Mudanças geopolíticas e a memória da guerra em torno da Coreia


Comandante da Frota Americana do Pacífico, Almirante Scott Swift, a bordo do USS Ronald Reagan em Brisbane, Austrália, 25 de julho de 2017 – Foto: Reuters

Enviado por Ricardo Cavalcanti-Schiel

Por Pepe Escobar

Na dúvida, bombardeie a China

Do blog do Alok

*Publicado originalmente em inglês no Asia Times, traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

(Sobre os termos gerais do contexto geopolítico, ver: “Nova guerra fria: faz sentido?“)

O colapso atual do mundo unipolar, com a emergência inexorável de quadro multipolar, está deixando correr solta uma subtrama aterradora – a normalização da ideia de guerra nuclear. A prova mais recente disso apareceu sob a forma de um almirante dos EUA que diz a quem queira ouvi-lo que está pronto a obedecer ordens do presidente Trump de disparar um míssil nuclear contra a China.

Esqueçam o fato de que guerra nuclear no século 21 que envolva as grandes potências será A Última Guerra. Nosso almirante, almirantemente chamado Swift [“rápido”, “veloz”], só está preocupado com minúcias democráticas tipo “todos os membros das forças armadas dos EUA fizeram um juramento de defender a Constituição dos EUA contra todos os inimigos estrangeiros e domésticos e obedecer aos oficiais superiores e ao presidente dos EUA como comandante-em-chefe e chefe de todos nós”.

É pois questão de lealdade ao Presidente e controle civil sobre os militares – sem considerar o risco de incinerar massas incontáveis dos chamados cidadãos civis, norte-americanos inclusive (porque haverá inevitável resposta chinesa).

Swift, mais uma vez, acorre em socorro: “Esse é o núcleo da democracia norte-americana e sempre que um militar se afasta do foco e entrega-se a controle civil, nesse caso, sim, temos um grave problema”.

Não importa que o proverbial porta-voz da Frota dos EUA no Pacífico – nesse caso, Charlie Brown (nome adequado?) – rapidamente abraçou o controle de danos, fazendo pouco da premissa da questão nuclear, para ele, “ridícula”. Ambas, pergunta e resposta, são muito reveladoras.

MacArthur’s park is melting in the dark [“A praça MacArthur derrete na escuridão”]

Para acrescentar nuances extras no “controle civil sobre os militares”, um flashback até setembro de 1950 e a Guerra da Coreia, com uma pequena ajuda de Korea: The Unknown War [Coreia: A Guerra Desconhecida] de Bruce Cumings e John Halliday, pode ser qualquer coisa, exceto “ridículo”. Especialmente agora que facções do Partido da Guerra em Washington andam pressionando a favor de bombardear (bomba atômica) não a China, mas a própria Coreia do Norte.

É fundamentalmente importante relembrar que, à altura de 1950, o presidente Truman já emitira uma ordem de “controle civil sobre os militares” para lançar duas bombas atômicas sobre o Japão em 1945 – primeira vez, um marco histórico.

Truman se tornara vice-presidente em janeiro de 1945. FDR tratou-o com desdém máximo. Não tinha nem notícia de algum “Projeto Manhattan”. Quando FDR morreu, Truman tivera apenas 82 dias na vice-presidência, e tornou-se presidente dos EUA sem saber coisa alguma de política externa ou da nova equação militar/nuclear.

Truman teve cinco anos, depois de bombardear o Japão, para aprender tudo sobre o assunto, e já em serviço. Agora, a ação estava no front coreano. Mesmo antes do desembarque dos carros anfíbios em Inchon, liderada pelo general MacArthur – o maior desembarque desde o Dia D na Normandia, em 1944 –, Truman já autorizara MacArthur a avançar além do paralelo 38. Há substancial debate histórico, segundo o qual ninguém informara MacArthur detalhadamente sobre o que fazer – porque ele estava vencendo. Perfeito para um homem que gostava de citar Montgomery: “Os generais nunca recebem diretivas adequadas”.

Apesar disso, MacArthur recebeu de Truman um memorandum top secret reforçando que operações ao norte do paralelo 38 só estavam autorizadas se “não houvesse forças soviéticas ou comunistas chinesas na Coreia do Norte, nenhum aviso de entrada planejada, nem ameaça de contraofensiva às nossas operações militares “.

E então, MacArthur recebeu mensagem a ser lida exclusivamente por ele, do chefe do Pentágono George Marshall: “Queremos que se sinta desimpedido taticamente e estrategicamente para avançar para o norte acima do paralelo 38”.

