Chutando o balde do Século XX, Parte 4, por Joaquim Aragão

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

 

Espaços de negócios de uma EDT no campo do comércio e de serviços em apoio ao agronegócio

por Joaquim Aragão 

Chutando o balde…do Século XX ! (Parte 4)

Recapitulando….

Esse artigo fecha uma série de contribuições sobre um novo modelo de financiamento e de investimento para propelir o crescimento regional. A motivação inicial desse modelo tinha sido a viabilização do financiamento de grandes troncos infraestruturais sobretudo nas fronteiras de crescimento, que não seria assegurada pelos métodos tradicionais de parcerias público-privadas e de concessão.

A solução proposta parte da busca da construção de sinergias entre projetos de investimento em infraestruturas e em desenvolvimento econômico, sobretudo industrial, na área de influência. O decorrente ganho de eficiência sistêmica traria, como foi demonstrado ao longo dos outros artigos, um resultado financeira e fiscalmente apropriável para os investimentos públicos e privados na área. Tal abordagem designamos de Engenharia Territorial, que teria por função a concepção, implantação e a gestão de programas territoriais.

Inovações desse tipo são atualmente urgentes dado o esgotamento dos paradigmas de política econômica que dominaram no Século XX (protosocialismo, keynesianismo e monetarismo). No Brasil, que atravessa uma gravíssima crise política, tal esgotamento se soma às falhas estruturais do nosso capitalismo, que designamos de capitalismo “mequetrefe”, preso a uma cultura de indolência conservadora. Essas falhas foram discutidas no primeiro artigo (URL).

No segundo artigo (URL), detalhamos as inovações institucionais, jurídicas e empresariais do novo modelo. O programa territorial emergiria de prioridades estabelecidas no planejamento público, mas também de propostas de investimento privado de efeito estruturante. Por meio de um novo instituto, a Operação Territorial Consorciada, uma empresa seria contratada para gerar resultados econômicos necessários com vistas a aumentar fluxos econômicos e a arrecadação fiscal em uma determinada área (área de referência do programa). Em troca, beneficiar-se-ia da cessão pelo prazo do contrato de ativos públicos de grande valor estratégico, por exemplo, de terrenos favoravelmente localizados em termos logísticos.

Esse contrato, que designamos de concessão por desempenho econômico, dará ampla liberdade para a empresa decidir que tipos de ações e de investimentos serão mais propícios para dinamizar a economia da área. No que tange as metas contratuais para dinamizar a economia regional, essas diriam respeito a) ao número de empregos a serem gerados na área, b) ao número de contratos a serem celebrados com pequenas e médias empresas do território do programa; c) a fluxos gerados; d) à quantidade de áreas a serem recuperadas em termos ambientais; e) assim como à produção de um multiplicador fiscal suficiente para cobrir as despesas do setor público em todo o programa. Ressalte-se que não se pede que a empresa contratada (empresa de desenvolvimento territorial – EDT) gere diretamente essas metas, e sim, por meio de atração e subcontratação, crie um ambiente de investimento e empreendedorismo no território. É desse ambiente que surgiria, então, a movimentação econômica para se atingirem as metas.

A natureza inovadora do negócio da EDT (negócio territorial) foi então objeto do terceiro artigo (URL), que não apenas esboçou a ideia geral do respectivo modelo, mas também mostrou os espaços de sua viabilidade. Esse artigo precedente sinalizou, também, diretrizes estratégicas para que a empresa e a economia regional, por ela dinamizada, possam surfar em um mar revolto de competitividade global entre cidades, regiões e nações. Entretanto, como se avançou nesse terceiro artigo, o negócio de atrair empresas e investimentos é apenas uma parte do negócio, o outro consistindo de financiar a produção.

O presente artigo descreve, então, o modelo de financiamento de programas territoriais, que consiste não apenas de uma simples Engenharia Financeira centrada em alguns poucos ativos financeiros (como é o caso do tradicional bônus de investimento em infraestrutura, fiscalmente incentivado), e sim de um verdadeiro sistema de instituições e operações. Além de viabilizar os empreendimentos a serem atraídos pela EDT no contexto do programa territorial, esse sistema, que resolvemos apelidar de Sistema de Financiamento do Desenvolvimento Territorial (SFDT) contribuirá significativamente para o desenvolvimento regional e para a melhoria da gestão das finanças públicas.

