ONG estima o despejo de 22 mil pessoas em São Paulo até o fim do ano

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Fernanda Cruz

Da Agência Brasil

Até o fim deste ano, 50 reintegrações de posse devem ser cumpridas, no centro de São Paulo, com o despejo de 22 mil pessoas, segundo levantamento do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos – organização não governamental (ONG) voltada ao direito à moradia. A entidade trabalha por meio de convênios com a Defensoria Pública e disponibiliza advogados para ajudar, gratuitamente, os moradores de ocupações.

Advogado da ONG, Thiago Santos do Nascimento explica que no pedido de reintegração de posse para imóveis ocupados há menos de um ano, o juiz pode conceder liminar em 15 dias, apenas com a petição inicial. Thiago critica o fato de que, muitas vezes, os ocupantes não são ouvidos e não podem dizer, por exemplo, que utilizam o imóvel há mais de um ano – situação que geraria um processo longo com audiências, sentença e apelação.

“O nosso Judiciário ainda trabalha com parâmetros muito contratualistas. Eles ignoram a Constituição Federal, ignoram o Estatuto da Cidade, ignoram todo o avanço legislativo que o mundo elogia que nós temos. Se você vir as nossas leis fundiárias, elas são muito avançadas. Mas o Judiciário, principalmente o paulista, tende a pegar só a questão do contrato, o Código Civil e ignora todos os outros diplomas, a função social [do imóvel], que está na Constituição Federal”, diz.

Além da falta de diálogo com o Judiciário, as famílias ainda precisam enfrentar a força policial durante as reintegrações de posse.

A Agência Brasil noticiou alguns casos recentes como o de Osasco, quando moradores protestaram ateando fogo nas entradas da ocupação e em um carro e fizeram barricadas. No Conjunto Residencial Caraguatatuba, a Tropa de Choque da Polícia Militar lançou gás de pimenta e bombas de efeito moral contra os moradores. Na desocupação de um prédio na Rua Coronel Xavier de Toledo, moradores foram levados para a delegacia, após a intervenção da Tropa da Choque. Na ação mais violenta do ano passado, em um edifício da Avenida São João, os policiais usaram bombas de efeito moral e balas de borracha. Mascarados se juntaram ao protesto e atiraram pedras contra os policiais. Houve tumulto, saque a lojas e incêndio a ônibus.

Veja o especial Vida em Ocupação da Agência Brasil

Líder do Movimento de Moradia da Luta por Justiça, Ivanete de Araújo critica as ações das forças policiais. “Os policiais não olham quem está dentro do prédio, simplesmente nos tiram de forma agressiva, jogam bomba, batem, jogam gás, bala de borracha. É dessa forma que eles agem contra as famílias sem-teto. Eu me sinto bastante revoltada, até pelo fato de o próprio governo tratar as famílias como lixo, como se fossem marginais”, relata. Ivanete participa de movimentos por direito à moradia desde 1996 e diz que perdeu as contas de quantas reintegrações violentas já enfrentou.

O advogado do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos também faz ressalvas às operações de reintegração e critica, principalmente, os valores gastos pelo Estado.

“Quando você olha para os números, você vê que é algo esquizofrênico, porque vai se gastar tranquilamente R$ 1 milhão numa operação dessas. A PM vai com helicóptero, vai com cavalos, a Tropa de Choque, vai deslocar o efetivo, granadas de gás, todo aquele aparato. Gasta nosso tempo e o do Judiciário para reintegrar a posse de um proprietário que está devendo milhões de reais de IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano] para a prefeitura. Por que se faz isso? Não tem justificativa”, diz Nascimento.

A reportagem entrou em contato com a Polícia Militar, mas não obteve resposta sobre as críticas às ações violentas.

A Agência Brasil conversou com moradores de duas grandes ocupações urbanas na capital paulista. Uma delas sujeita ao cumprimento de reintegração de posse ainda este mês. A outra, com reintegração marcada para amanhã (9), obteve na Justiça o adiamento da determinação. Dificuldades financeiras e a possibilidade de estar perto do centro da cidade são alguns dos motivos que levam essas famílias a morarem em ocupações. Elas não escondem, entretanto, a tensão e o medo de serem despejadas a qualquer momento.

Um contraponto, na terceira parte da reportagem, mostra a história de sucesso de um edifício que nasceu como ocupação e se transformou em um caso raro de usucapião (o direito à posse de um imóvel pelo uso prolongado) coletivo.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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