Quem pode garantir a transversalidade na política?

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Entrevista: Luis Nassif e Patricia Faermann
Vídeo e edição: Pedro Garbellini
 
“A principal peça é a política. Ou o chefe de Estado entende isso ou não vai acontecer absolutamente nada”, diz Rogério Sottili
 
Jornal GGN – Durante o segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2007, Rogério Sottili era Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Naquele período, era ele quem materializava as articulações de projetos de Lula numa das principais pastas que carregava as bandeiras do partido. Oito anos se passaram, e o articulador absorveu experiências da Secretaria-Geral, antes de comandar direitos humanos na cidade mais populosa do Brasil, São Paulo. Mas foi naquele ano de 2007 que Sottili tirou o maior exemplo de gestão unindo áreas distantes e autônomas na política.
 
“A determinação política do chefe de Estado, do chefe de governo, é fundamental para garantir a transversalidade”, disse, ao Jornal GGN, diante da pergunta: “É possível institucionalizar uma política horizontal nas cidades e governos do país?”.
 
“Tenho certeza absoluta que no governo brasileiro nunca teve tanta política transversal, quanto durante o governo Lula. Eu tenho experiências bárbaras que vivenciei na construção de políticas, que só foram exitosas para o Brasil, históricas, porque foram transversais, e porque o Lula empoderou”, afirmou Sottili, exemplificando necessidades de determinação e sensibilidade de agentes políticos.
 
Um desses casos ocorreu quando o Morhan, entidade sem fins lucrativos voltada para acabar com a Hanseníase no Brasil, procurou o ex-presidente Lula para pedir a indenização a pessoas atingidas pela doença até o ano de 1986, que eram submetidas ao isolamento e à internação compulsórios, em hospitais-colônia. As crianças que portavam hanseníase eram retiradas de suas famílias e apartadas do convívio social, para não correrem o risco de passarem a doença a outros.
 
https://www.youtube.com/watch?v=P9Jap0Ly-QA&feature=youtu.be width:700 height:394
 
A segregação era tamanha que nessas colônias de hansenianos existia uma moeda própria, “para não misturar, para ninguém pegar a doença”, contou Sottili. O ex-secretário Especial dos Direitos Humanos disse que Lula, ao ser procurado e comovido com a história, convocou diversas Secretarias e Ministérios para uma audiência e determinou uma força-tarefa de governo, unindo Saúde, Previdência, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e Advocacia Geral da União. 
 
Junto com cada representantes titulares e suplentes dos Ministérios, uma Comissão Interministerial foi criada, com um membro portador de hanseníase, para avaliar e acompanhar os trabalhos. Sottili não só decidiu sobre os novos pedidos de reparação, como também ficou responsável por liderar a ação conjunta. O objetivo final era, por meio da análise de 12 mil processos de reparação, identificar todas as necessidades e, em um ano meio, pagar um salário mínimo a todos, até o final de suas vidas.
 
Outro episódio em que Lula empoderou Sottili foi no processo de erradicar com os sub-registros civis de nascimento. Ao perceber que 30% dos moradores de diversas regiões do Brasil não tinham certidão de nascimento, o ex-presidente verificou que se tratava de uma grande parte da população automaticamente afastada de benefícios e direitos sociais. Em 2007, municípios chegavam a computar 88% de sub-registros.
 
Com esse cenário, o ex-presidente decidiu erradicar o sub-registro até o final de seu mandato. Uma nova frente de trabalho foi criada, unindo setores além de Ministérios de Governo, como também o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Tribunais de Justiça, governos estaduais e cartórios. “Os cartórios não queriam, tinham uma resistência muito grande, primeiro porque era trabalho demais, e registro de nascimento não dá dinheiro, então era uma dificuldade tremenda”, recorda Rogério Sottili.
 
O objetivo foi atingido. “Em 3 anos e meio, nós erradicamos o sub-registro no Brasil, hoje ele está abaixo dos 5%, que para os indicadores internacionais é considerado erradicação”, afirmou. “E foi fruto desse trabalho que nós construímos a Certidão de Nascimento Nacional, numa parceria com a Casa de Moeda”, completou.
 
Parte dessas experiências, o Secretário Especial carregou para políticas na prefeitura de São Paulo. Mas ressaltou que a motivação tem que partir do chefe de Estado. “E isso o Fernando Haddad tem. Desde o início ele bancou a transversalidade. Por isso, quando ele me convidou para ser Secretário de Direitos Humanos, lá no início de governo, deixou bem claro: ‘Rogério, o que você precisar pode contar comigo, mas incomode as Secretarias, as coisas têm que andar'”, contou. 
 
A importância do Executivo sobre as políticas articuladas e transversais é ponto sensível e determinante, disse. Desde para reconhecer o trabalho de gestores até frear níveis de vaidade em políticas que a coautoria deve se sobrepôr para o resultado positivo. “A capacidade de fazer a política transversal, a sensibilidade política dos secretários e a determinação política do prefeito é fundamental para isso”. 
 
