Ainda Bannon: o recuo nas relações China-EUA, por Rogério Mattos

Steve Bannon e seu bilionário chinês, Guo Wengui

Ainda Bannon: o recuo nas relações China-EUA, por Rogério Mattos

O concerto macabro

Talvez as notícias da área internacional mais significativas da semana passada foram o encontro de Trump com Xi Jinping na Cúpula do G-20 e a prisão da executiva chinesa da empresa Huawei, Meng Wanzhou. Ela foi presa enquanto os dois chefes de Estado se reuniam, o que indica que as pressões da oligarquia internacional chegaram a um nível bem alto últimas nas semanas.

Vale notar que uma reportagem do UOL (no hiperlink acima) diz que “prisão pretendia ser uma advertência do governo Trump na campanha para limitar a difusão global de tecnologia chinesa”. Logo, a primeira impressão é a de uma prisão política. Segundo, ela não “acabou por frustrar” os entendimentos comerciais ocorridos durante o encontro dos dois presidentes. Antes, ela foi feita para colocar um empecilho às negociações. É bastante dúbio o que se indica como “governo de Trump”. A política bipolar, que é o que se deduz do noticiário, revela, pelo contrário, duas facções políticas distintas em busca de hegemonia.

Outro ponto de ancoragem para essa interpretação foram os atos recentes do presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, que decretou lei marcial no país depois de provocar um grave acidente militar e diplomático com a Rússia. Como consequência, a reunião entre Trump e Putin marcada para ocorrer na mesma Cúpula do G-20 foi cancelada.

Um ato provocador antes e outro bem no calor dos acontecimentos. Esses dois atos também demonstram como diferentes facções da elite mundial podem agir em concerto. Seu objetivo: afastar um acordo ocidente-oriente em favor de um mundo multipolar e projetos amplos em parceria mútua, como exemplificado pela Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota.

A cisão da elite

Nos mesmo registros dos acontecimentos marcantes das últimas semanas, Steve Bannon deu uma coletiva a imprensa junto a Guo Wengui, bilionário chinês exilado e crítico da política de seu país. Eles pretendem criar um “Fundo do Estado de Direito”, ou seja, cerca de 100 milhões de dólares para investigar a corrupção na China e ajudar as vítimas de perseguição no país.

São notórias as declarações de Bannon contra a China, ainda que seu grupo não tenha o hábito da histeria russofóbica dos neocons. Como venho dizendo nos últimos textos que publiquei sobre política internacional, com a escalada militar da OTAN na fronteira com a Rússia e o derretimento do bloco financeiro transatlântico, City de Londres e Wall Street, depois de 2008, houve um racha entre as elites internacionais, compreendidas numa figura de linguagem:

  1. Neocons e libertários com George Soros. Sua política é a defesa genérica da democracia, junto a um projeto robusto de incremente de medidas de livre-comércio e guerra financeira (especulação), econômica (sanções), cibernética contra países “autoritários”. Chama a atenção a escalada capitaneada por esse grupo, via OTAN, contra a Rússia. O saldo positivo mais visível da derrota eleitoral de Hillary Clinton em 2016 foi a retomada do diálogo dos EUA com os russos. Até a chamada “linha vermelha” (onde os presidentes e os altos oficiais podem conversar diretamente numa situação grave de crise, opção emergencial existente desde a Guerra Fria) tinha sido desligada nos últimos meses do governo Obama.
  2. A extrema-direita xenófoba e racista, católica e pró-Israel, que tendem a distender as tensões com a Rússia e fechar o cerco contra os chineses: o caso de Henry Kissinger. Como modo de ação, usam das redes sociais e do apelo a um nacionalismo primitivo, pré-Segunda Guerra, para engrossar suas fileiras de apoiadores. Diante da insatisfação crescente com as políticas de austeridade da Troika ou da manutenção dos baixos padrões de vida nos EUA, esse movimento tenta catalizar a insatisfação popular em favor de um Mussolinismo 3.0, política cuja face mais visível é a de Steve Bannon.

A “russofobia” impulsiona Steve Bannon

É digno de nota como o The Times pôde identificar “pegadas russas” nas manifestações dos “coletes amarelos” franceses. Trata-se de uma confusão deliberada que busca confundir o movimento de extrema-direita exemplificado por Bannon.

