A federalização de crimes de pistolagem

Do Terra Magazine

Federalizar crimes de pistolagem pode reduzir impunidade no Brasil

Odilon Rios
De Maceió (AL)

A vinda do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a Alagoas pela segunda vez em um ano – neste mês de março – pode iniciar uma discussão sobre a onda de violência no Brasil, um dos países em que mais se mata e também um dos mais impunes para os seus criminosos.

Alagoas é o Estado mais violento do Brasil, segundo o ministério. Em 1980 – de acordo com dados coletados pela Union Nations Office on Drugs and Crime baseados em números do próprio ministério de Cardozo – a taxa de mortes, por 100 mil habitantes, era de 14,12; em 2007, 59,48. Um salto de 4,2 vezes.

Poderia-se imaginar que o Estado mais violento do Brasil não recebeu recursos em áreas sociais ou nas polícias.

Afinal, segundo os dados do IBGE, Alagoas é o terceiro Estado com maior número de miseráveis no Brasil: 20,3% de sua população. Perdemos para o Maranhão (25,7%) e o Piauí (21,3%).

E, segundo o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) alagoano, 36% dos eleitores são analfabetos – o maior percentual do Brasil.

Entretanto, segundo o Tesouro Federal, em dez anos (2001/2011), a União triplicou repasse federal ao Estado. É mais dinheiro que a moagem da cana de açúcar – a segunda maior do Nordeste – e que sustenta pouco mais de 20 famílias de usineiros há 300 anos.

Um deles é o parlamentar mais rico do Brasil, o deputado federal João Lyra (PSD): R$ 240,3 milhões.

Em dez anos, Alagoas tirou cinco empréstimos, tendo como avalista os cofres da União. Dois destes empréstimos viraram investigações porque o dinheiro sumiu – quase um bilhão de reais.

E, em seis anos, a Polícia Federal estourou 10 operações, todas para o combate à corrupção – mais de R$ 400 milhões desviados – R$ 300 milhões só na Assembleia Legislativa, onde os deputados acumulam a segunda maior verba de gabinete do Brasil: R$ 39 mil (perde para o Amapá, R$ 100 mil).

A segunda cidade mais pobre do Brasil é Traipu, às margens do rio São Francisco, no sertão de Alagoas. Três operações da PF; em todas, com a prisão do prefeito Marcos Santos (PTB). Ao todo, desvios de R$ 16 milhões. O Ministério Público Estadual pede 100 anos de cadeia contra ele para um dos crimes, e Santos tem mais de duas dezenas.

Se não falta dinheiro – os desvios milionários não deixam mentir – Alagoas padece de um mal típico: um festival de crimes, sem castigo; com a diferença que Raskólnikov, do livro de Dostoiévski, mastiga a culpa pelo assassinato.

Em 1996, o chefe da tributação em Alagoas, Sílvio Vianna, foi assassinado a tiros em Maceió. Carregava uma pasta – a dívida dos usineiros – com os cofres de Alagoas. O crime jamais foi julgado. E nem será: o primeiro a investigar o caso foi o ex-tenente-coronel Manoel Francisco Cavalcante, a pedido do governador; depois, ele, Cavalcante, passou a ser o mandante do crime.

Resultado: dois processos diferentes – e divergentes – no Judiciário local. Nenhuma autoridade ousa uma solução.

No mesmo 1996, o cabo José Gonçalves foi morto em um posto de gasolina em Maceió. Segundo o processo, três deputados dividiram o pagamento a pistoleiros, depois fizeram uma festa na fazenda de um dos parlamentares.

A proposta de morte havia sido feita ao mesmo ex-tenente-coronel Manoel Francisco Cavalcante. Julgado ano passado, ele foi absolvido pelo crime. Por clemência. Responde a outros dez assassinatos. Ele liderava uma organização paramilitar, a Gangue Fardada, na década de 90, financiada por usineiros e políticos locais para matar desafetos – um dos asseclas de Cavalcante era o pai da menina Eloá, Everaldo dos Santos, hoje preso, em Maceió.

Cavalcante foi solto no Carnaval e usa uma tornozeleira eletrônica. Convidou a imprensa local para visitar seu apartamento, sem imagens, à beira-mar, na praia de Ponta Verde, o metro quadrado mais caro de Alagoas. Como um ex-funcionário público, expulso da polícia, mora na Miami de Alagoas? Quem o sustenta?

Paulo César Farias e a namorada, Suzana Marcolino, foram mortos em Guaxuma, um balneário, ainda hoje de luxo, também em 1996. O caso não tem data para julgamento. E, mesmo que o seja, não terá um mandante, apenas os seguranças da mansão são os responsáveis pelo crime.

Há mais crimes: o do professor Paulo Bandeira, acorrentado ao próprio carro e queimado vivo, em 2004; o do estudante Paulo Acioly, queimado vivo em 2009; dois vice-prefeitos assassinados e um dos inquéritos tão mal investigado que teve de ser refeito a pedido do Tribunal de Justiça; assassinatos de sem-terra, homossexuais. Quem matou? Figurões são citados nas tramas macabras. Ninguém castigado.

A federalização dos crimes de pistolagem – como aconteceu com a morte da deputada federal Ceci Cunha – pode ajudar Alagoas a se livrar da mancha da impunidade. Isso não depende do ministro da Justiça, que vai lançar no Estado o quarto plano de segurança em um ano, mas o lobby dele pode ser importante para um ótimo começo, a partir da crise alagoana.

Não é uma solução definitiva. Mas, hoje, apenas confiamos que surja um Raskólnikov, confessando seu crime perante a Justiça. Os russos tiveram mais sorte.

Luis Nassif

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