Porque um Sistema de Financiamento de Desenvolvimento Territorial?

Os desafios colocados nas metas de desempenho contratualizadas, concernentes à geração de emprego e de fomento ao empreendedorismo local, dificilmente serão vencidos se dependerem do atual sistema de financiamento à economia, onde as linhas subsidiadas pelo governo encontram limites para a sua expansão, e as linhas de crédito da banca privada são largamente inacessíveis para a massa de pequenos empreendedores.

Portanto, uma inovação financeira faz-se indispensável, para que pelo menos as metas de dinamização econômica sejam realizáveis, viabilizando os investimentos públicos e privados nas infraestruturas e nos projetos produtivos previstos pelos programas territoriais. Assim, o acesso ao crédito para a massa de pequenas e médias empresas e para os consumidores, em condições compatíveis com sua capacidade de geração de renda, passa a ser um parâmetro do desenho dessa inovação financeira.

Tratar-se-á, contudo, de uma inovação que extrapola o desenho de mais um novo ativo financeiro que seria transacionado pelas instituições convencionais, eis que é na estrutura organizacional e de poder das atuais instituições que reside boa parte do impasse ao financiamento à produção.

Primeiramente, já é bem discutido e documentado o divórcio entre o setor financeiro e o produtivo. A multiplicação de ativos financeiros sem substrato real, as ações predatórias das instituições financeiras em cima de empresas do setor produtivo e, no Brasil, a superexploração usurária tanto dos consumidores quanto dos produtores, tudo isso vem aportando riscos à economia e produzindo, aprofundando e alongando crises destrutivas do próprio capitalismo.

Em segundo lugar, dado o fortíssimo risco para a economia que falências bancárias podem provocar na economia, essas instituições têm conseguido obter um alto poder de pressão em cima dos governos, impondo por diferentes maneiras um processo de endividamento público que se autoalimenta e reduz ainda mais espaços para o financiamento à produção.

Evidentemente, não se trata aqui de voltar a antigas e superadas estratégias de estatização e de repressão financeira, que podem jogar, com a água suja, o bebê dos esforços de modernização e das inovações positivas que o período de liberação financeira produziu. Assim sendo, o caminho correto é reconstruir as pontes danificadas entre as finanças e a economia real e estabelecer novas relações organizacionais e de comando entre essas duas facetas constituintes da vida econômica.

Portanto, a inovação deve consistir basicamente de uma reorganização profunda, pelo menos para o contexto do programa e do respectivo território, dos agentes que lidarão com o financiamento da produção; assim como da busca de equilíbrio de poderes entre os mesmos agentes, permitindo que o circuito investimento/crédito – produção – realização de vendas – retorno financeiro funcione com um mínimo de percalços para as empresas inseridas no programa. Além disso, a expansão da moeda creditícia tem de permanecer respaldada pela agregação de valor no circuito real.

Os traços básicos dessa nova reorganização sistema, onde os segmentos da economia financeira e da economia real ficariam concatenados, seriam os seguintes:

  • O circuito financeiro inicia-se com os próprios licitantes, eles provindos do sistema financeiro (fundos de investimento, empresas seguradoras, bancos), que acertariam contratualmente uma meta de desempenho econômico (ver acima), ativando, portanto, a economia real.

  • Caberia à EDT, de origem e propriedade dos licitantes, providenciar a realização dessa meta.

  • Se a meta, de fato, propor um número mínimo de contratos com empresas regionais e de geração de empregos, estará a EDT autorizada a abrir um banco universal, para atuar no mercado de crédito e geral. Designamos esse banco de Banco de Desenvolvimento Territorial (BDT), que terá sua base territorial no programa inicial, mas podendo atuar fora dos limites dessa.

  • Dado que o proprietário do BDT, a EDT, estará amarrado contratualmente às metas de desempenho, esse banco concederia forçosamente os empréstimos em condições acessíveis, mas seguros para o próprio sistema financeiro (explicamos isso na frente), o que lhe facultará reduzir os juros e as tarifas de serviço.