MacArthur continuou indo. Tinha certeza de que a China não interviria na Coreia: “Se os chineses tentassem descer para Pyongyang seria o maior massacre.” Bem, MacArthur errou. As forças dos EUA capturaram Pyongyang dia 19 de outubro de 1950. Exatamente no mesmo dia, nada menos de 250 mil soldados do 13º Grupo do Exército Voluntário Popular Chinês cruzaram o rio Yalu e entraram em território coreano. A inteligência dos EUA não tinha nem ideia do que o historiador militar S.L.A. Marshall descreveu como “um fantasma sem sombra”.

MacArthur foi-se descontrolando dia a dia, inclusive requerendo bombas atômicas a serem usadas contra a Coreia do Norte. Ele tinha de ir. A questão era como. Os civis – Dean Acheson, Averell Harriman – eram a favor de ir. Os generais – Marshall, Bradly – eram contra. Mas também se preocupavam, porque “se MacArthur não pudesse ir, grande segmento de nosso povo diria que as autoridades civis já não controlavam os militares”.

Truman já se decidira. MacArthur foi substituído pelo general-tenente Ridgway. Mas a loucura da guerra persistia, refém da “ameaça” sino-soviética de “dominação comunista mundial”. Foram mortos mais de dois milhões de civis norte-coreanos. E o que o general Curtis LeMay – um Dr. Fantástico [Dr. Strangelove] da vida real – disse adiante sobre bombardear o Vietnã “até devolvê-lo à idade da pedra” foi realmente feito pelos EUA, contra a Coreia do Norte.

Toda a indústria e toda a infraestrutura do norte foram completamente destruídas. É impossível compreender as ações da liderança em Pyongyang ao longo das últimas décadas, sem considerar o quanto aquela destruição física e humana ainda permanece viva na mente dos norte-coreanos.

Assim, o que o almirante Swift realmente disse, em código, é que, se vier uma ordem civil, os militares dos EUA iniciarão a 3ª Guerra Mundial (ou a 4ª Guerra Mundial, se se contabiliza a Guerra Fria), aplicando devidamente a doutrina de primeiro-ataque, do Pentágono. O que Swift não disse é que o presidente Trump também tem o poder de dar uma de Truman e demitir qualquer doido com ambição de ser clone de MacArthur.
 

Redação

18 Comentários

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  1. Mudanças geopolíticas e a memória da guerra em torno da Coreia

    yankes ASSASSINOS & TERRORISTAS, so o que sabem fazer na vida … GUERRAS, MATAR Mulheres,, Crianças e Idosos e destruir toda e qualquer sociedade com sua infraestrutura para implantar a DITA & TENEBROSA “DEMOCRACIA OCIDENTAL”, assim com todos os HORRORES DA GUERRA DA COREIA 1950-53, o Povo Coreano so pode ter odio de morte destes yankes sanguinarios e TERRORISTAS … !!!

  2. Não é uma “memoria de gurra”,

    Não é uma “memoria de gurra”, é um boletim ideologico anti-americano. O tema é interessante e mereceria uma analise historica sem viés. A Guerra da Coreia foi INICIADA pelo lado comunista contra a Coreia do Sul, a movimentação das  forças das Nações Unidas, lideradas pelos EUA foi uma reação a essa invasão, que ocupou Seul e pretendia transformar toda a Coreia em um Estado comunista. No desdobramento das operações de guerra houve mortes de civis dos DOIS LADOS e não só na parte norte da Coreia, como dá a entender a “mmoria-panfleto”, infelizmente nas guerras há atrocidades por todos.

    O simples fato da existencia de uma MONARQUIA comunista no lado norte já diminui o “valor moral” da heroica Coreia do Norte. No Sul, com todos os defeitos, há eleições e quem quiser ir embora a porta do aeroporto está aberta, o que não acontece no norte, onde a população é na média 9 centimetros mais baixa por causa de gerações passando fome enquanto o Sul é um dos paises mais desenvolvidos e ricos da Asia, com uma vigorosa economia de exportação de excelentes produtos.

    1. Pois é.. e viva a “liberdade” do consumismo.
      ” A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual oe prisioneiros não sonharão seuer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor a sua escravidão”  (Aldous Huxley)

    2. Viés

      “…o tema é interessante e mereceria uma analise histórica sem viés.”… Todo o teu segundo parágrafo tem viés, não é?

      1. Eu sou aqui no BLOG, de

        Eu sou aqui no BLOG, de longe, o maior critico dos EUA , no artigo acima apenas destaquei que não foi só a Coreia do Norte a ter perdas com a guerra que ELA iniciou, o Sul tambem teve perdas imensas , que o artigo esqueceu completamente de citar.

        Tampouco é logico destacar que os EUA são crueis na guerra,  como se só eles fossem, TODAS as grandes potenciais militares cometeram atrocidades, a guerra é um evento cruel por si só e não há guerra sem atrocidades.

        1. Faz de conta que eu acredito

          Desde quando um dirigente de sindicato patronal que se caga de mesuras pelos supremos senhores das castas senhoriais acha que pode nos engabelar com essa lorota de “crítico dos Estados Unidos”?

