Bruno Lima Rocha
Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.
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Honduras: governo ilegítimo e regime autoritário civil, por Bruno Lima Rocha

A desobediência civil hondurenha é constante desde 2009

Honduras: governo ilegítimo e regime autoritário civil

por Bruno Lima Rocha

A América Latina está diante de uma nova guinada à direita, em um período quando o mecanismo eleitoral, a frágil soberania popular parcialmente tolerada pela democracia indireta liberal-burguesa, se vê ameaçado. Até a ilusão de indicar um mandatário em formato quase plebiscitário está concorrendo contra sutis manipulações (através de algoritmos e fake news) culminando com fraudes escancaradas e grosseiras, como é o caso atual de Honduras.

Em 26 de novembro de 2017 foram realizadas eleições gerais no país centro-americano que nos anos ’80 foi base territorial para a chamada “contra revolução” da América Central, com ênfase na presença imperialista contra o regime sandinista na Nicarágua. Durante a aplicação da “teoria do dominó” na Era Reagan acompanhada do emprego da guerra de extermínio de terra arrasada, Honduras foi o país que recebeu maior contingente de contras nicaraguenses e cujos oficiais de carreira nas forças armadas têm a maior proporção de pessoal militar treinado nos EUA. 

A história das eleições de 2017 tem relação direta com o passado pró-imperialista dos anos ’80. O presidente Juan Orlando Hernández (JOH, eleito em janeiro de 2014, oligarca e pró-yankee do Partido Conservador) modificou a constituição do país garantindo o estatuto da reeleição. Vale lembrar que em junho de 2009, o então presidente José Manuel Zelaya Rosales (um oligarca remodelado do Partido Liberal), eleito em 2006, tentou modificar a carta magna do país (escrita por generais formados na Escola das Américas, liderados pelo ditador-general Policarpo Paz García, e decretada em janeiro de 1982) e a resposta da Suprema Corte de Justiça foi autorizar a intervenção militar e empossar a Ricardo Micheletti – cujo governo não foi reconhecido internacionalmente – até a eleição do conservador Porfírio Lobo (em um pleito onde foi proibido a Zelaya de concorrer) em 2010. Desde então a presença política do Partido Liberal – que em um típico giro latino e centro-americano se torna uma legenda progressista e de centro-esquerda – vem sendo tolhida pela força do aparelho de Estado e com a cumplicidade de órgãos internacionais. O próprio Zelaya Rosales retornou ao país após o golpe, ficando protegido dentro da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa por mais de quatro meses, até partir para o exílio definitivo. Zelaya participou em 2017 da campanha vitoriosa e fraudada pelo Partido Conservador e hoje coordena a desobediência civil contra o golpe eleitoral.     

Não bastasse mudar as regras do jogo com a partida em andamento, JOH concorreu contra Salvador Nasralla (Partido Liberal e indicado político de Zelaya Rosales), e estava perdendo na contagem de votos quando houve um mais que suspeito apagão elétrico no país (a contagem de votos é manual e as cédulas em papel), levando ao Tribunal Supremo Eleitoral de Honduras (TSE) a suspender o anúncio do vencedor. Passados 17 dias, a corte eleitoral dominada por partidários de JOH e apoiadores do golpe de 2009 reconhece a vitória da situação, convertendo Honduras em uma autêntica ditadura civil. O fato político, uma fraude eleitoral evidente através de um governo que alterna a Constituição – permitindo a auto reeleição e não é impedido pela Suprema Corte, o oposto do que ocorrera em 2009 – implica em um novo padrão na América Latina. 