  • Concomitantemente com a viabilização das metas, os ganhos já explanados da EDT, somados agora aos lucros do BDT, esperadamente elevados, devem assegurar um resultado financeiro mais do que satisfatório aos investidores que terão vencido a licitação.

Em suma, visa-se construir um sistema circular de fluxo financeiro que, além da segurança jurídica provida por um contrato de concessão inteligente, por deixar amplas liberdades ao setor privado nas decisões econômicas, permite uma segurança financeira, uma eficiência sistêmica e um clima de cooperação entre agentes públicos e privados.

É importante ressaltar que o programa territorial e suas possibilidades de expansão, assim como o contrato de concessão por desempenho funcionarão como motor central de expectativas de crescimento, pois as subsequentes metas são instituídas como obrigações contratadas. Definidas de forma competitiva na licitação, por mais que constituam um desafio para o concessionário, elas são a garantia efetiva da realização das expectativas.

Além disso, a construção do SFDT parte de instituições e mecanismos já existentes no mercado, que são aqui articulados de maneira inovadora e funcional. Esse redesenho, essa redistribuição de forças entre o real e o financeiro é que abre novas forças de expansão, que os ultrapassados papéis do setor público, do setor produtivo e do setor financeiro estão ainda atravancando.

Componentes principais do SFDT

A figura em anexo explana, a grosso modo, os principais agentes que participam do SFDT, a saber:

  1. Fundo Originário (FO):

Esse é constituído basicamente pelas instituições financeiras que terão participado do consórcio vencedor da licitação, sendo composto por fundos de investimento, seguros e bancos. Uma vez acertado o contrato, essas instituições consorciadas no FO fundam e capitalizam a EDT e o BDT, e exercem função de supervisão das instituições e operações do BDT, em estreita cooperação com o BC.

O FO estruturará um organismo interno, o Organismo Gestor de Controle e Segurança das Operações Financeiras – OCSO, que, por assumir funções semelhantes ao Banco Central no controle prudencial do banco e até no seu resseguro, apelidamos de “Centralinho”. Exercendo, de forma cooperativa com o BC, o controle e o apoio prudencial do BDT, esse organismo alivia sensivelmente a carga desse órgão público, sem prejuízo da segurança do sistema bancário.

Entretanto, o FO poderá também exercer uma função de apoio ao BDT, especialmente na criação e comercialização de ativos financeiros seus, inclusive na formação subsequente de novos fundos.

Uma outra sugestão é que, na licitação, pode ser previsto um “canon” a ser pago pelo FO, no valor presente da nova dívida pública a ser contraída para os investimentos do setor público no programa, como previstos na matriz de responsabilidade. Só que esse pagamento pelo Fundo não seria em dinheiro e sim em títulos públicos já emitidos e adquiridos no mercado secundário. O calendário de pagamentos em títulos corresponderia ao dos investimentos públicos, de forma a garantir a liquidez fiscal.

Na medida em que crie uma demanda efetiva para os títulos públicos, esse tipo de procedimento poderá valorizá-los, permitindo um perfil melhor do novo endividamento público, especialmente na medida em que os programas territoriais se difundam como prática corrente do investimento público.

De maneira geral, os licitantes e o FO beneficiar-se-ão de uma diversidade de receitas, a começar pelos ganhos de dividendos da EDT e do BDT; dos ganhos de investimento em certificados securitizados emitidos pelo BDT e pela EDT; dos ganhos de operações de redesconto com o BDT; dos ganhos de outros investimentos emergentes nos programas territoriais; assim como dos lucros de serviços de seguro e de outros serviços financeiros gerados no contexto do programa territorial.

  1. Empresa de Desenvolvimento Territorial

Com relação a essa instituição, já tratada no artigo precedente, vale ressaltar que as metas de desempenho e sua ação de mobilização da economia criarão o mercado bancário do SFDT. Na medida em que controle o BDT, ela lhe transmitirá ordens e orientação com relação à expansão do crédito, aos juros e aos preços dos serviços, assegurando que as respectivas condições sejam acessíveis ao amplo público de empresas atraídas e subcontratadas, assim como à população consumidora gerada e economicamente empoderada.