(ele disse em matéria recente do The Guardian que gosta de uma passagem da vida de Napoleão; de acordo com ela, em resumo, quando o general ordena todos os oficiais obedecem; como trabalha na linha de frente, Bannon está mais para um oficial; resta saber para quem esse “Napoleão” aponta)

As análises que fazem uma comparação entre as “primaveras” de 2013-14 no mundo e o que acontece agora na França levam em consideração que o caos político fabricado no país tenderia a abrir um flanco para a extrema-direita, como ocorreu no Brasil e na Ucrânia. Os perfis da internet detectados pelo The Times podem estar sediados na Rússia, o que não diz que isso é uma ação do governo russo. Essa, afinal, é um dos pontos mais elementares da discussão a respeito da imensa fake news chamada de “russiangate”. Na verdade, essa é a fake news que deu origem ao termo fake news.

Significativo no diagnóstico dessas imensas pertubações políticas, foi a reunião da cúpula das Forças Armadas dos países asiáticos em 2014, onde, em documento oficial, foi considerado as “primaveras coloridas” “guerra irregular moderna” de outros Estados contra a soberania de seus países. Assim, essa segunda geração de nerds e empreendedores da internet, com grande quantidade de dados minerados, agem para fomentar caos social e indicam, nos rastros de seus atos, para uma interferência russa. Indiretamente trabalham para os neoliberais russofóbicos.

Como a reunião de cúpula do G-20 demonstrou, duas distintas facções da elite internacional trabalharam para boicotar o entendimento político dos EUA com a Rússia, via Ucrânia, e para boicotar o entendimento econômico da China com os americanos através da prisão política no Canadá da executiva chinesa. De maneira flagrante se demonstra ser de fachada o “antiglobalismo” da nova extrema-direita mundial. Ela se move em passos céleres para boicotar o desenvolvimento econômico chinês e asiático, enquanto os neocons, os ultraliberais, ainda mexem suas peças para uma provocação militar de larga escala contra a Rússia.

O Império move o mundo para o Coração das Trevas.

Rogério Mattos: Professor e tradutor da revista Executive Intelligence Review. Formado em História (UERJ) e doutorando em Literatura Comparada (UFF). Mantém o site http://www.oabertinho.com.br, onde publica alguns de seus escritos.

Redação

8 Comentários

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  1. O que me chama atenção é que

    O que me chama atenção é que essa guinada forçada à extrema direita não irá alimentar a economia ou melhorar condições de nada. Só vai alimentar o caos geopolítico, nos levando à beira de um conflito mundial.

    Bannon é um lunático perigoso… Quando que um governo soberano vai perder a paciência e resolver essa questão de uma vez?

    1. Gilberto, a parte irreverente

      Gilberto, a parte irreverente da questão é que esse setor chamado de extrema-direita, ao invés dos ultraliberais (de um modo geral todos são neocons), por procurar distender com a Rússia, mas focar na China como o inimigo (a solução de Kissinger), acabou por contribuir com uma trégua (precária) no conflito entre russos e americanos (principalmente com a eleição de Trump).

      Agora você ouve declarações de generais da OTAN nem tanto no sentido de escalar uma guerra contra a Rússia, mas que daqui a 10 ou 15 anos seria “inevitável” uma guerra com a China…

      É uma estranha trégua.

      Só um outro ponto: você diz sobre “um governo soberano”. Na questão da linguagem, é interessante como essa nova extrema-direita se apropriou desse termo, assim como do termo nacionalismo. Eles são “soberanistas” e nacionalistas. E é por essa captura simbólica que tentam entrar nos movimentos populares…

  2. O império do caos

    Até 2008 a hegemonia das elites era neoliberal, capitaneada pelos EUA, não importando se no poder estavam democratas ou republicanos. Esta cisão nas elites significa, na verdade, um enfraquecimento do Ocidente em razão da crise de 2008, ainda não superada.

    Mas esta debilidade ocidental não está sendo contrabalanceada por uma nova hegemonia oriental, capitaneada por China-Rússia-Índia (RICs), pois suas economias estão absolutamente integradas no mercado mundial, sofrendo também as consequências de crise de 2008.