Honduras reproduziu na América Central uma vergonhosa fraude eleitoral como a ocorrida no pleito presidencial do México em 2006. Na ocasião Felipe Calderón (concorrendo pelo Partido da Ação Nacional, PAN, de corte neoliberal e que rompera com mais de 70 anos de domínio priista) ganhou a corrida fraudando as urnas contra Andrés Manuel López Obrador (do Partido da Revolução Democrática, PRD, então ex-governador do Distrito Federal de Cidade do México). Novamente a fraude se seu na contagem eleitoral levando o país tanto ao impasse como definindo a ilegitimidade do governo “eleito”. Os votos da cidadania mexicana começaram a ser contados em seis de julho e os resultados só foram confirmados em setembro de 2006. Em Honduras ocorreu algo muito semelhante, somado ao requinte de um suspeito acidente de helicóptero onde estava a irmã do presidente JOH e mais cinco pessoas, mas no momento exato em que o candidato eleito Nasralla estava em Washington pedindo o apoio –  não concedido – do Departamento de Estado e da Organização  dos Estados Americanos (OEA).

Para além da coalizão eleitoral que ganhou, mas não levou, se verifica diariamente em Honduras um contínuo estado de desobediência civil e indignação coletiva, iniciados em julho de 2009 quando do primeiro golpe civil com aval da Suprema Corte. Tal padrão se mantém e ganhou intensidade na virada do ano de 2017 e agora em 2018. Mais da metade da população sequer reconhece o governo reeleito através da fraude e o Poder Executivo “governa” através do frágil apoio das forças armadas do país e com o aval da Casa Branca.

Como o governo ilegítimo de Juan Orlando Hernandez atua de forma discricionária e assina uma série de parcerias público-privadas, sistemas de concessões e privatizações de quase toda a frágil infraestrutura existente no país, já se afirma que o Partido Conservador em consonância com os EUA instalaram um regime. Este teria como base um poder autoritário civil, eleições fraudadas, frágil legitimidade e, ao mesmo tempo, um consenso de elite local de desmonte das condições básicas do país aderir ao Sistema de Integração Centro-Americano (SICA) e o Mercado Comum do istmo, mas de forma livre e independente, sem abrir para a presença do capital transnacional de forma absurda, sem controle algum e com ausência de soberania. A grande possibilidade do povo hondurenho, do país e dos países vizinhos de alcançar um desenvolvimento baseado em suas próprias necessidades e demandas, seria justamente o oposto, promovendo uma integração horizontal entre os países centroamericanos e sempre defendendo os recursos naturais e a infraestrutura já existentes.  

Trata-se de um país com quase dez milhões de habitantes,  convivendo  com um altíssimo índice de extrema pobreza. O presidente ilegítimo JOH aplica de forma integral o novo modelo de dominação latino-americana: judicialização da política e fraudes dentro do frágil sistema de consulta eleitoral.  No centro decisório, as metas estratégicas de desmonte das capacidades nacionais e privatização de áreas estratégicas como setor elétrico, vias públicas, águas. O regime executa mais de 500 projetos privatizantes após a fraude eleitoral.

Honduras se apresenta como o laboratório da distopia neoliberal latino-americana, com o aumento do custo de vida e da pobreza, assim como da rebelião permanente.

Bruno Lima Rocha é cientista político, professor de relações internacionais e de jornalismo

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Bruno Lima Rocha, 24 de abril de 2018        

Bruno Lima Rocha

Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.

6 Comentários

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  1. República das bananas.
    Ainda

    República das bananas.

    Ainda bem que “é só em Honduras” que tem governo ilegítimo e governo autoritário civil. 

  2. Legitimação do JOH

    O Secretário Geral da OEA, Luis Almagro (ex chanceler do Pepe Mujica) organizou lá na primeira quinzena de Janeiro um café da manhã com jornalistas para falar off-the-record. A OEA tinha enviado uma missão de observação eleitoral a Honduras, chefiada pelo ex presidente da Bolivia Jorge Quiroga. No retorno, Quiroga apresentou um informe simplemente catastrófico sobre as eleições. Almagro, então, emitiu uma nota de imprensa dizendo que, de acordo com a própria missão da OEA, não era possível saber quem ganhou essa eleição, e que era necessário convocar um novo processo eleitoral. Mas o Departamento de Estado já tinha emitido nota reconhecendo o resultado como válido.