  1. Banco de Desenvolvimento Territorial

Essa instituição constitui, então, o motor central do SFDT, podendo ser um atrativo principal para os fundos participarem de programas territoriais. O BDT seria automaticamente autorizado pelo governo na medida em que um número mínimo de contratos com P&ME´s seja assegurado na oferta do leilão. Sua natureza será de banco universal, usufruíndo assim de plena liberdade operacional, contudo sob supervisão rigorosa da EDT e do FO (ou seja, do OCSO). A transparência será adicionalmente garantida pelo estatuto de sociedade anônima.

O desafio decorrente dos custos do banco, que terá de realizar um número mínimo de operações, haverá de ser respondido pela maior segurança das carteiras de crédito, mas também pela terceirização de serviços a empreendimentos FINTECH. Mas concentremo-nos no primeiro ponto.

Uma alavanca central para que o BDT possa gerar, com segurança, uma massa de operações de crédito suficiente para secundar a realização das metas de empenho da EDT é a instituição do crédito assistido (coached credit). Trata-se, aqui, de serviços de crédito que são concedidos a juros acessíveis aos empreendedores, contanto que contratem um serviço de assistência (coach) e um seguro de crédito indicado pelo BDT. O coach contratado será ao mesmo tempo um parceiro e um vigilante do tomador do empréstimo, lhe apoiando no planejamento estratégico e na gestão da empresa e das finanças. Em contrapartida aos juros mais favoráveis, o assistido se compromete com a transparência e a boa prática da empresa e a cooperação com o coach.

Desvios das diretrizes recomendadas pelo coach (por exemplo, práticas de nepotismo parasita ou uso do capital da empresa para financiar consumo de luxo) podem ser sancionados com a extinção do crédito ou com um swap desfavorável. Por mais insolitamente severa e intrometida essa “cooperação” possa aparecer, a maior segurança resultante desse tipo de crédito permite a redução de riscos e dos juros, assim como a qualidade da carteira de crédito do banco.

Uma outra inovação essencial será a cooperação entre a EDT e a BDT para superar significativamente as metas de multiplicador fiscal. A partir de um percentual acima da meta, os recursos arrecadados, que terão surgido por mérito exclusivo do concessionário, não entrarão no tesouro, que já terá sido fartamente ressarcido nas suas despesas, e sim serão entesourados em um Fundo de Garantia dos Certificados Bancários, o que permitirá que o BDT possa captar capital no mercado a menor custo.

O grau de garantia conferido ao certificado poderá variar conforme o risco da operação de crédito, para qual a captação se destinará: por exemplo, a cobertura poderá ser maior para investimentos em inovação, em equipamento urbano, social ou cultural; ou em exportação. E menor, para créditos comuns a empresas e consumidores. Adicionalmente, convênios com o Banco Central poderão permitir que parte do depósito bancário compulsório se destine a esse Fundo, com vistas a que o banco possa captar mais vantajosamente recursos no mercado para financiar capital de giro das empresas.

Uma característica fundamental desse Fundo de Garantia é que os gestores públicos jamais, sob pena de severas punições, poderão incorporar os excedentes significativos de arrecadação ao tesouro. O interesse público envolvido com essa arrecadação estará, pois, suficientemente atendido pelo barateamento do crédito, que irá beneficiar toda a economia regional, portanto a comunidade inteira.

Outros produtos mais convencionais poderão se somar a esses principais, tais como:

  • Letras de Investimentos Empreendedores (LIE´s), essas construídas a partir de carteiras de debêntures lançadas por empresas assistidas em virtude de suas estratégias de investimento, igualmente assistidas (coached Investment); essas letras teriam por função securitizar as debêntures e poderão também ser colateralizadas pelo Fundo de Garantia acima descrito.

  • Cadernetas de poupança empreendedora e cadernetas de poupança de equipamentos mobiliários: essas melhorariam as condições e reduziriam o tempo médio de amortização dos empréstimos hipotecários concedidos a empreendimentos.

  • Aquisição e comercialização de títulos de dívida pública nova: o BDT poderá ter um papel coadjuvante essencial para comercializar títulos de dívida pública gerados em função das responsabilidades de financiamento e de despesas assumidas no contexto do programa territorial, conforme registradas na Matriz de Responsabilidade.