          Se manca, mané! Tá achando que o resto do blog é idiota (ou então condescendente com merdas do seu quilate como o Nassif)?

          Afinal, não foi você que foi apresentado como “colunista do GGN e consultor de empresas estrangeiras no Brasil e do International Republican Institute (IRI), braço externo do Partido Republicano norte-americano” (https://jornalggn.com.br/noticia/desmonte-e-perda-de-referencial-no-poder-brasileiro)?

          Um partidário do Partido Republlicano crítico dos Estados Unidos???? Me engana que eu gosto!

    3. Interessante essa diferença

      Interessante essa diferença de 9 cm. Haveria dados de comparação do brasileiro com os russos, com os europeus, com os norte-americanos. E comparação dos nordestinos com os do ‘sul´ haveria esses dados?

      1. Brasileiro com russo nada tem

        Brasileiro com russo nada tem a ver, é outro banco genetico, outro clima e outros habitos de vida, a comparação seria irrelevante.

        MAS coreano com coreano, são o mesmo povo e o mesmo clima, o mesmo solo, a diferença de altura tem como alteraação

        obvia o alimento ou a falta dele.

    4. Objetividade dói?

      Qualquer coisa minimamente decente em termos de humanidade e civilização precisa ser NECESSARIAMENTE anti-amercana.

      O resto é trabalho da presstitute media, que os Estados Unidos pagam e levam na coleirinha.

      1. Uma boa referencia é a imensa

        Uma boa referencia é a imensa obra do historiador MARXISTA Eric Hobsbawn que trata os ultimos 200 anos de Historia

        sem nenhum viés ideologico, uma obra excepcional pela isenção e equilibrio. Pessoalmente Hobsbawn era de esquerda radical mas sua obra não deixa qualquer resquicio de suas preferencias, a analise historica é cristalina e sem lado, nisso está a

        imensa credibilidade de sua obra, mais de 50 titulos com 8 milhões de exemplares publicados.

  3. O PERIGO MORA AO LADO

    Há muito tempo, como jornalista, fiz uma reportagem para a desaparecida MANCHETE, sobre uma tal de LIDER – Liga Democrática Radical – composta por militares superiores da ativa, da extrema direita,  em sustentação ao governo da ditadura. Na entrada do prédio, na rua Graça Aranha, Rio, uma inscrição, ocupando toda a coluna de sustentação do piso,  que me assustou e nunca esqueci:

    ” À Pãtria tudo se dá e nada se pede, nem mesmo compreensão”.

    Existe pior maneira de expressar uma obediência inescrupulosa, insensata, cega  e fascista?

    O pensamento do militar americano ali exposto não se afasta muito daquele pensamento totalitario

    Em consulta na internet, percebi que tal absurdo continua sendo defendido entre oficiais de alta patente.

  4. Que mania desses EUA, esse

    Que mania desses EUA, esse horror ao socialismo, e o pior, nos países dos outros, né? Gostam do capitalismo, têm peito para suportar as nefastas consequências desse regime, para conter ou ludibriar gente do seu próprio povo injustiçado, ora… que o adotem para si. E deixem os outros em paz.

    Eles dizem que temem que o socialismo se alastre. Oras, se o socialismo for ruim, o povo de cada país se virará como quiser ou puder. E se for bom, se realmente atender à maioria das pessoas, que se resignem democraticamente.

    Mania de xerife do mundo, o pior demente é o que está armado. E se fosse só essa demência, até que ia: é fácil tratar de doentes mentais, é só isolá-los do convívio com os que tentam viver numa boa. O problema é que essa demência, ela sim, é contagiosa, ou seja, os caras se dizem xerifes do mundo, uma turma de bobos alegres os segue pagando pau! Não adianta bater no valetão da escola, o negócio é isolá-lo, mesmo.

    1. Tomara que dessa vez, se os

      Tomara que dessa vez, se os EUA insistirem em continuar botando terror no mundo, se atacarem outro país, que esse país leve a guerra para o território dos EUA, mesmo. E ataquem direto o seu paiol de munição moral: Hollywood, cidades que concentram cabos submarinos de Internet, cidades que tenham importância financeira e paraísos fiscais, etc., além, é claro, aos paiois de munição convencional, nuclear ou não.

  5. Mas nenhuma reprimenda ao

    Mas nenhuma reprimenda ao Ditador de um país que diz que está pronto para encher a América de ogivas nucleares?

    1. Leia o texto.
      A Coreia do
      Leia o texto.
      A Coreia do Norte foi brutalmente agredida pelos EUA.
      Eles têm o irreprimível direito de se lembrar e de tentar evitar a repetição do passado. Ou não têm?
      Quanto à ditadura, como um brasileiro governado por um presidente não eleito, extremamente impopular, corrupto, retirando direitos da maioria da população pode condenar uma ditadura?

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