EUA: Ordem executiva reaplica sanções contra o Irã, por Solange Reis

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do OPEU – Observatório Político dos Estados Unidos

Ordem executiva reaplica sançoes contra o Irã

por Solange Reis

Três anos depois de serem suspensas, as sanções contra o Irã voltaram a ser adotadas pelos Estados Unidos. A reativação das penalidades é a primeira decorrência prática da decisão do presidente Donald Trump de sair unilateralmente, em maio passado, do acordo sobre o programa nuclear iraniano.

Uma ordem executiva do dia 07 de agosto proíbe o Irã de fazer uma série de transações internacionais que envolvam compra de dólar, ouro e metais preciosos, alumínio, aço, carvão, softwares para fins industriais, aviões, veículos e peças automotivas, e emissão de títulos soberanos. Também ficam proibidas as importações de tapetes e alimentos a partir do Irã.

O objetivo é isolar economicamente o Irã, caso o país não desista das práticas alegadas pelos Estados Unidos: enriquecimento ilícito de urânio, projeto armamentista e apoio a regimes brutais no Oriente Médio.

Na semana anterior, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, exigiu que o Irã encerre completamente o enriquecimento de urânio e o desenvolvimento de mísseis potencialmente nucleares, libere cidadãos americanos detidos em solo iraniano – mesmo os envolvidos em espionagem e subversão – e retire o suporte a grupos armados no Oriente Médio e na África, bem como suas forças da Síria,

Cerco permanente

Sanções econômicas vêm sendo aplicadas pelo Ocidente, sobretudo os Estados Unidos, como um instrumento silencioso de guerra há muito tempo. No caso do Irã, desde 1979 e, principalmente, a partir dos anos 1990. As acusações contra o governo iraniano são de envolvimento com grupos terroristas, desenvolvimento de programa nuclear para fins militares, ameaça à existência de Israel e à estabilidade no Oriente Médio.

Quando candidato, Trump já expressava sua contrariedade com o acordo para o programa nuclear iraniano, posicionamento acirrado pela crescente influência do Irã na Síria e no Iêmen, uma expansão que contraria os interesses americanos, israelenses e sauditas na região.

A nomeação dos notórios anti-Irã, John Bolton, para o cargo de conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, e Pompeo, para o Departamento de Estado foi outro fator impulsionador da animosidade que, agora, assume a forma de guerra econômica.

Para um número expressivo de analistas, mesmo no Ocidente, a decisão dos Estados Unidos de renunciar ao acordo e aplicar sanções é arbitrária e injusta.

Segundo os inspetores internacionais da Agência Internacional de Energia Atômica (AEIA), o Irã tem cumprido sua parte no acordo de 2015, assinado conjuntamente com o P5+1, grupo formado pelos membros do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha.

O governo iraniano tem dado acesso irrestrito à AIEA e mantido o estoque de urânio enriquecido dentro do limite de 300 Kg estabelecido no acordo. O compromisso determina que esse teto seja preservado até 2030, prazo que Trump considera curto demais. É principalmente esse o ponto “oficial” que faz Trump considerar “horrível” e “unilateral” (ainda que negociado por 7 países) o acordo assinado pelo ex-presidente Barack Obama.

Tampouco custa lembrar que enriquecer urânio para fins civis é permitido pelo direito internacional. Embora seja um dos países com as maiores reservas de petróleo e gás do mundo, o Irã enfrenta problemas para gerar eletricidade, muito em função das sanções aplicadas ao longo das décadas. Segundo o governo iraniano, os entraves na geração energética e motivos ambientais explicam a sua opção pela energia nuclear.

Economia de volta à crise

economia iraniana, altamente prejudicada por décadas de sanções, vinha recuperando fôlego desde 2015. Em 2017, o país alcançou a 17a. posição mundial e teve um crescimento de 3,5%, impulsionado principalmente pela normalização das exportações de petróleo. Em junho deste ano,  chegou a exportar 2,7 bilhões de barris por dia e, no ano passado, sua produção chegou a 4,7 bilhões de barris por dia.

Apesar disso, a inflação e o desemprego estão ligeiramente acima de 10%. Com a reimposição das sanções por Trump, a expectativa é de crise aprofundada e de sofrimento para a população e os setores produtivos iranianos.

Como quinto maior produtor mundial, o Irã tem no petróleo a sua principal fonte de moeda estrangeira, uma vez que o produto responde por 50% das exportações. O petróleo, primeiro produto da economia iraniana, foi poupado das sanções desta semana, mas por pouco tempo.

Outra leva de sanções será aplicada em 15 de novembro, quando serão atingidos os setores petrolífero, portuário, marítimo, de construção naval e o Banco Central do Irã. Os três meses entre agosto e novembro são o prazo tácito para que o mercado encontre alternativas ao petróleo iraniano.

