As dúvidas no financiamento das obras de infraestrutura

Do Valor

Dúvidas para financiar as concessões

Claudia Safatle

Prosseguem, em ritmo célere, as discussões sobre a proposta de o Tesouro Nacional repassar recursos para um fundo, e deste para os bancos privados e públicos, a título de “funding” para o financiamento das obras de infraestrutura. A ideia, que surgiu como uma forma de superar a demora das análises e aprovação de projetos pelo BNDES, está em debate desde o início do ano. Mas não existe, ainda, um modelo pronto e acabado. Há variações sobre o mesmo tema e, como noticiou o Valor na edição de quarta feira, busca-se, na área econômica, um consenso sobre qual a melhor alternativa para dar partida nas concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.

São inúmeras as dúvidas que rondam a proposta de criação do fundo para prover os bancos de recursos baratos, do Orçamento da União, mas pelo menos duas são primordiais. Não está claro para todos os envolvidos nesse debate se cabe ao Estado fornecer aos bancos tanto os recursos baratos para os financiamentos das obras quanto as garantias dos empréstimos ou de realização das obras, dentre outras modalidades usuais nesse tipo de investimento; ou se é mais correto e adequado apenas fornecer as garantias. E se o BNDES demora até um ano para analisar e aprovar projetos, é preciso se assegurar de que o problema está na burocracia morosa do banco público, e não nos projetos que nem sempre ficam em pé.

São perguntas importantes, pois há notícia de projetos de grandes obras que estimam crescimento econômico de 4% a 4,5% nos próximos 30 anos. Para economistas oficiais, estes estariam superestimando crescimento e demanda. Outros teriam naturezas distintas de problemas. E há, paralelamente, a necessidade de definição de qual deve ser o papel do Estado nessa história toda.

Fundo não deve ser um “bolsa banqueiro”

Uma alternativa intermediária, advogada por técnicos do governo, é a de criar um sistema encorpado de garantias. De posse dessas garantias, os bancos públicos e privados captariam recursos no mercado doméstico e internacional para entrar no pacote de financiamento de longo prazo. A isso se associaria, também, a criação de um fundo, mas com recursos e funções limitadas. Esse fundo receberia os R$ 15 bilhões dos depósitos compulsórios, liberados em dezembro, e operaria somente com os empréstimos-ponte,que serão necessários durante os primeiros meses após os leilões das concessões.

Como são recursos de depósitos à vista, o compulsório deve ser usado para empréstimos de mais curto prazo, para que não haja um descasamento de prazos entre captação e aplicação.

O cronograma é o seguinte: realizados os leilões, as empresas vencedoras das concessões precisariam de um empréstimo-ponte nos três meses seguintes, quando da assinatura dos contratos, para começarem a trabalhar. Os bancos teriam um prazo de seis meses para estruturar os empréstimos de longo prazo para financiar as obras, que estariam concluídas em 30 a 60 meses.

Do pacote de recursos para as grandes obras constam, ainda, as debêntures de infraestrutura, que poderiam entrar na composição de até 15% dos recursos totais e os recursos próprios (entre 20% e 35%), além do BNDES e, eventualmente, de empréstimos sindicalizados de bancos privados.

Associado ao fundo mais restrito, o governo capitalizaria a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), recém-criada, com a migração gradual dos recursos de todos os fundos garantidores existentes (o da indústria naval, do setor elétrico, das PPPS, numa lista de mais de uma dezena de fundos garantidores setoriais). A agência pode ter aporte de até R$ 11 bilhões.

O país, por essa proposta, contaria com apenas dois grandes sistemas de garantias: a ABGF, para os projetos de infraestrutura e outros; e o Fundo Garantidor do Comércio Exterior (com até R$ 14 bilhões).

Não é de hoje a preocupação com a existência só do BNDES como financiador de projetos de longo prazo. O banco de desenvolvimento está no seu limite, dependente de recursos do Tesouro Nacional e não terá como atender à demanda por recursos que se avizinha. É, também, importante integrar os bancos privados na função de intermediação dos recursos para o desenvolvimento do país.

O governo reconhece que há o risco de os bancos privados não aderirem ao programa de concessões. Para contornar essa eventual ausência, ele resolveu permitir que os bancos públicos comerciais (Caixa e Banco do Brasil) também tenham acesso ao dinheiro subsidiado que seria repassado às instituições privadas, hoje privilégio do BNDES.

Na avaliação do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, os banqueiros privados estariam mais interessados em projetos de cofinanciamento junto ao banco estatal, conforme disse em conversa recente com o Valor. Assim, eles aproveitariam da enorme experiência que o BNDES tem na avaliação de grandes investimentos até, um dia, terem seus próprios departamentos especializados nesse tipo de risco.

A modelagem do financiamento aos investimentos de infraestrutura é crucial para o sucesso das concessões, mas a forma precisa ser muito bem avaliada, seja em seus riscos fiscais, seja nos mecanismos de atração das instituições privada. Se for de uma maneira que tanto os bancos privados quanto os públicos sejam isentos de risco – esses sendo totalmente assumidos pela União – essa seria, na visão de quadros do PT, uma nova modalidade de transferência de renda, que eles chamam de “bolsa banqueiro”.

Luis Nassif

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