O mercado imobiliário e a mão do Estado

Entrevista Ermínia Maricato – parte 2

Mercado imobiliário depende da “mão invisível” do Estado, diz Maricato

Clique aqui para ler a primeira parte da entrevista

Por Bruno de Pierro, no Brasilianas.org
Da Agência Dinheiro Vivo

Na segunda parte da entrevista concedida ao Brasilianas.org, a ex-secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano da cidade de São Paulo, Ermínia Maricato, explica como o programa Minha Casa Minha Vida colaborou no acesso da nova classe média ao mercado imobiliário, permitindo ao governo federal dedicar-se às camadas mais pobres da sociedade. E como a valorização das terras tornou-se um obstáculo às prefeituras, impedindo a construção de moradias sociais nas regiões mais centrais.

A urbanista da USP também explica porque o mercado imobiliário, apesar da necessidade, não aceita construir moradias populares no centro de São Paulo, a não ser que se façam as desapropriações, e quais suas avaliações sobre o projeto Nova luz e Operações Urbanas, da Prefeitura de São Paulo. Confira.

Brasilianas.org – O que está por trás da especulação imobiliária é o aumento do preço da terra?

Ermínia Maricato – Sim. No total foram umas 20 empresas que foram à bolsa, estocaram terra e precisavam de dinheiro. Elas também ajudaram a desenhar o Minha Casa Minha Vida… E na medida que as prefeituras não apontaram para a função social da propriedade, ou para as ZEIS, ou imposto progressivo, a terra explodiu de preço.

Mas no final das contas, o Minha Casa Minha Vida contribuiu para essa valorização das terras também, certo?

Olha, ao contrário. Na verdade, o programa favoreceu muito a classe média, porque as construtoras e as imobiliárias não produziam para essa camada. E a população de mais baixa renda ficou exclusivamente para a promoção pública. Só que as prefeituras estão enfrentando o preço da terra. O governo fala que o número de moradias de baixa renda é maior do que o número de moradias que não são de baixa renda. Acontece o seguinte: 8% do déficit habitacional é que estava nessa camada que foi priorizada pelo Minha Casa, e o restante está na baixa renda, que na verdade está recebendo um bônus, que para o tamanho da encrenca é ridículo. Por outro lado, o aumento do preço da terra reproduz a exclusão e a segregação.

Mas essa explicação se aplica no Projeto Nova Luz, de São Paulo?

O centro de São Paulo é dito deteriorado, porque tem muita coisa vazia. Ele também não tem um parcelamento do solo adequado para o tipo que o mercado imobiliário gosta. Faz muitos anos que os urbanistas defendem a construção de moradias sociais no centro, pois até pouco tempo ainda estava barato; é a melhor localização do ponto de vista do transporte e da mobilidade; e porque é a melhor região da metrópole do ponto de vista de oferta de empregos. Então, ao invés de eu colocar as pessoas para lá da periferia, que é o que está acontecendo agora, com o aumento de preço, eu tenho que colocar no centro da metrópole, pois assim se reduz as viagens, que tornam essa cidade insustentável. Varias pessoas tiveram propostas para o centro da cidade, inclusive a Erundina e a Marta, e o capital privado não entrou naquele desenho.

A senhora está dizendo que o Poder Público depende, portanto, desse capital privado. Não há como não depender dele?

Se você não traz o capital privado, a prefeitura não tem capacidade de construir tudo o que precisa, então por isso que se direciona o capital privado. Mas o capital privado não veio para as ZEIS, que podem ter governo federal financiando também. O capital imobiliário não entrou no centro, e priorizou a Berrini, o rio Pinheiros e depois um pouco na Zona Leste, Mooca e na Lapa também.

Mas o mercado imobiliário tem se mostrado, agora, um pouco interessado em entrar no centro, não?

