A subjugação dos Estados ao neoliberalismo pela dívida, por J. Carlos de Assis

Movimento Brasil Agora

A subjugação dos Estados ao neoliberalismo pela dívida

por J. Carlos de Assis

O mesmo processo de dívida pública que subjugou a política econômica brasileira (e dos demais países em desenvolvimento) à banca internacional, através do FMI e do Banco Mundial, subjugou os Estados federados brasileiros aos ditames neoliberais do poder central. O mecanismo é o mesmo. Há uma diferença, na medida em que, no caso da dívida externa, chegou a entrar algum dinheiro no começo do processo. No caso da dívida dos Estados federados junto à União, não entrou nada. Só tem saído na forma de pagamentos à União.

Tenho explicado o funcionamento dessa armadilha financeira, no caso dos Estados, e as pessoas ficam incrédulas. É que a dívida – esta mesma dívida que está sendo “negociada” com o Governo Federal, e que gerou um justificado princípio de rebelião na Câmara –  não existe. Tecnicamente falando, é nula. Sua origem são dívidas estaduais pagas aos bancos pelo conjunto do povo brasileiro em fins dos anos 90 com títulos da dívida pública. Portanto, o povo a pagou. Não faz sentido que, depois desse pagamento, o povo a pague de novo.

A confusão se dá porque as pessoas acham que o Governo Federal mobilizou recursos próprios nesse processo para pagar a dívida original dos Estados, roladas através dos bancos estaduais que foram extintos. Acontece que o Governo central não tem dinheiro. Opera com recursos da sociedade advindos de impostos ou dívida pública. Quando os impostos são insuficientes ele recorre ao lançamento de títulos no mercado. Portanto, foi com recursos da dívida pública que a dívida estadual foi paga e zerada. Não faz sentido que seja paga de novo.

Para se entender isso de forma simples, basta dizer que os contribuintes brasileiros pagaram a dívida, e essa mesma divida está sendo cobrada de novo dos mesmos brasileiros na condição de contribuintes dos Estados. São  os mesmos porque quase todos os Estados, na origem desse processo, tinham bancos estaduais e giravam sua dívida mobiliária através deles na banca privada. Os títulos estaduais foram liquidados na banca pelo valor de face. Esta ganhou bilhões de reais. Os Estados absorveram o prejuízo através de dívida inexistente.

O projeto aprovado na Câmara é um embuste, tanto na forma original quanto na forma do substitutivo. A dívida tinha que ser declarada nula, e não sujeita a uma negociação na qual o Governo Federal maneja todas as cartas para conceder um mísero adiamento de três anos no pagamento. E os Estados deveriam ser ressarcidos do que pagaram indevidamente no passado. Isso resolveria todos os problemas financeiros dos Estados, de forma imediata. É estúpido dizer que o  Governo Federal não tem dinheiro para esse ressarcimento. Tem sim. Basta emitir títulos públicos em montante equivalente a ele.

Qual é a lógica política desse processo de endividamento? No plano federal, a “explosão” da dívida no início dos anos 80 nos colocou na trilha do neoliberalismo mediante as imposições do FMI, do Banco Mundial e indiretamente das agências de risco para “consolidá-la”. Desde então, fomos obrigados a fazer políticas monetárias e fiscais  restritivas. No caso da dívida dos Estados, quem funciona com o papel do FMI e do Banco Mundial é o Governo Central, isso quando as pressões de privatização e degradação do serviço público não vem diretamente através daquelas agências “credoras”. Claro, isso em algum momento tem que acabar. Acho que a hora está próxima.

Por que ninguém, nenhum governador, nenhum secretário de Fazenda, nenhum secretário de Planejamento se deu conta de que a dívida junto ao Governo Federal é nula? É um mistério, explicável por três razões: os governadores, em regra, não são entendidos em finanças; eles escolhem secretários de Fazenda e de Planejamento por critérios políticos, não por conhecimentos específicos; finalmente, todos eles tem uma posição submissa perante o Governo Federal que os mantém dessa forma pelo fato de que controlam o caixa, e os favorecimentos aos Estados. Entretanto, por força da própria rolagem da dívida ilegítima a juros escorchantes, um dia a casa cairia. Caiu.

