A Falência de Salvador

Segunda, 02 de Janeiro de 2012 – 09:32

Publicada no Jornal A Tarde em 06 de outubro de 1983 – A Falência de Salvador

por Samuel Celestino

Salvador faliu. Já não há mais como esconder que a crise crônica municipal tornou-se aguda e o município está a um passo do colapso total, o que significa descontrole administrativo, com reflexos nos serviços e até no funcionalismo. E uma crise de origem política, gerada pela incompetência e pelo desatino que marcaram fundo a face desta cidade, no decorrer dos últimos oito anos.

Os desencontros dos prefeitos biônicos com os governadores que os nomearam impuseram a Salvador administrações perversas, descontinuas, carentes de planos urbanísticos, que além de pouco realizarem atrofiaram a máquina administrativa que não acompanhou a explosão urbana da última década. Em conseqüência, Salvador é hoje administrada com a mesma estrutura e com os mesmos conceitos dos anos 50 e 60. Naquela época, havia uma cidade trepada nas cumeeiras e península itapagipana, habitada pela classe média e pela classe média baixa, que também preferiam os bairros dos Barris, Nazaré, Saúde, Garcia, enquanto Canela, Graça e Barra eram o paraíso da classe média Alta e da Burguesia. Nos anos 60 e 70 Salvador desceu para os vales, empurrada pela revolução do automóvel, cujo parque industrial, incentivado por Juscelino, explodiu no final dos anos 50.

Ao descer para os vales, caminhos naturais para o seu crescimento, a cidade recebeu o impacto do êxodo rural e se favelou, ocupando as encostas e inchando a periferia. Neste exato momento faltou visão administrativa para planificar a ocupação das novas áreas do litoral norte, conquistadas pelas avenidas de vale. As administrações descontinuas e trôpegas então se sucedem. Jorge Hagge, Fernando Wilson Magalhães, Edvaldo Brito, Mário Kertész, Renan Baleeiro e agora Manoel de Castro.

A cidade, com sua máquina administrativa atrofiada e carente de planejamento em administrações continuadas, entra em processo de degradação. Hoje, a Prefeitura Municipal é uma estrutura é hipertrofiada e falida, sem recursos, sequer, para simples obras de conservação. Justo dizer que culpa não cabe ao prefeito Manoel Castro, com poucos meses no cargo. Até aqui o seu trabalho é garimpar recursos no Ministério do Planejamento, numa penosa ponte aérea.

Salvador-Brasília-Salvador, obtendo apenas o suficiente para o pagamento de serviços e do funcionalismo (com ajuda do governo estadual) que, de resto, já começa atrasar. O município arrecada, hoje, em torno de 800 milhões a um bilhão de cruzeiros por mês e suas despesas são da ordem de dois bilhões com o funcionalismo, e 1 bilhão com subsídios a este precário serviço de transporte coletivo, para ficar só aí. Com 30 mil funcionários – incluindo-se os aposentados – Salvador vive, de fato, em estado de pré-colapso e em reconhecida situação de falência.

A porta de sida desta crise é a mesma de entrada: política. Os desandos administrativos e as colisões dos prefeitos com os governadores foram resultantes da origem ilegítima do poder municipal, ou seja, porque tais administradores ascenderam aos postos por nomeação. Nestas circunstâncias lês ficaram manietados pelos governadores, a quem deviam irrestrita lealdade e obediência. Sempre que ocorria um deslize maior eram sumariamente demitidos.
Assim, a Prefeitura de Salvador, como as demais capitais, não tem poder de pressão. Manoel Castro, por exemplo, atua numa faixa política limitada pelo governador, de um lado, e pela força política que o indicou para o poder, por outro. À sua frente está a Câmara de Vereadores, esmagadoramente oposicionista (e legítima) e a sua retaguarda fica desguarnecida pela crise financeira municipal.

Se fosse eleito pelo voto popular, com mandato legitimado pela soberana vontade do povo, o prefeito teria poder de pressão, não só direcionado contra o governo estadual como, também, para o poder central. Como a fonte de seu poder é ilegítima, resta-lhe, tão só, aguardar favores que não chegam, enquanto a cidade, se degrada. Uma degradação galopante e impiedosa que não respeita nem a estética nem as tradições de cultura de uma cidade que é berço da nacionalidade brasileira.

http://www.bahianoticias.com.br/principal/viagem-no-tempo/286-publicada-no-jornal-a-tarde-em-06-de-outubro-de-1983-a-falencia-de-salvador.html

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