George Soros e Charles Koch criam think tank antiguerra

Soros é acusado de defender causas “esquerdistas”; Koch é patrono de uma rede ultraconservadora. Juntos, eles querem uma nova estratégia militar para os Estados Unidos

do Observatório Político dos Estados Unidos – OPEU

George Soros e Charles Koch criam think tank antiguerra 

por Solange Reis

Dois bilionários americanos se uniram para promover uma campanha contra o complexo industrial-militar dos Estados Unidos. O fato ganha um elemento de excentricidade, mas de forte simbolismo e importância, por juntar magnatas de ideologias opostas.

George Soros, grande doador do Partido Democrata, é o financiador das Open Society Foundations, organizações que promovem a democracia liberal no mundo. Charles Koch, conservador de direita, é um dos fundadores do Tea Party, uma das alas mais reacionárias do Partido Republicano. O primeiro defende o aumento de impostos para os ricos e programas sociais, ou seja, mais Estado. O segundo, junto com o irmão, David, construiu uma influente rede nacional de propaganda do Estado mínimo.

Agora unidos, os rivais ideológicos anunciaram a criação do Quincy Institute for Responsible Statecraft (Instituto Quincy para Aparato de Estado Responsável), cujo objetivo é nada menos do que acabar com as guerras intermináveis nas quais se envolve a maior potência militar do mundo desde o início do século XX.

Faça um think tank, não a guerra

O nome do instituto homenageia John Quincy Adams, sexto presidente (1825-1829) dos Estados Unidos, conhecido pelo combate à escravidão. Em uma frase famosa, Quincy Adams disse que “os Estados Unidos não vão ao estrangeiro em busca de monstros para destruir”.

O think tank deverá ser lançado em setembro, com um aporte inicial de US$ 500 milhões doados por Soros e Koch. Mais US$ 800 milhões viriam de contribuições de outros doadores.

No site do instituto, cujas cores branco, vermelho e azul remetem à bandeira nacional e ao bipartidarismo político, não há muita informação. Lê-se, porém, uma mensagem bem objetiva. “O Instituto Quincy promove ideias que afastam a política externa dos EUA da guerra sem fim e a favor de uma diplomacia vigorosa na busca da paz internacional.”

O texto segue:

“A política externa dos Estados Unidos se desprendeu de qualquer concepção defensável dos interesses americanos e de um respeito decente por direitos e dignidade da humanidade. Os líderes políticos têm, cada vez mais, utilizado as Forças Armadas de forma dispendiosa, contraproducente e indiscriminada, normalizando a guerra e tratando a dominação armada como um fim em si mesma.

Além disso, grande parte da comunidade de política externa em Washington sucumbiu à letargia intelectual e à disfunção. Ela suprime ou evita debates sérios e não consegue responsabilizar os formuladores de políticas e comentaristas por políticas desastrosas. Perdeu a confiança do público americano. O resultado é uma política externa que mina os interesses e espezinha os valores americanos, ao mesmo tempo em que sacrifica as reservas de influência que os Estados Unidos conquistaram.

O Instituto Quincy é um grupo de reflexão orientado para a ação que lançará as bases para uma nova política externa centrada no engajamento diplomático e na contenção militar. O momento atual apresenta uma oportunidade única, em uma geração, de reunir progressistas e conservadores com ideias semelhantes e colocar a política externa dos EUA em uma base sensata e humana. As circunstâncias atuais do nosso país assim o exigem.”

O gato subiu no telhado

O anúncio acontece em um momento muito delicado do ponto de vista da segurança. Há alguns dias, o presidente Donald Trump interrompeu, subitamente, um ataque que havia sido ordenado pouco antes contra o Irã. O motivo da quase investida foi a derrubada de um drone americano no espaço aéreo iraniano e a acusação americana de que a Guarda Revolucionária Iraniana teria atacado petroleiros no Golfo de Omã, semanas antes.

Segundo um artigo do The Boston Globe, o novo think tank pretende defender a retomada do acordo sobre o programa nuclear iraniano, a retirada das tropas americanas da Síria, o fim da Guerra do Afeganistão, iniciada em 2001, e uma abordagem de menos confronto com China e Rússia.

Até o fim de 2019, são esperados quatro relatórios produzidos pelo instituto, sendo dois sobre Oriente Médio e Sudeste Asiático, um sobre “encerrar a guerra interminável” e outro para “democratização da política externa”.

Stephen Wertheim, um dos cinco fundadores da Fundação Quincy, disse que a “política externa americana está em crise – uma crise tanto de moralidade quanto de estratégia. A crise vai muito além do atual ocupante da Casa Branca e afeta ambos os partidos políticos.”

Os outros quatro fundadores da fundação são o jornalista de esquerda, Eli Clifton; Suzanne DiMaggio, pesquisadora-sênior do Carnegie Endowment for International Peace, instituto de orientação centro-direita; Trita Parsi, acadêmica e fundadora do National Iranian American Council; e Andrew Bacevich, historiador de Relações Internacionais da Universidade de Boston.

Tanto Soros quanto Koch desaprovam a presidência de Donald Trump, e a união inesperada entre eles é um sinal de que parte da classe empresarial e financeira começa a se incomodar com o atual presidente e comandante-em-chefe. Elabora-se, assim, uma resistência à reeleição do atual mandatário para evitar as guerras materiais e as intangíveis, como as tarifárias.

Às armas

Outra frente contra Trump pode estar vindo de seu próprio governo, embora com argumentos contrários aos da dupla Soros-Koch. O anúncio do think tank coincidiu com a divulgação de um relatório do Pentágono que advoga por uma política de segurança mais assertiva e que soa como uma crítica a Trump. No documento, os militares alertam para a projeção da Rússia em áreas como a América Latina, para citar apenas uma. Segundo a análise, os russos já estariam ganhando dos Estados Unidos em termos de influência no mundo. Além disso, diz o relatório, a proximidade entre Rússia e China representa um risco para a segurança nacional. Os militares também avisam que a desordem dentro de casa e a falta de narrativa, como a da Guerra Fria, impedem os Estados Unidos de reagir às novas ameaças.

Salve-se quem puder

Os próximos dois anos, até as eleições de 2020, prometem ser um período conturbado na história dos Estados Unidos. De um lado, um presidente em descrédito e errático na política externa, mas capaz de mobilizar uma parte barulhenta do eleitorado. Do outro, empresários antagônicos entre si, que tentam salvar a velha diplomacia da “política de portas abertas”, ao mesmo tempo em que promovem certo laissez-faire nas questões de segurança. Na ponta oposta, lideranças militares que pensam tão somente pela ótica da geopolítica e que defenderão o complexo industrial-militar na ponta da faca, se for preciso. Como diria o saudoso Eric Hobsbawm, “tempos interessantes” de um século que já parece conter cem anos em apenas vinte.

Redação

3 Comentários

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  1. “Juntos, eles querem uma nova estratégia militar para os Estados Unidos”:

    Enfiar o complexo de inferioridade no olho do cu ja esta em consideracao pro governo dos Estados Unidos?
    (…)
    (…)
    (…)

    Nao me contem nessa entao. Nao quero saber.

  2. “Os líderes políticos têm, cada vez mais, utilizado as Forças Armadas de forma dispendiosa, contraproducente e indiscriminada, normalizando a guerra e tratando a dominação armada como um fim em si mesma”:

    Nao sabia que as “forcas armadas” dos EUA… PRECISAM… de “permissao de politicos” pra desgracar suas vitimas… Pensei que era prazer puro!

    Uau!

    (Meu sadismo eh um pouquinho, so um *pouquinho* melhor que o deles.)

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