Redação

4 Comentários

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  1. J. Carlos e Nassif,

    J. Carlos e Nassif, neoliberalismo não é ideologia, apenas para os idiotas úteis(a classe média, por exemplo), mas políticas econômicas que favorecem o capital financeiro em detrimento ao capital produtivo.

    Há um grupo internacional, cuja principal liderança é o Partido Democrata dos EUA. Perceba como a mídia brasileira, liderada pela Rede Globo, organizada no intelectual orgãnico que é o Instituto Millenium, sempre defende o mesmo que esse grupo internacional do capital financeiro global.

    Um dos principais articuladores da candidatura Hillary Clinton foi o mega especulador George Soros, que também atua politicamente via sua fundação, que foi proibida de atuar na Rússia. A mídia brasileira, principalmente a Rede Globo(que foi fundada com capital norte-americano, em desrespeito à Constituição brasileira), segue a risca as orientações desse grupo, exemplos:

    1) Candidato à presidente da mídia brasileira, Aécio Neves, que teria no comando da economia o senhor Armínio Fraga, ex-funcionário de George Soros;

    2) O escândalo da mídia brasileira com a derrota de Hillary Clinton nas eleições norte-americanas, com editoriais revoltados no Globo, Estadão, etc.

    Creio que Temer, foi coagido a adotar as medidas que vem adotando, contrárias ao fisiologismo de seu partido, diante das ameaças de prisão vindas de Curitiba, que é o braço armado da implementação do projeto globalista-financista capitaneado por George Soros.

  2. Claro que não existe, mas…

    Tem que existir ou fazer acreditar que existe, para justificar a política neocolonial.

    Minha teoria é que dívida de filho para o pai não se paga. Até porque o filho é herdeiro de tudo.

    Esta é a grande armadilha da junção dos estados brasileiros, todos dependentes do Governo Federal. Um sistema Feudal moderno.

  3. Bom artigo, mas cabe uma observação.

    Prezados,

    No parágrafo que encerra o artigo, o professor José Carlos de Assis afirma:

    “Por que ninguém, nenhum governador, nenhum secretário de Fazenda, nenhum secretário de Planejamento se deu conta de que a dívida junto ao Governo Federal é nula? É um mistério, explicável por três razões: os governadores, em regra, não são entendidos em finanças; eles escolhem secretários de Fazenda e de Planejamento por critérios políticos, não por conhecimentos específicos; finalmente, todos eles tem uma posição submissa perante o Governo Federal que os mantém dessa forma pelo fato de que controlam o caixa, e os favorecimentos aos Estados. Entretanto, por força da própria rolagem da dívida ilegítima a juros escorchantes, um dia a casa cairia. Caiu.”

    J. C. de Assis comete um erro. Basta que os interessados pesquisem um pouquinho, para saber que o atual governador de MG, Fernando Pimentel, têm sólida formação e atuação na área econômica e financieira, tendo atuado como Secretário de Fazenda, antes de ser eleito prefeito da capital mineira. Uma busca instantânea mostra o seguinte.

    “Fernando Damata Pimentel nasceu em Belo Horizonte em 31 de março de 1951. Formou-se em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e possui mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi professor universitário, presidente do Conselho de Economia de Minas Gerais e diretor do Sindicato dos Economistas do Estado de Minas Gerais. Nos anos 1990, assumiu a Secretaria da Fazenda, durante a gestão de Patrus Ananias em Belo Horizonte e a Secretaria de Governo no primeiro mandato de Célio de Castro. Em 2000, ao lado de Castro, tornou-se vice-prefeito da capital mineira”

    Essa formação e experiência administrativa de Fernando Pimentel pode ter sido uma das razões que o levou a liderar, juntamente com o governador do RJ, uma resistência ao pacote de arrocho que o governo golpista que tomou de assalto o Executivo Federal quis impor aos estados federados.

  4. A subjugação dos Estados ÀS CUSTAS DO POVO

    J. Carlos de Assis, acerta na causa e nas consequências. Quanto à anulação da dívida e a assunção do saldo pelo governo federal qualquer decisão depende, em primeiro plano, em se verificar como isso afetaria o Governo Federal e quais as alternativas para a sua consolidação.