    O que parece que está acontecendo são cisões sobrepostas a cisões e reversões abruptas de poder, à direita ou à esquerda, pois nenhuma corrente consegue se manter hegemômica, seja nacional ou internacionalmente. Além desta cisão das elites mundiais, as elites regionais estão descoordenadas:

    – Trump corre sério risco de perder as eleições nos EUA;

    – A China é uma panela de pressão de 1 bilhão de pessoas que tomaram gosto pelo capitalismo e que está sob controle por conta do alto crescimento do PIB. Se continuar desacelerando seu crescimento o que pode acontecer?

    – No México Obrador ganha dos neoliberais;

    – Macron já era e tanto pode ser substituído pela esquerda quanto pela extrema direita;

    – O regime europeísta de Merkel está ameaçada na Alemanha pela extrema direita;

    – A Iglaterra partiu para o Brexit, mas as prováveis consequências econômicas serão desastrosas para City e o país depende demais das finanças depois da destruição neoliberal de sua indústria. Os trabalhistas mais radicais e a extrema-direita estão à espreita.

    – O regime mafioso de extrema-direta de Macri não se sustentou;

    – A extrema direita de Bolsonaro está em crise antes de assumir o poder;

    Tão logo um grupo assume o poder, é logo apeado dele por força da crise dos estados nacionais (principalmente na periferia do sistema), enfraquecidos por conta da gravíssima crise do capitalismo mundial. O que se anuncia parece ser o império do caos, não desejado e fora do controle de qualquer grupo hegemônico.

    1. Wilton, é boa essa sua visão

      Wilton, é boa essa sua visão de conjunto. Só não diria que “o que se anuncia” seja o império do caos. O fato de identificar essa cisão, por si, já mostra a plena vigência dessa imensa anomia social, em escala global. 

      Mas o que me pareceu relevante foi como essas “duas elites” agiram em concerto, como ficou claro nos acontecimentos ao redor do encontro de Trump tanto com Putin, quanto com Xi Jinping, em Buenos Aires. Então, antes de se anunciar um caos, tem que ser visto como funciona essa estranha lógica.

      Por outro lado, o tema a ser buscado não é o RICs, mas ainda os BRICS. É o espaço a ser recuperado. Nesse sentido, a intervenção direta da Rússia e China (movimento mais do que inédito) na Venezuela é um sinal bastante sugestivo.

      Também por fatores internacionais, e não só por causa de sua “trupe pessoal”, Bolsonaro tende a ser um fracasso total.

  3. Saneamento básico

    Guo Wengui é o bilionário chinês fascista que financia Bannon, que apoiou Bolsonaro e alavancou sua eleição de forma ilegal, via WhatsApp, que é contra o Brasil no BRICS, que após o fiasco do governo Temer, virou RIC. É com essa gente que Bolsonaro e os militares que agora irão governar o Brasil, provavelmente sem Bolsonaro, se meteram

    Não dá pra entender o Brasil, sem entender o mundo. E quanto mais esses fascistas forem expostos ao sol – a falta de ética, a ausência de escrúpulos, o apetite infinito pela pilhagem, os golpes subterrâneos – melhor para a humanidade.

    Uma hora nós vamos ter que dar um basta.

  4. Pinky e o cérebro

     

    Nestes dias tenho pensado muito em  Forrest Gump, e em Chance  o personagem de Muito Além do Jardim

    talvez tenham algo em comum com Bolsonaro, mas certamente são seus antípodas. Afinal eles são personagens fantásticamente humanos que excitam em nós o que há de melhor, ao contrário  de Bolsonaro que estimula o que há de pior.

    Mas Bannon me lembra  de Pinky e o cérebro. Todo dia deve acordar  pensando em conquistar o mundo.  E o mundo de hoje está a me lembrar a frase: tá tudo dominado

    1. Diplomata canadense detido na China

      South China Morning Post: Former Canadian diplomat Michael Kovrig detained in China after arrest of Huawei CFO Sabrina Meng Wanzhou in Canada

          Move comes after police in Canada arrested Sabrina Meng Wanzhou, the CFO of China’s Huawei Technologies, on December 1 at the request of US authorities
          It’s not yet clear what reasons have been given for Kovrig’s detention

      https://www.scmp.com/news/china/diplomacy/article/2177515/former-canadian-diplomat-michael-kovrig-detained-china

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