Gilberto Gil, 80, a música e a sabedoria

O contato seguinte foi com Gil Ministro, e seu exército de malucos belezas, que produziram a mais relevante revolução cultural do país, levando equipamentos audiovisuais para a selva, os quilombolas e tentando montar conselhos de músicos pelo país.

Conheci a música de Gilberto Gil com meus primeiros acordes de violão. Tinha passado pelo piano e macaquinho e, adolescente, encontrara o melhor amigo, o violão. Os festivais começavam a explodir e a música de Gilberto Gil era o ponto de partida, “Água de Menino”, “Procissão”.

Tentei até umas composições capengas, inspirado em “Procissão”: “a minha mãe me falou / conselho de mãe sempre é sábio / trabalha, trabalha mesmo / desde o amanhã até o anoitecer / que o padre disse que há um céu”. Lembro até hoje a emoção do meu avô Issa, julgando que fosse uma cantiga de paz do adolescente rebelde com a mãe.

Com poucas informações circulando, íamos colhendo informações de Gil aos poucos. Alguém disse que ele era executivo da Gessy Lever em Valinhos. Nem sei se era fato. O que sei é que a noite em que apresentou “Domingo no Parque”, no Festival da Record, foi inesquecível.

Fomos assistir o festival na casa do Celso Sanseverino e da esposa Tutu, um casarão quatrocentão de São João da Boa Vista. Muito uísque antes ou, pelo menos, o suficiente para embriagar os jovens adolescentes presentes. Bêbado ou não, a música foi uma pancada, uma ópera nordestina. Não havia termos de comparação com as demais músicas, apesar das muitas obras-primas da apresentação. Era uma ópera sertaneja.

Depois, teve a fase da Tropicália, até a fuga para a Inglaterra, fugindo da ditadura. Naquele ano de 1969, Rogério Duprat não pode comparecer ao Festival de Poços de Caldas, como jurado, por estar envolvido com o disco dos baianos, gravados rapidamente antes do exílio.

Mas eles se foram com Gil mandando “Aquele Abraço”, que estourou em todo o país.

Antes do exílio, foi lançado o movimento Troopicália.

Quando ele voltou, eu já trabalhava na revista Veja e fui assistir seu show no Teatro da PUC. Depois,m tive a oportunidade única de assistir a gravação dos baianos – Gil, Caetano, Gal – com João Gilberto na TV Tupi, em um dos shows inesquecíveis de Fernando Faro. E conto prosa até hoje que fui o único, de fora da gravação, que ouviu João Gilberto cantar Lupicínio Rodrigues – “Quem há de dizer” – que não entrou na edição final.

Minto. Pesquisando no Youtube, acabo de encontrar a gravação.

Depois, foi o caso de acompanhar cada lançamento e curtir o clássico Tropicália 2 com a música síntese da cultura brasileira, “Desde que o samba é assim”.

O contato seguinte foi com Gil Ministro, e seu exército de malucos belezas, que produziram a mais relevante revolução cultural do país, levando equipamentos audiovisuais para a selva, os quilombolas e tentando montar conselhos de músicos pelo país.

Como já havia escrito sobre o tema, pediram para participar de alguns eventos, para definir algumas ideias básicas de disseminação da arte. Cheguei a conseguir uma equipe da Poli para um mapeamento da economia da cultura, mas a burocracia pública segurou.

Nos encontros, fiz duas sugestões pioneiras, mas que não emplacaram. A primeira, a construção de uma plataforma de música brasileira, antes que se pensasse em Spotify ou em Apple Music. A segunda, a contratação de jovens brasileiros que dominassem o inglês, para se infiltrarem nas redes sociais vendendo o espirito do Brasil. Afinal, os pontos centrais de atração da juventude – música, colorido, natureza, sensualidade – ainda existiam nesse país pré-Bolsonaro. Não pegou.

Hoje em dia, quando fico particularmente desanimado com a destruição do país, é em Gil, Caetano, Chico, Milton, que vou buscar energia para enfrentar o terremoto. Especialmente na resiliência de Gil de, aos 80 anos, continuar brasileiro como nunca, nos iluminando com sua sabedoria e musicalidade

Luis Nassif

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Tive a oportunidade de ouvir Cálice em primeira mão numa apresentação prá lá de intimista para alguns alunos do Icex na UFMG, recém chegado do exílio.
    A simplicidade em pessoa

  2. Reportagem ímpar nesse Brasil arrasado e descaracterizado pelas falso modelo de música agrosertanejo bancada pelas grandes corporações do agronegócio e tbm do pop funk rock de 5ª categoria que impera nas rádios.

  3. Que espetáculo de Texto, Nassif, amei. Fui lendo sem querer parar pra assistir aos vídeos pq me vi naqueles momentos descritos, festivais, discos novos….que época linda da nossa Música, apesar da repressão. Emocionante, revivi por meio de Vc.
    Amanhã volto ao artigo pra assistir aos vídeos. Parabéns!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador