A polêmica do BNDES: TCU ignorou a Lei de Responsabilidade Fiscal?

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

 
 
Jornal GGN – O repasse antecipado de R$ 100 bilhões pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao Tesouro tem sido alvo de polêmicas. De um lado, sindicatos e parlamentares de oposição criticam que a devolução do grande montante de dívida prejudicará incentivos do banco a micro e pequenos empresários, além de projetos de desenvolvimento para o país. De outro, a Diretoria do BNDES argumenta que tem caixa suficiente, e que a medida não fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
 
Foi no dia 23 de novembro que o Tribunal de Contas da União (TCU) destravou o caso paralisado. Os ministros julgavam se a devolução dos R$ 100 bilhões de uma só vez, e não em três parcelas anuais, era legal. Cinco ministros, em outubro, já haviam votado a favor da operação. Faltava a decisão do ministro Vital do Rêgo (PMDB), que tinha pedido vista do processo.
 
Vital se somou aos outros ministros do TCU para julgar que o repasse não fere a Lei de Responsabilidade, e que a entrada da alta quantia vai favorecer os cofres federais em meio à crise econômica. Interpretou que não só não é ilegal, como seria prejudicial manter a quantia em caixa ocioso.
 
Dessa forma, a maioria decidiu em favor do repasse, beneficiando o governo de Michel Temer, que pretende usar a quantia para reduzir a dívida pública e amortizar despesas com diferenças nas taxas de juros públicos e privados.
 
Entretanto, o próprio ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, havia dado outro destino aos R$ 100 bilhões, que também seriam distribuidos a estados com dificuldades financeiras, para ajustas as contas. “O governo federal deve ter muita prudência no uso desses recursos”, alertou o ministro Augusto Nardes.
 
Já na visão dos sindicatos, entidades e parlamentares da oposição, a medida trará sérios problemas a empresas que dependem da capacidade de financiamento do BNDES. “Nos momentos de crise, o BNDES tem um papel fundamental como impulsionador do desenvolvimento. O crédito do BNDES é o único com longo prazo. A presença dele num momento de crise se faz importante”, manifestou o deputado Enio Verri (PT-PR).
 
O parlamentar foi quem apresentou um requerimento, por meio da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, no dia 30 de novembro, ao Ministério da Fazenda, para obter informações sobre os critérios técnicos que sustentam a decisão do BNDES de devolver a quantia antecipada.
 
Para os deputados da oposição, as medidas relacionadas aos recursos do BNDES feitas durante o governo Temer prejudicam o desenvolvimento econômico, a retomada de crescimento e a geração de emprego. Isso porque, segundo Enio Verri, os R$ 100 bilhões “poderiam estar irrigando a nossa indústria ou financiando os pequenos e micros empresários, que geram emprego e renda para resolver parte do desemprego que é intenso no País”.
 
A crítica ocorre em meio ao contexto de que o empréstimo do Tesouro Nacional foi feito em 2009, durante a crise econômica mundial, com o objetivo de subsidiar as linhas de crédito do BNDES, para seguir emprestando a juros menores do que os praticados no mercado e estimulando as linhas de financiamento disponíveis para as empresas brasileiras.
 
 
 
Mas a questão sobre ser favorável ou não à devolução antecipada entra, ainda, em fatores legislativos. Associações e entidades vão além na crítica: afirmam que a operação é contra a Lei de Responsabilidade Fiscal.
 
Em seu artigo 37, a LRF prevê que “estão vedados recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação”.
 
Por isso, ainda que o TCU tenha julgado a medida legal, a Lei é clara quanto à remessa desse montante. “O texto da lei proíbe expressamente a antecipação de valores em geral, o que inclui o pagamento acelerado de dívidas. O pronunciamento do TCU é apenas uma interpretação da LRF, e de natureza controversa, pois permite o que está explicitamente vedado. É a Justiça que define qual leitura deve ser seguida”, informaram as Associações de Funcionários do Sistema BNDES (AFBNDES, AFBNDESPAR e AFFINAME).
 
As entidades vem cobrando que a Diretoria do banco “reveja sua posição e aja conforme os interesses da empresa que dirige”. “Afinal, o objetivo do artigo 37 é evitar que o controlador, por exemplo, para gerar resultados ou estatísticas fiscais, abuse do poder de controle de forma lesiva a suas controladas e/ou a seus objetivos estatutários”, completaram.
 
Além disso, destacaram que o BNDES precisaria de R$ 150 bilhões anuais para rodar no mesmo nível de 2008, considerando o IPCA. Por isso, defendem que a operação “é lesiva ao Banco, pois destrói valor ao abrir mão de uma fonte de recursos estratégica”. 
 
O posicionamento contraria a explicação dada pelo próprio BNDES, validando a decisão do TCU. Em nota, o Banco afirmou que a possível dúvida neste repasse “foi dirimida de forma irrefutável” pelo Tribunal, “órgão ao qual compete constitucionalmente aferir a legalidade dos atos de gestão financeira de todos os órgãos e agentes públicos federais”. 
 
“A tese defendida pelas AFs [associações de funcionários] se apega a uma interpretação exclusivamente literal da LRF, enquanto o entendimento agora definido pelo TCU interpretou a lei de acordo com a sua finalidade primordial: garantir que a gestão de recursos públicos ocorra de forma a preservar a responsabilidade fiscal”, posicionou-se a Diretoria.
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Abre-se um precedente
    Imaginem se o TCU daria esse voto se a Dilma estivesse no poder. Depois do golpe pode, antes não. Depois dessa interpretação “exótica” o governo poderá, em outras ocasiões, fechar as suas contas bombeando recursos de outros órgãos livremente. Nem os militares foram tão a usados.

  2. As nossas Instituições fora

    As nossas Instituições fora convertidas em organizações criminosas a serviço de um bando de mafiosos que tomou de assalto o poder, com a ajuda de ministros do TCU, devidamente implicados na “sagrada Lava Jato” que só tem um lado…

  3. Pre-sal dá uma força para o tesouro

    No comunicado divulgado em 28/11 a Petrobras informa que o dinheiro da venda dos campos do pre-sal está sendo usado para antecipar pagamentos ao BNDES, que por sua vez repassa ao Tesouro, que os repassa para os estados endividados por causa de uma crise que eles mesmos (os golpistas) geraram.

    Antes não podia mas agora PODE!!

     

    28/11/2016

    Amortização de financiamento bancário junto ao BNDES

    Petrobras informa, em complemento ao Fato Relevante de 22 de novembro de 2016, que o valor recebido de US$ 1,25 bilhão com o fechamento da operação de venda de sua participação do bloco exploratório BM-S-8 para a Statoil Brasil Óleo e Gás LTDA foi utilizado integralmente para a liquidação parcial antecipada do contrato de financiamento celebrado entre a Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG), subsidiária integral da Petrobras, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

  4. dois pesos, duas medidas

    “enquanto o entendimento agora definido pelo TCU interpretou a lei de acordo com a sua finalidade primordial: garantir que a gestão de recursos públicos ocorra de forma a preservar a responsabilidade fiscal”, posicionou-se a Diretoria”

    Enfim, agora o entendimento do TCU seria contra o impeachment da presidente ?!?!?  dois pesos, … duas medidas, para simplificar.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador