se perceber, a jornalista não é exatamente uma ativista “de esquerda” (atua em um meio “chapa branca” e corporativo) e nem pretendia fazer uma denuncia sobre a atual crise política e social brasileira.

A fotografia que atualmente circula o mundo sugerindo que Brasília é a Versailles brasileira, é mais uma prova de como produtos visuais e audiovisuais podem, dadas certas condições, ganharem vida própria, tornarem-se autônomas ao se desvencilharem das pretensões informativas ou propagandísticas dos seus emissores. 

Um fenômeno parecido com o que ocorre com os filmes religiosos no cinema: os melhores filmes sobre temas espiritualistas e religiosos foram, paradoxalmente, feitos por diretores ateus. Nessas condições, parece que a isenção ou neutralidade do diretor criaram a objetividade necessária para libertar as narrativas visuais das armadilhas da propaganda e apologia.

A força simbólica e a viralização da fotografia de Gisele Arthur seria mais um exemplo desse paradoxo das imagens? Seria justamente a condição “chapa branca” da jornalista responsável por criar a objetividade necessária para capturar uma cena no “momento decisivo”? – como se referia o famoso fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson. 

A foto e a profundidade de campo

O primeiro elemento que se destaca na composição da foto é a profundidade de campo. Em primeiro plano vemos homens de terno, mulheres de vestido, bandejas vazias, taças na mão, alguns seguram salgadinhos. Todos absortos pelo ambiente interno do salão. Alguns parecem ter a atenção deslocada para o exterior e, com seus celulares, fotografam ou filmam o conflito lá fora.

No segundo plano, os limites interpostos ao primeiro: o vidro, os seguranças atentos e de braços cruzados e o espelho d’água fazendo o papel de fosso como naqueles castos medievais.

E no terceiro plano, a polícia em ação, conflito, confronto e a fumaça das bombas.

A profundidade de campo é aquilo que tira o caráter unitário da imagem, exatamente por romper a bidimensionalidade da imagem e do próprio suporte. Paradoxalmente, cria o realismo a partir da ilusão tridimensional.

Roland Barthes (1915-1980) na sua obra derradeira A Câmara Clara (Nova Fronteira, 2000) diz-nos que a fotografia realiza todo o seu potencial de médium quando apresenta dois elementos estruturais

Primeiro, quando desperta um interesse geral determinado por aspectos culturais, políticos ou ideológicos do receptor. Barthes denominava esse elemento como “studium”. 

É o interesse geral no aspecto informativo da fotografia, o caráter unitário: despertam interesse sem no entanto atingir profundamente – são fotos aditivas ou acumulativas a um saber pré-existente no receptor. “A foto tem tudo para ser banal, sendo a unidade a primeira regra da retórica vulgar”, escrevia Barthes.

A foto e o “punctum”

Mas também a foto pode atingir profundamente o espectador através do “punctum”, ser transpassado pelo acaso, por um pormenor, um detalhe que muitas vezes a composição geral da cena registrada pela fotografia pode favorecer. Com isso, rompe com a composição unitária pela co-presença de elementos descontínuos. 

Diferente do “choque” – uma foto pode ser chocante e não perturbar, pode gritar e não ferir. Como a maioria de fotos sobre guerras ou conflitos onde o conjunto formado (agentes repressivos, manifestantes, luta, correria, fumaça, gritos etc.) são previsíveis.

A profundidade de campo cria a condição para esses elementos descontínuos como Barthes exemplifica nessa foto da Nicarágua onde no primeiro plano vemos soldados patrulhando as ruas enquanto no segundo plano duas freiras passam.

Exemplos da força do “punctum” (aquilo que faz a própria imagem transcender a si mesma) não faltam na pintura e no cinema.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

5 Comentários

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  1. Simbolo dos tempos estupidos

    Simbolo dos tempos estupidos que vivemos,

     

    governo estupido, politicos estupidos, midia estupida, movimentos comprados estupidos e hoje é dia de mais estupidez…..

  2. I want more chaos

    Come, Senators,Ccongressmen
    Please heed the call
    Don’t stand in the doorway
    Don’t block up the hall
    For he that gets hurt
    Will be he who has stalled
    There’s a battle outside
    And it is ragin’
    It’ll soon shake your windows
    And rattle your walls
    For the times they are a-changin’

    Bob Dylan

  3. Vamos todos à rua contra a PEC e a favor da Lava Jato

    Vamos todos às ruas, contra a PEC do Teto dos Gastos e os Corruptos e a favor da Lava-Jato. Não vamos pagar a conta da corrupção. O Dallagnol e o Sérgio Moro vão nos livrar dos corruptos e botar eles prá pagar a conta. Não vamos nos sacrificar ainda mais para pagar o rombo que os corruptos fizeram. Lava Jato neles!

    Vamos logo marcar outra manifestação.

  4. Eu posso estar enganado, mas

    Eu posso estar enganado, mas acho que o Nogueira tem razão. A tal vaza jato como foi concebida pode ter se esgotado essa semana. O fato-base pra isso foi a visita do tal moro ao senado. Ali se expôs frente a frente os poderes, para mim igualmente golpistas, judiciário e legislativo. Foi fato revelador, pois as pessoas conseguiram ver os interesses de ambos. O primeiro querendo o avanço incontral´vel sobre os outros, enquanto o segundo queria proteção a todo custo.

    Podem negar os de direita, mas acho que o legislativo venceu de goleada. Ver o embate de gilmal como o juix foi no fundo engraçaco, pra dizer o mínimo. Dois direitista discondando é sinal de tempos diferentes, Ontem andava de mãos dadas. Mas acho que emergiu uma forma nova de ver aquele juix. Pessoa mujito pequena para o poder que a globo lhe conferiu.

    Seguindo este modo de pensar, o tal do dalgnol disse, via 247, que homens sem misericórdia destruiram as tais dez medidas contra corrupção. Misericcórdia temos que pedir A Deus pra ter que aturar um sem noção como esse caboclo. como pode falar em misericórdia depois de tantas e tantas humilhações públicas promovidas pela tal força tarefa da qual ele é um menbro de destaque? isso é que dá pensar Direito como revelação. Aí se divide o mundo entre bons e maus e, claro, nove em cada dez que assim procedem, se coloque do lado dos bons.

    Ah, antes que eu me esqueça.Sobre esta foto aí de cima. eles, da república de curitiba, ficaram estarrecidos com o fato dos deputados terem votado as tais medidas no dia da tragédia da Chape, mas não viram mal nenhum pelo congreso no mesmo dia aprovarem a corte da educação e saúde no senado. Perguntinha: o nome disso é hipocrisia?

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