Sim, e por causa do Minha Casa Minha Vida, pois ele está procurando desesperadamente por novas localizações. Mas ele não pode entrar numa área muito fragmentada como é o centro de São Paulo. O mercado prefere São Bernardo, por exemplo, onde ele pega aqueles quarteirões que eram indústrias. Porque agora a moda é construir torres que são verdadeiros clubes, e mesmo para a classe média e média baixa eles estão fazendo um simulacro dessa torre com clube. Então, para entrar no centro eles precisavam que a “mão invisível da prefeitura” juntasse os terrenos, e só o Poder Público pode fazer remembramento. E aí o Poder Público desapropria, integra os terrenos e faz a licitação para o capital privado entrar. Coisa que, do meu ponto de vista, é ilegal, pois se ele diz que está fazendo algo por interesse social, eu posso questionar se o que o Poder Público está fazendo se encaixa nessa categoria. No fundo, ele está tirando do privado para devolver para o privado.

Mas então não se deve tirar e recolocar as pessoas, depois das construções?

Não existe tirar e recolocar, é preciso fazer essa desapropriação para remembrar os terrenos. Mas eu poderia construir naquilo que já está lá, começando, por exemplo, com o que está vazio. Tem tantos imóveis vazios devendo… Aliás, tem lei que permite ao Poder Público trocar a dívida pelo imóvel. E não se opta fazer isso, porque o capital que interessa a eles quer terrenos grandes. Se você observar a recuperação de alguns centros, como as cidades francesas, Genebra, na Suíça, até mesmo Lisboa; todas elas foram renovadas mantendo o tecido histórico que já estava lá.

E aí, como já perguntei antes, trata-se da estratégia de revitalização do centro, levando museus, cultura?

Existe uma estratégia, principalmente dos tucanos, e há livros sobre isso, que é a de alavancar a região por meio de equipamentos culturais, que são os museus que você mencionou a pouco, da Língua Portuguesa, Museu da Dança etc. Mas isso não resolve a questão da moradia, afinal quem é que quer resolver a questão da moradia? Uma coisa é você fazer uma cirurgia, que é uma renovação, e outra é fazer uma recuperação. Uma coisa é você fazer terra arrasada e entregar para o mercado imobiliário hegemônico, outra coisa é fazer uma recuperação que também leva em conta a recuperação histórica dos casarões e dos próprios prédios que eram hotéis. Essa discussão é muito importante do ponto de vista urbanístico, porque uma envolve um super aumento do preço do metro quadrado, e a outra pode envolver, como foi uma lei federal na França, um financiamento para a reforma com subsídios, desde que o proprietário deixasse o inquilino que estava lá por mais cinco anos no imóvel.

Qual sua perspectiva para o novo projeto Operações Urbanas, da Prefeitura de São Paulo?

Tenho muito colegas que dizem que na hora que o projeto leva o nome de Operações Urbanas, já dá a entender que se trata de alguma coisa que irá favorecer o mercado imobiliário apenas. Eu diria que qualquer lei no Brasil favorece o mercado imobiliário, sendo aplicada ou sendo ignorada, por causa da correlação de forças. Uma operação urbana poderia perfeitamente ajudar a disseminar a moradia social, mas não com essas características, em que você fala: “bom, eu vou investir e depois vou captar a valorização para aplicar no local”. Na hora que você trabalha com a valorização imobiliária, dificilmente você trabalha com a habitação social.

Mas digamos que, ao invés da Prefeitura de São Paulo colocar maior investimento do seu maior orçamento nas subprefeituras mais ricas – que é o que está acontecendo hoje na cidade de São Paulo (diminuindo o investimento nos bairros pobres)… Por exemplo, tem ruas varridas seis vezes por dia, e tem rua que não é varrida nenhuma vez por ano. Se na cidade rica a gente só fizesse operação urbana, e a cidade rica só pagar pela infraestrutura, você poderia aplicar o que é do orçamento na periferia. É como Robin Hood. Uma operação urbana poderia ser uma coisa interessante, se a prefeitura captasse, e não o mercado. Mas veja que mesmo o conceito de operação urbana é discutível, porém quando se tem uma correlação de forças como acontece agora, qualquer conceito pode ser aplicado em favor do mercado imobiliário.

Luis Nassif

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