  • Carteiras de investimentos: o BDT construirá, a partir dos papéis emitidos e outros, carteiras diferenciadas, adequadas aos perfis específicos de investidores.

  • Outros produtos correntes típicos de um banco universal, que poderiam ser: serviços de conta corrente para empreendedores e consumidores; linhas de crédito convencionais para consumidores; bancos eletrônicos; créditos consignados; cartões de crédito; leasing; seguros gerais e de créditos; pagamentos em geral; e aquisição e comercialização de títulos de dívida pública em geral. Esses produtos podem, pelo menos em parte, ser comercializados mediante emprego de empreendimentos FINTECH.

De uma maneira geral, o BDT terá como fontes de recursos, além da capitalização inicial oriunda do Fundo Originário, as contas correntes e de poupança, ganhos de serviços de dívida, a emissão de obrigações bancárias, empréstimos interbancários, assim como os lucros retidos das operações bancárias (taxas de serviço, venda de seguros, comercialização de títulos, etc.).

  1. Os Assistentes de Crédito (Coach)

As funções desses assistentes foram descritas na alínea anterior. Para fins de complementação, a seleção dos assistentes deverá obedecer a critérios rigorosos, tais como ser empresário com experiência, com certificação de contabilista e de auditor, e de reputação ilibada. O BDT, em cooperação com a EDT, definirá as diretrizes de relações com o assistido, as obrigações e os direitos.

Um ponto essencial é evitar abuso por parte do assistente. Para esse fim, devem ser organizadas uma ouvidoria e uma instância de arbitragem para casos de conflito entre o coach e o tomador assistido. Suplementarmente, um conselho de coachs definirá diretrizes operacionais e normatizará a solução de conflitos iterativos, e serão previstos processos punitivos para coachs abusivos.

Por outro lado, devem ser definidos claramente os casos de inadimplemento do contrato de coach e os procedimentos remediativos (inclusive, de intervenção), antes da caducidade punitiva do contrato de empréstimo assistido, caducidade esse que poderá acarretar a cobrança de multas severas e outras consequências por quebra de contrato (por exemplo, quitação imediata ou swap punitivo). Evidentemente, esse desfecho punitivo não é de interesse de nenhuma das partes.

  1. Agência de Classificação de Risco de Operações Territoriais- ACROT:

Na medida em que os programas territoriais se proliferem como resultado de uma política pública afim, os respectivos Fundos Originários poderão se consorciar para fundar essa agência. Ela terá por funções não apenas avaliar e gerir de forma sistêmica e objetiva os riscos dos ativos financeiros gerados no contexto de programas territoriais, mas também certificar os coachs. Essa mesma agência poderá, igualmente, instituir um Conselho de Arbitragem geral, para gerenciar conflitos entre agentes e clientes do SFDT; o Poder Público poderá também se beneficiar desses serviços de arbitragem, no limite da Lei.

  1. Instituições públicas e semipúblicas envolvidas

Os agentes do SFDT até aqui descritos (Fundo Originário, OCSO, EDT, BDT, ACROT) terão relacionamento direto com as instituições do setor público e com entidades públicas autônomas. Já foi referida a cooperação entre o Banco Central e o Fundo Originário, aqui representado pelo OCSO, com a finalidade de supervisionar a aplicação de medidas prudenciais pelo BDT.

Igualmente, a EDT cooperará com o Consórcio Público, firmado em função da Operação Territorial Consorciada, e os órgãos da fazenda dos poderes associados, no sentido de verificar os efeitos multiplicadores fiscais, comparando-os com as metas. Essa cooperação estender-se-á ao Tesouro Nacional ou ao respectivo órgão especial criado, para fins de certificação da condição de equilíbrio fiscal do projeto. Essa certificação periódica assegura a permanência do programa no RFE.

Uma vez verificado um excedente fiscal relevante, a cooperação abrangerá o Fundo de Garantia, a EDT e o BDT, com vistas a entesourá-lo e colocá-lo à disposição das garantias.

Outras cooperações do BDT envolverão os órgãos emissores de dívida pública, para fins de respectiva colocação no mercado; a CVM, com vistas a registrar os ativos gerados pelo BDT (inclusive ações); e o BC, tendo em vista a colocação de parte do depósito compulsório no Fundo de Garantia.