“Por fim, mesmo assim, é muito difícil. O Estado não está estruturado para políticas transversais. O Estado está estruturado para trabalhar em caixinhas, sabe? ‘As minhas prioridades eu não estou dando conta, por que vou ficar cuidando da sua?’ Então é um trabalho cultural também”, reconheceu Sottili.
 
“A principal peça é a política. Ou o chefe de Estado entende isso ou não vai acontecer absolutamente nada”, resumiu.
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

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  1. Rogério Sottili

     

    No segundo mandato do Lula quem era o Secretário dos Direitos Humanos era o Paulo Vannuchi. Sottili era seu Secretário Adjunto e cuidava dos convênios e questões orçamentarias. que eu me lembre nunca se mostrou como articulador de questões ligadas aos direitos humanos. 

     

  2. POLÍTICA DE DIREITOS HUMANOS
    Nassif,

    como ele mesmo gosta de lembrar, Sottili foi, sim, coautor de um dos principais e piores projetos da secretaria de Direitos Humanos na gestão do Paulinho Vannuchi: o da Comissão Nacional da Verdade, que foi negociada com os militares sem ouvir a esquerda ou, pelo menos, os familiares de mortos e desaparecidos durante o regime militar.
    O projeto era tão ruim que o Paulinho Vannuchi arrumou uma viagem para a Suíça, deixando para o Sottili a tarefa de leva-lo ao Congresso. Claro, é preciso reconhecer que a luta era desigual. De um lado o Nelson Jobim, ministro da Defesa, ex=ministro e presidente do STF r candidato a candidato a vice-presidente – ou presidente, se o cavalo passasse arreado – em 2010; do outro, o Paulinho. O resultado era previsível, mas acho que podíamos ter exercido ao menos o direito de “jus sperneandi”.
    Mas, segundo o Paulinho, aquilo era “o melhor possível naquele momento”.
    Deu no que deu…
    Agora, o que eu acho um escárnio é depois de 30 anos de “redemocratização”, não sei quantos ministros de Direitos Humanos e toda uma estrutura oficial de defesa desses direitos, com centenas de secretarias, comissões, conselhos e ONGs as PMs continuem torturando, assassinando e desparecendo com meninos nas periferias das grandes cidades brasileiras, tendo sempre como resposta apenas as mesmas “notas oficiais” de protesto para circular no gueto de esquerda.
    Ou que, apesar do dinheiro gasto com publicações, “projetos” e seminários nacionais e internacionais, ainda faltem verbas para o trabalho de identificação das chamadas “ossadas de Perus” – entre as quais estão, presumivelmente, as de companheiros meus e do Paulinho na ALN – mais de 25 anos depois de exumadas pela então prefeita Luiza Erundina.
    Não acho que haja motivos para comemorar nossas políticas de direitos humanos.

    A.C.Fon

    PS. A Patrícia é parente do Marcos “Marcão” Faermann dos tempos do Jornal da Tarde?

  3. Qualquer um que já tenha passado pela direção …

    de estruturas democráticas sabe como as palavras de  Sottili são verdadeiras. Não valem as experiências em estruturas empresariais, pois, mesmo que não sejam ditatoriais, democráticas não são. Vale a voz do chefe e quem não concordar cai fora.  São impressionantes as conclusões a que se chega quando o dirigente empodera alguém capaz, democrático mas firme em seus objetivos,  para resolver uma questão.  Creio que aí está o cerne da capacidade de Lula, sua grande facilidade de ouvir, envolver-se com as reinvidicações que lhe são apresentadas e criar mecanismos capazes de levar a uma solução, entregando responsabilidades.  Nisto está uma diferença fundamental entre Lula e Dilma.  Dilma tem muita dificuldade de confiar em pessoas. Não àtoa o seu núcleo sólido de assessores se resume em cardoso e mercadante.  Agora parece que este núcleo foi acrescido da Kátia Abreu, e de vez enquanto ouvimos os pitacos de seu ex-marido.

    Uma vez o Chico Buarque disse da importância de se criar um ministério do vai dar merda.  Ele o disse brincando, mas acabou por vocalizar uma grande verdade.  Quanto mais fechado é um núcleo de poder, mais fácil se comete erros, princilpalmente de avaliação política, como os que tem sido cometidos por Dilma. Na falta do ministério proposto por Chico, a transversalidade aglutina muita gente e acaba por deixar vir a tona os problemas decorrentes das soluções propostas. Isto permite corrigir os rumos antes que se faça a m.

    O papel do ministério da m. poderia e deveria ser ocupado por uma imprensa livre, mas não temos isto no Brasil.  O que aqui temos é um imprensa do tipo Pedro e os lobos.  Nesta, ninguém acredita quando ela diz que o lobo vem, mesmo que o lobo venha de verdade. Perde a sociedade, perdem os cidadãos, perdem os jornalistas sérios que gostariam de fazer um trabalho sério.

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