    Mas naquela conversa em Janeiro, Almagro terminou por admitir que enviados do Juan “Robando” Hernández entraram em contato com ele e colocaram a questao em termos muito simples: ou a OEA admitia a vitória do Hernández, ou teria um “novo país da ALBA” na OEA. Quer dizer, teria um novo aliado da Venezuela (SIC) na OEA.

    Após esse contacto, Almagro emitiiu uma nova nota, agora pra dizer que estava “pronto para trabalhar com as autoridades eleitas” em Honduras. Foi (é) um vexame maiúsculo.

    Um dia após a essa nota, o Rex Tilllerson, que ainda era Secretário de Estado, fez uma palestra no Texas, antes de começar uma viagem pela América do Sul. Um estudante perguntou, como é que é esse negócio em Honduras, como é que o Departamento de Estado reconhece o governo de Hernández? A isso, o Tillerson respondeu: perguntem ao Almagro, da OEA, que também reconheceu o governo.

    Hernández, então, veio ao Washinton a pagar promessa, e Trump lhe concedeu 15 minutos durante um café da manhã. Aceitou ser tratado como un capacho fedorento.

    O que aconteceu em Honduras foi uma fraude escancarada, e o papel da OEA no episódio ainda vai custar caro, por ter legitimado um roubo.

    Além disso, a OEA tem um problema enorme com a MACCIH, com denúncias de tudo que é calibre. Para o Almagro e a OEA de hoje, se a fraude é dos amigos, tá valendo. Mas se tiver qualquer cheiro de “ALBA”, porrete neles.

  3. Os “irmãozinhos” do norte


    Os “irmãozinhos” do norte estabeleceram um novo padrão de controle do quintal ao sul, uma cortina de ferro judicial.

  4. Este é o modelo de ditaduras
    Este é o modelo de ditaduras deste século, a do Egito pós “primavera” segue o mesmo padrão.

    Na Nigéria, que teve a infelicidade de, assim como o Brasil, descobrir seu pré sal, hoje nas mãos da ” honestissima” Shell, que tempos atrás foi flagrada pagando propina de 1 bi ao presidente que assumiu o poder após uma onda de protestos “anticorrupisaun”.

    Hoje a Nigéria continua grande produtora de petroleo, mas nada que pertença ao povo nigeriano: a estes restou apenas a fome e a poluição do mar, solo, ar….

    O Brasil segue o mesmo padrão, basta ver que o regime golpista, como na Nigéria, abocanhou o fundo soberano do pre sal, uma poupanća criada por Lula para nós brasileiros e que, logo no seu inicio, atingiu a marca de bilhões de reais.

    Também no Brasil, como se deu na Nigéria, houve total afrouxamento, para não dizer exclusão, das licenças ambientais e, além disso, a Shell, à qual a presidente do STF, num regabofe prometeu prender Lula e jogar a chave fora, foi agraciada com o perdão de mais de 1 trilhão em débitos fiscais.

    Dias atrás assisti a um filme americano que mostrou a forma como muitas das cidades dos EUA surgiram do nada, no deserto, por causa de empresas que se instalaram e, em função delas, foram brotando outras atividades: como algumas cidades brasileiras que nasceram e se fortaleceram na Era Lulista, em parte em devido ao fortalecimento do pre sal e Petrobras e outras estatais como os bancos estatais fortalecendo investimentos publicos e privados, o que gerou incremento de todos os setores da economia: industria da aviação, naval, perfuração em águas profundas, defesa, etc.

    Todo esse avanço, com o Brasil disputando com os EUA os espaços na geopolitica mundial, comércio exterior etc, colocou o governo americano em estado de alerta tão logo o pre sal começou a bombar e Lula deu incremento a industria da defesa e ao desenvolvimento do submarino movido por propulsão nuclear, setores da economia que já viraram pó graças ao combate a “corrpissaun” pela Lava Jato que, como sabemos, foi peça importante no golpe de Estado levado a cabo pelas oligarquias nacionsis e internacionais que, como na Nigéria, se apoderarão das nossas riquezas e delegarão ao povo fome, desinformação e poluição ambiental.

    #LulaLivre
    #BomDiaPresidenteLula
    #LulaInocente

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