    Mas, venho aqui por outro motivo. Gostaria de, usando da oportunidade, abrir a discussão do tema para chamar a atenção para uma situação pontual, mas, emergencial e que, em minha opinião, destaca duas características comuns aos secretários de fazenda. A primeira é a total insensibilidade com a precariedade de subsistência infligida aos funcionários públicos pelo não pagamento regular de seus salários. A segunda é a completa omissão no gerenciamento desta situação, pela qual são diretamente responsáveis. Há uma relação direta de causa efeito que atesta o afirmado no artigo quando os declara incompetentes e despreparados para as funções do cargo.

    Salta aos olhos que há caminhos a seguir para minimizar esse problema. O que faltam são ações dos secretários de fazenda para mitigar o problema.

    Temos visto na imprensa regulares relatos de sequestros de valores em contas-correntes dos estados realizados a pedido do Governo Central aos quais os governadores atribuem a falta de capacidade de pagamento dos salários. Considerando a impenhorabilidade dos salários, o primeiro passo seria tentar negociar com a União, não penhorar recursos destinados ao pagamento de salários que seriam depositados em conta específica. A alternativa, em caso de fracasso da negociação, seria buscar amparo judicial para impedir o confisco. Acredito, firmemente, baseado em experiências anteriores com empresas privadas, que isto é juridicamente plausível (a palavra, com os profissionais do Direito).

    Outra questão se refere aos efeitos já presentes e os em perspectiva de ocorrerem decorrentes do pagamento devido pelos funcionários públicos para fazer frente às suas necessidades básicas.

    A primeira ação dependeria unilateralmente dos próprios governos estaduais. Prorrogar, beneficiando os funcionários públicos estaduais, as datas de vencimento das faturas de serviços públicos e concessionados pelos estados, inclusive daquelas vencidas e não pagas. Mantendo-se a prorrogação por um prazo inicial estimado, mas até que a situação de inadimplência de salários se normalize ou então, como alternativa, fazendo um encontro de contas com as empresas públicas e/ou concessionárias para quitar os débitos.

    A segunda envolvendo os bancos e instituições de crédito determinaria um esforço de negociação mais complexo, mas possível. De início, usando o poder de pressão dos estados – que existe e não é exercido – negociar com os bancos para reestruturar as dívidas dos servidores para com o setor financeiro, com juros mínimos pela Selic e com um prazo de carência e amortização compatível com o horizonte de recomposição da saúde financeira dos beneficiados. O fracasso das negociações, a exemplo do que se indica para os sequestros pela União, poderia ser contornado por ações movidas pelos estados em nome do conjunto de servidores públicos. Também se vislumbra possibilidades considerando: a) os juros absurdos cobrados pelo setor financeiro, representando múltiplos imorais e injustificáveis do seu custo de captação, contra o que há inúmeras sentenças e extensa jurisprudência condenado essas instituições (novamente, a palavra com o departamento jurídico).

    Finalmente, buscar se obter judicialmente, em nome do conjunto de trabalhadores desses estados, prejudicados diretamente pela inadimplência continuada dos próprios estados, a suspensão das ordens de despejo, dos protestos de títulos e das execuções movidas por credores em geral, bem como vedando a inscrição em quaisquer cadastros de devedores por inadimplência. Reconheço que esta última hipótese é a que oferece maior grau de dificuldade, mas, dada a responsabilidade absoluta dos estados face à situação desses servidores, bem como, tratar-se de uma situação emergencial sobre a qual as pessoas não detêm qualquer controle determinante é possível. Afeta direitos de terceiros, todavia, estes integram a mesma sociedade, beneficiam-se dos serviços prestados pelos servidores e, portanto, não estão nem seus direitos completamente afastados do problema e das suas consequências (outra vez, aos juristas para manifestação).

    Enfim, mesmo que nada funcione para minimizar o impacto da crise sobre os mais fracos e desprotegidos, sobre os de sempre, o mínimo que se esperaria dos secretários de fazenda, no caso de não serem os despreparados e incompetentes que se julga, é tirarem o rabo da cadeira e fazer algo concreto e prático para reduzir a imensa merda na qual estão metidos e na qual atolaram as pessoas que deles dependem diretamente em sua sobrevivência.  Perdão pelo excesso nos substantivos, porém, a indignação obriga.

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