Por causa dos protestos, UPPs pode cair em descrédito, diz especialista em segurança pública

Jornal GGN – As UPPs (Unidades Polícias Pacificadoras) podem ter resgatado a confiança da população e a credibilidade da polícia nos lugares onde foram implantadas, mas podem ter se desgastado por causa dos protestos de junho e julho na capital fluminense. Para Jacqueline Muniz, socióloga e professora do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), a imagem das unidades pode ter sido arranhada pela falta de uma posição mais assertiva por parte do governador do Rio, Sérgio Cabral, e da ausência de uma regulamentação do uso de armas durante as manifestações, que provoca uma insegurança na população.

Entretanto, ainda “há muito a ser melhorado”, pondera a coordenadora do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania) da Universidade Cândido Mendes e ex-diretora do Departamento do Sistema Penitenciário do Rio, Julita Lemgruber. Ela aponta que 60% dos policiais que atuam nas UPPs mudariam de unidade caso pudessem optar. Por outro lado, aponta Jacqueline, um dos motivos pelos quais as UPPS deram certo, em grande parte, foi porque “não utilizaram da força dos três Bs (bala, borracha e bomba) para pacificar os locais”.

Com relação ao comportamento policial nas UPPs, segundo Julita, o autoritarismo policial precisa ser constantemente avaliado. Até mesmo porque “onde estão localizadas as UPPs, os policiais impõem controle a atividades cotidianas e restrições ao lazer”, explica. Para ela, no entanto, o problema central das áreas em que ficam as unidades é de desenvolvimento de políticas públicas”. Como exemplo, ela cita o recente episódio da Maré, no qual nove membros da comunidade foram assassinados, mostrou a face truculenta da polícia. “Foi quase uma ação vingativa. Isso é coisa que remonta aos tempos de Vigário Geral”, compara. “Isso relembra chacinas de épocas que esperávamos que tivéssemos deixado para trás. Como em áreas pobres temos estratégias tão distintas”, explica, comentando os diferentes pesos e medidas usados em UPPs e em áreas sem as unidades. Para a socióloga do Iuperj, no entanto, o significado de culpa é dirente do de responsabilidade. Ela acredita que não se deve procurar culpados por erros policiais, mas os responsáveis pela má atuação. “O governador Sérgio Cabral deveria parar de se esconder atrás do secretário de segurança pública, José Mariano Beltrame, e assumir sua responsabilidade quanto ao desenvolvimento de uma política de segurança”, afirma.

UPP até a Olimpíada

As especialistas em segurança pública mostram que há ressalvas quanto às UPPs em função da localização das unidades; tempo de duração do projeto; e reclamações dos policiais. Mais do que unidades pacificadoras, o Rio necessita de uma política de segurança pública em que o policial e o cidadão se enxerguem como parte de um contexto social e não como inimigos.

O dado apresentado pela coordenadora do CESeC, de que 60% dos policiais trocariam de unidade caso pudessem, é analisado pelo estudo Os Donos do Morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro“, realizado pelo Fórum de Segurança Pública. Segundo a pesquisa, os policiais se dizem insatisfeitos por causa das condições de trabalho, de infraestrutura, da distância entre a UPP e o local em que vivem e da gratificação, quase sempre paga em atraso pela prefeitura e com diferentes valores  – da gratificação que recebem por trabalhar em uma UPP, são descontados impostos.

Outro fatores  – como a distância, o lugar e quanto tempo as UPPs irão durar  – geram desconfiança na população, principalmente da comunidade. Julita diz que “é importante ter a clareza de que as UPPs estão em áreas próximas de onde serão realizados os grandes eventos, como a Olimkpíada de 2016″. O que, para Jacqueline, é um dos fatores que afetam a credibilidade das unidades, “em parte, porque a população não tem certeza se as UPPs vieram para ficar ou se permanecerão apenas até os Jogos Olímpicos”.

A ex-diretora do Departamento do Sistema Penitenciário do Rio conta que “um dos resultados mais positivos alcançados com a implementação das UPPs, foi que tanto nas áreas onde elas foram criadas, como no entorno, houve redução da violência letal, ou seja, diminuição de mortes”. Julita acrescenta que “muitos moradores tinham dificuldade de sair ou entrar à noite, nos períodos em que havia confrontos. Onde estão as UPPs, esse confronto diário já não existe.”

Polícia truclenta x polícia cidadã

No entanto, as duas especialistas apontam um mesmo problema: a ausência de uniformidade do comportamento policial não só nas UPPs, mas em todo a cidade do Rio de Janeiro. Para elas, isso é causado pela falta de uma política de segurança pública mais abrangente. A ex-diretora do Departamento do Sistema Penitenciário afirma que “o que se tem é uma política para as áreas das UPPs, para o policiamento de proximidade [de aproximação com a comunidade]”. Já “nas regiões de periferia onde não há UPPs, a polícia é truculenta. Ou seja, existem duas realidades”.

Ambiguidade que, segundo Jacqueline, também pode ser vista nos diversos eventos que acontecem na cidade. A socióloga diz que “ocupar a rua é tradição no Rio”, mas que, no entanto, em manifestações nas quais há um interesse político envolvido, há toda uma infraestrutura preparada para acolher o cidadão: não só a polícia, mas bombeiros, âmbulâncias, barcas livres, como foi o caso da manifestação pelos royalties do petróleo. Porém, nas manifestações populares, sem um dirigente, sem líderes, o que se vê é o contrário, a ausência de infraestrutura. “É apenas a polícia sozinha de um lado, sem comando e sem controle, em função do vazio político proporcionado pela ausência do governador, e os manifestantes de outro”, explica.

Na opinião de Jacqueline “a polícia deve ter um padrão uniforme de tratamento para com o cidadão”, independentemente de região ou do evento de que esteja participando. Mas, para que isso aconteça, “é necessário sair do vazio de decisão política do governador (ele tem de parar com a brincadeira de ‘agora a polícia pode agir assim, e agora não pode’ ou mesmo de não se posicionar)”. A socióloga afirma que não existe uma clareza de como a polícia deve agir em determinadas situações, nem de como o cidadão deve responder a uma intervenção policial. Ela questiona as regras adotadas, por exemplo, em casos de uma batida policial: “como o cidadão deve proceder?, como o policial pode agir?”. Para Jacqueline, ainda faltam regras e sua divulgação para a sociedade, principalmente as que regulamentam “quais tipos de armamentos podem ser utilizados pela polícia; em que casos e o por que seu uso é devido”.

 

 

 

Redação

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