Ao mirar armadores e portos, a Casa Branca torna as exportações iranianas de petróleo muito arriscadas para o mercado. Isto porque, mesmo que outros países desafiem os Estados Unidos e sigam importando petróleo iraniano, tanto o Irã quanto os compradores terão grandes dificuldades de contratar seguro para o transporte marítimo. Dada a alta periculosidade do petróleo, segurar a carga é condição imprescindível pré-embarque.

Antes do acordo de 2015 e desde a saída dos Estados Unidos do mesmo, os principais compradores na Ásia – Japão, China, Índia e Coreia do Norte -, desenvolveram instituições soberanas de seguro para superar o bloqueio por parte das resseguradoras baseadas majoritariamente em Londres.

Alcance extraterritorial das sanções

Os Estados Unidos ameaçam estender, a partir de novembro, as sanções contra empresas estrangeiras que violem as restrições. Nesse aspecto, poderão ser atingidas as corporações europeias, caso a União Europeia mantenha a tendência de sustentar o acordo com o Irã e as relações econômicas com o país, que em muito beneficiam as firmas europeias.

Ao contrário dos tempos pré-acordo, desta vez, a União Europeia (UE) apoia Teerã e vem procurando uma saída para proteger suas empresas. Afinal, quem violar os termos estabelecidos pela Casa Branca corre o risco de impedimento nos Estados Unidos para: empréstimos que envolvam instituições financeiras americanas, desembarque em portos e aeroportos, movimentação nas bolsas de valores, comércio, abertura de subsidiárias, e assim por diante.

Uma solução assaz frágil da UE é acionar o Estatuto de Bloqueio, que proíbe as companhias empresas europeias de anuir às exigências americanas.  A expectativa é proteger corporações, como a Airbus e a petrolífera francesa Total, construtoras e bancos europeus.

O Estatuto do Bloqueio foi desenvolvido em 1996 para proteger os europeus dos efeitos de ações legais extraterritoriais por parte de terceiros. Foi uma tentativa de superar as barreiras americanas contra Cuba, Líbia e Irã. Praticamente nunca foi usado, seja porque os Estados Unidos fizeram vista grossa às transações, como no caso de Cuba e Líbia, ou porque os europeus apoiaram os americanos, no caso do Irã.

Além de juridicamente polêmico, o Estatuto de Bloqueio é politicamente suicida para a União Europeia. Em meio ao clima de protecionismo imperante no mundo hoje, como punir suas próprias empresas em função de uma visão de política externa? Do ponto de vista da lógica econômica das empresas, valeria a pena ser excluído do mercado americano em troca das oportunidades no Irã?

Empresas japonesas e sul-coreanas também se preocupam. Japão e Coreia do Sul são parceiros comerciais do Irã, mas tendem a reduzir as compras em anuência às determinações americanas, ou a ser poupados de penalidades por conta de interesses geopolíticos dos Estados Unidos.

As sanções também podem afetar a China e a Índia, que compram petróleo e outros produtos do Irã, mas os efeitos terão impacto menor, pois suas estatais têm mais margem de ação para driblar as barreiras do dólar.

A Índia, por exemplo, desenvolveu um sistema de escambo com o Irã, no qual petróleo é trocado por alimentos. Além disso, prometeu comprar mais petróleo americano.

Na quarta-feira, 08, a China sustentou sua determinação em manter sua autonomia para comercializar com o Irã. Mas, na dúvida, suspendeu as tarifas sobre petróleo americano.

Sanção para mudança de regime

Uma semana antes de reaplicar as sanções, Trump disse ter disposição para conversar com o presidente iraniano, Hassan Rouhani, a fim de melhorar as relações, desde que sua contraparte não impusesse pré-condições.

Rouhani respondeu que restaurar os direitos da nação iraniana e o acordo é o único caminho para o diálogo; após as sanções, chamou o mesmo convite de golpe publicitário.

No final de julho, notícias na imprensa australiana divulgaram o plano de Trump para atacar o Irã, supostamente com ajuda da inteligência australiana. O governo da Austrália negou envolvimento e o assunto perdeu força na mídia, mas persiste a impressão de que os Estados Unidos querem derrubar o regime em Teerã.

Para Shahram Akbarzadeh, professor da Universidade de Deakin, na Austrália, Rouhani não tinha outra alternativa que não recusar o “convite” de Trump. Para sobreviver à pressão da ala linha-dura iraniana, o líder iraniano “não pode parecer fraco diante das hostilidades americanas”.

“A agenda declaradamente anti-Irã do governo Trump e a busca por mudanças de regime fizeram de Rouhani um refém da facção linha-dura, e sabotaram sua capacidade de tirar o Irã do isolamento. Há muito pouco a fazer para impedir que o Corpo de Guardas da Revolução Islâmica derrube Rouhani de lado e reivindique um papel mais direto no governo…”

Quem achou que o ano de 2018 foi tenso na geopolítica global, não sabe o que lhes preserva novembro próximo, mês da segunda rodada de sanções e das dramáticas eleições de meio de mandato nos Estados Unidos.

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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