  1. Entidades ”filhotes”

No decorrer da expansão do BDT e de suas operações, poderão ser criados novos investidores institucionais (Fundos de Desenvolvimento Territorial – FDT), que investirão em outros programas territoriais pelo Brasil e pelo mundo afora.

  1. O mercado de capital

Os ativos de investimento gerados pelo SFDT destinam-se, em princípio, a uma massa de poupadores e investidores conservadores ou de risco mediano. Esses ativos lhes assegurarão uma remuneração satisfatória e previsível, em função da ação estratégica da EDT na atração massiva de P&ME´s. Tal estratégia é construída a partir dos negócios territoriais concebidos e gerenciados pela EDT, que preveem igualmente o crescimento do rendimento dos ativos.

Além da rentabilidade e do crescimento perspectivo do rendimento, os certificados emitidos pelo BDT destacar-se-ão pela sua segurança e liquidez, garantidos que estarão por Fundos Públicos de Garantia.

Para contemplar os diferentes naipes de poupadores e investidores, o BDT poderá gerar carteiras diferenciadas, construídas pelos ativos de diferentes níveis de liquidez/segurança e rentabilidade/risco.

  1. Por fim, os clientes

Os compromissos contratuais de mobilização econômica no território do programa, assumido pela EDT, deixam antever um portentoso mercado contas bancárias e de crédito, se forem concretizadas as oportunidades de empreendedorismo abertas por uma estratégia competente de completar cadeias produtivas. Entretanto, não se deve assegurar ao BDT o direito exclusivo de operar esse mercado, que deve ser conquistado de forma competitiva, frente a outras instituições financeiras. Em contrapartida, o BDT poderá operar livremente com clientes que não advém dos esforços de mobilização da sua EDT-mãe.

Em suma

O Sistema de Financiamento do Desenvolvimento Territorial aqui descrito apresenta as seguintes características vantajosas:

  • Ele tem por base um esforço sistemático, a ser envidado pela EDT, de concatenação integral e eficiente de atividades econômicas, assim como de redução de custos fixos pela descentralização dos investimentos em uma rede de pequenas e médias empresas. Tal busca sistemática de eficiência sistêmica será a fonte originária da rentabilidade dos empreendimentos territoriais, como mostrado no artigo precedente.

  • Esses efeitos oferecem uma expectativa tendencial crescente por meio de uma estratégia de ampliação dos programas e negócios territoriais.

  • Tais condições, garantidas no plano da economia real por meio de obrigações contratuais junto ao governo, já oferecem uma perspectiva de rentabilidade de ativos financeiros produzidos no contexto dos programas territoriais.

  • Entretanto, outros elementos adicionam aos ativos extraordinária segurança e, consequentemente, liquidez, que são os diversos dispositivos prudenciais (crédito assistido, OCSO, garantias públicas etc.).

  • Às medidas prudenciais se somam a gestão objetiva de risco, providenciado pelos fundos originários e por um organismo próprio de classificação de risco (ACROT).

  • Tais qualidades dos ativos os tornam competitivos com relação a outros, especialmente os especulativos, pelo menos para uma parte majoritária do mercado de capitais.

  • Além disso, o Banco de Desenvolvimento Territorial possui todas as vantagens e liberdades de um banco universal, o que aumenta a rentabilidade própria, e é ainda ressegurado por possantes fundos originários.

  • Portanto, trata-se de um modelo que se destina não apenas a resolver os problemas originários de investimentos em infraestrutura e no desenvolvimento regional no Brasil, e sim resgatar a racionalidade dos mercados de capital.

Além desses efeitos específicos sobre o processo de financiamento de empreendimentos, mobilizados pela EDT em função de seu contrato de concessão e do programa territorial, o SFDT poderá produzir resultados econômicos mais sistêmicos, na medida em que as ferramentas da Engenharia Territorial sejam adotadas como elementos de uma política econômica:

  • Efeito sobre a poupança: O SFDT poderá produzir um aumento da poupança de forma sistemática e funcional em virtude do forte e contratado reforço do empreendedorismo, que terá sua gestão financeira monitorada por profissionais competentes. A prática prudencial das empresas as levarão realizar as poupanças normais de qualquer empresa para cobrir necessidades de capital de giro, amortização do capital e reservas de contingência.

  • Redução dos gastos e do endividamento públicos: A salvaguarda sistemática do equilíbrio fiscal das despesas públicas envolvidas nos programas elimina diversos tipos de “almoço grátis do capital”, que inflam o endividamento público sem garantia de retorno fiscal. Os efeitos dos institutos e das ferramentas da Engenharia Territorial também contribuirão significativamente para a redução programada de gastos e do endividamento público, sem prejuízo do pleno atendimento das necessidades da sociedade, na medida em que diversas responsabilidades que hoje pesam indevidamente sobre os ombros de organizações estatais e do erário público (por exemplo, o incentivo a investimentos industriais e o próprio crescimento econômico) são devolvidas aos seus verdadeiros e originários responsáveis.

Finalizando o chute: Os passos da grande reforma

A presente série de artigos que ora se conclui apresentou um breve diagnóstico da crise que não afeta apenas o Brasil, mas o capitalismo mundial como um todo. Evidentemente, fragilidades específicas do nosso País foram igualmente realçadas.

Como resposta a essa situação de impasse, a série desenvolveu uma proposta estruturada de reforma do nosso capitalismo a partir da busca da maior eficiência sistêmica. Tanto a lógica, a estrutura, as ferramentas e os procedimentos foram explanados, onde introduzimos os conceitos de Engenharia Territorial, programas territoriais, Organização Territorial Consorciada, concessão por desempenho econômico, empresa de desenvolvimento territorial e o Sistema de Financiamento do Desenvolvimento Territorial.

Todas essas inovações, mesmo que algumas dessas possam ser praticadas imediatamente por investidores privados, exigem uma vigorosa discussão e mobilização políticas, com vistas a se proceder uma reforma legal profunda. Os pontos para essa reforma incluiriam:

  1. Lei de Promoção de Projetos de Grande Vulto e de Programas Territoriais

Essa Lei, já apresentada no segundo artigo da série, será essencial para oferecer base e segurança jurídica aos instrumentos aqui expostos. Ela incluiria os seguintes pontos:

  • introdução da obrigatoriedade da análise de impactos econômicos e fiscais para projetos de grande vulto (PGV);

  • introdução de um Regime Fiscal Especial (RFE) para PGV´s fiscalmente equilibrados;

  • definição de Programas Territoriais e extensão do RFE para programas fiscalmente equilibrados;

  • instituição das Operações Territoriais Consorciadas, das Concessões de Desempenho Econômico, das Empresas de Desenvolvimento Territorial e do SFDT.

  • Regime Cambial Especial

Esse regime permitiria o uso de divisas para fins de transações relacionadas com o comércio externo no contexto da Operação Territorial Consorciada, desde que o equilíbrio cambial seja preservado. Essa responsabilidade pode ser inserida nas metas de desempenho, induzindo que a EDT incentive exportações de maior valor agregado.

  1. Regime Tributário Especial

De forma semelhante ao Regime Cambial Especial, os empreendimentos registrados nas metas de desempenho poderão se beneficiar de um regime tributário mais favorável (por exemplo, mediante a substituição da estrutura vigente de impostos indiretos por um imposto sobre o valor agregado). Esse favorecimento dos empreendimentos inseridos na OTC pode eliminar as diferenças entre os interesses políticos das regiões, na medida em que ajude a periferia a se industrializar, ao mesmo tempo que gere oportunidades de investimento para o capital acumulado nas regiões mais industrializadas. Assim, a porta para uma reforma fiscal definitiva estaria aberta.

  1. Política de Redução Programada da Dívida Pública e de Reforma do Estado

Como colocado acima, a situação fiscal pode ser aliviada estruturalmente pelo emprego sistemático de Operações Territoriais Consorciadas e pelo decorrente efeito saneador sobre as finanças públicas. Uma política reforçada que empregue amplamente programas territoriais poderá ajudar a reduzir ainda mais o endividamento público. Isso pressupõe o desenvolvimento de espaços mais amplos para setores não estatais na provisão das necessidades da sociedade, assegurando, todavia, a universalidade do atendimento.

Uma nova reforma do Estado criaria esses espaços, fazendo que o setor público se concentre e desenvolva suas capacidades no planejamento estratégico, na coordenação política, na gestão de conflitos, bem como na preservação da segurança jurídica e dos interesses difusos da sociedade.

  1. Política da Reforma Educacional (Ensino Empreendedor)

As transformações tecnológicas e sociais já em curso e que deverão ser aceleradas pelo amplo emprego de programas territoriais exige uma revolução educacional. Essa deve visar o empoderamento intelectual, econômico, social e político nos diversos estratos da sociedade, o que se faz necessário para que a massa de oportunidades empreendedoras possa resultar no resultado exigido nas metas de desempenho.

Essa revolução, a ser encabeçada por uma aliança entre o setor educacional e o setor empresarial, garantindo-se ampla participação de todos os setores da sociedade, deve priorizar o desenvolvimento de atitudes, habilidades e conhecimento empreendedores, e abranger os diversos elos do sistema educacional.

  1. Lei de Combate à Discriminação Social e a Crimes Contra a Dignidade Humana

Para a superação da “inércia conservadora”, que atrofia nosso capitalismo, é imprescindível que se combata com o maior rigor todo tipo de discriminação social e de condição desumana de trabalho e de vida, eis que tais práticas são instrumentos para preservação de relações de produção incompatíveis com o crescimento econômico sustentável no Século XXI. O barateamento do preço da força de trabalho não apenas é um péssimo substituto para o investimento em inovação, mas também atrofia as capacidades empreendedoras dessa força, necessárias para propelir o crescimento.

Tal lei deve não apenas prever definições de discriminação e de crimes contra a dignidade humana, assim como as respectivas penas, severas, para quem os cometerem, mas também instituir tribunais superiores especiais de equidade, que remedeiem decisões judiciais e atos de Estado patentemente discriminatórios e injustos.

  1. Lei de Transição do Regime Trabalhista

 

Novamente, as transformações tecnológicas e sociais já em curso tendem a reduzir e fragilizar as relações de emprego, que no Século XX asseguravam a essência da demanda agregada e o consenso social minimamente necessário para o desenvolvimento econômico. Com a superação desse tipo de relação em direção a uma massificação do empreendedorismo, que deverá ser secundada pela revolução educacional acima citada, é imprescindível uma política de transição social, onde a flexibilização da legislação trabalhista seja acompanhada de medidas concatenadas com a revolução, e de programas de assistência a estratos que, por idade ou por difícil recuperação cultural, não poderão facilmente se adequar ao novo regime de relações de produção.  

Leia mais:

Chutando o balde do Século XX, Parte 1, por Joaquim Aragão

Chutando o balde do Século XX, Parte 2, por Joaquim Aragão

Chutando o balde do Século XX, Parte 3, por Joaquim Aragão

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Excelente trabalho

    Não sei porque, mas senti o cheiro dos papers da Escola Superior de Guerra, que produzia projetos nacionais com bom embasamento teórico.

    Neste, não li a totalidade por falta de tempo, mas pelo que entendi, trata-se de um projeto holistico que mexe tanto na adminisração do Estado, como nas finanças públicas, o que me parece ser imprescindível.

    Por enquanto a úncia sugestão que me ocorreu, seria colocar um programa de inteligência artificial, tipo do deep mind da Google, para supervisionar a totalidade do projeto e sugerir as ações mais eficiêntes.

    Parabéns ao 

    Joaquim Aragão por chutar o balde.

  2. Ótima sugestão

    Caro Alexander, agradeço por sua contribuição. 

    A caixa de ferramentas da Engenharia Territorial está se completando cada vez mais, e, evidentemente, ferramentas de Gestão de Conhecimento como você citou já estão incluidos no “Mapa Cognitivo”; 

    A prioridade, no momento, é mostrar que financeira e fiscalmente, a idéia fica de pé, e que tanto o setor púbico e o setor privado podem tirar grande proveito, beneficiando sobretudo a sociedade e retomando o crescimento econômico em bases sustentáveis. 

    As novas ferramentas vão sendo desenvolvidas a partir da aplicaçao prática, e as primeiras iniciativas enconytram-se no horizonte. 

    Mas, novamente, agradeço sua contribuição com relação à inteligência artificial.

    Um grande abraço

     

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador