Reintegração que terminou com prisão de Suplicy revela gargalo ainda maior

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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“Houve uma tentativa da subprefeitura do Butantã em encaminhar todas as famílias para o auxílio moradia. Contudo existem 30.000 famílias recebendo esse tipo de auxílio e o dinheiro para isso acabou, exceto para casos muito específicos.”

Jornal GGN – A reintegração de posse concluída ontem, em São Paulo, após a prisão do ex-senador Eduardo Suplicy (PT), revelou a incapacidade financeira do município de lidar com centenas de famílias assentadas numa área de risco elevado e acendeu um sinal vermelho para outras dezenas de ocupações que se encontram na mesma situação.

Após o episódio da prisão de Suplicy pela Polícia Militar ter ganhado destaque na mídia, a prefeitura foi obrigada a se manifestar, e o prefeito Fernando Haddad (PT) explicou que a desocupação do terreno era necessária e já havia sido adiada por pelo menos quatro vezes.

As famílias que ali estavam desde o início do ano não poderiam permanecer no local conhecido como Jardim Educandário, próximo à Rodovia Raposo Tavares, sob o risco de assistirem a inúmeras tragédias no próximo período de chuvas.

Uma nota assinada pelo supervisor de Habitação da Prefeitura do Butantã, José Fábio Barbosa Ferreira, aponta que mais de 80% do terreno encontra-se em área de risco nível 4, considerado pela Defesa Civil o mais perigoso.

A mesma nota mostra, contudo, que o poder público simplesmente não tinha mais dinheiro para ajudar todas as famílias dessa ocupação. Entre 10% e 20% conseguiram ser removidas com recursos de um programa voltado para famílias em situação de vulnerabilidade social. Mas o destino das demais segue em discussão, uma vez que a Subprefeitura do Butantã já cadastrou em programa de aluguel social cerca de 30 mil famílias advindas de outras ocupações.

Segundo Barbosa, “o terreno em questão é conhecido na prefeitura como ocupação da Carlos Farias, uma área originalmente planejada como praça pública que, desde março de 2014, foi tomada por 211 famílias.” Ontem, os dados divulgados à imprensa tratavam de cerca de 300 famílias.

“Houve uma tentativa da subprefeitura do Butantã em encaminhar todas as famílias para o auxílio moradia. Contudo existem 30.000 famílias recebendo esse tipo de auxílio e o dinheiro para isso acabou, exceto para casos muito específicos.”

O supervisor explicou que os critérios adotados para encaminhar famílias são três: primeiro, avalia-se se as ocupações foram consolidadas (existem há mais de um ano) em área de risco alto e muito alto (“a Carlos Farias tinha menos do que isso na data em que o pedido da reintegração foi protocolado”); segundo, se há “frentes de obras” (algo que não acontecia na Carlos Farias), e terceiro, compatibilidade com a Portaria 131, que dispõe sobre atendimentos em casos de vulnerabilidade socioeconômica (“19 famílias das 211 foram atendidas na Carlos Farias por esse critério”).

Barbosa apontou que ainda existe outro “complicador”, que foi a identificação de famílias que já haviam ocupado outras áreas de risco, foram direcionadas a programas de moradia social, venderam o imóvel que adquiriram com a ajuda do poder público, e retornaram “deliberadamente” para essa “nova” área de risco.

“A falta de movimentos de moradia organizados que estudem áreas destacadas no Plano Diretor Estratégico como ZEIS (zonas especiais de interesse social); disponham de assessoria técnica e jurídica e politizem a questão habitacional dificulta bastante um quadro social já bastante dramático”, avaliou o supervisor.

À parte a situação do Jardim Educandário (ou ocupação Carlos Farias), a região administrada pela subprefeitura do Butantã, com 93 favelas, tem pelo menos outras 16 delas em situação de risco, embora ainda sem data de reintegração.

Abaixo, a nota na íntegra.

“NOTA SOBRE A REINTEGRAÇÃO DE POSSE DA CARLOS FARIAS (JARDIM EDUCANDÁRIO)”

Hoje foi bastante divulgada cena em que o ex-senador Eduardo Suplicy aparece carregado por 04 policiais militares e encaminhado ao 75 DP do Jardim Arpoador, na periferia do Butantã, acusado de “desacato” policial, aparentemente por ter se colocado contra a reintegração de posse em terreno municipal da prefeitura de São Paulo.

Na realidade o Suplicy relata neste depoimento que seu ato foi uma tentativa (de certa maneira exitosa) em impedir o recrudescimento da ação da Polícia Militar, uma vez que uma parte pequena dos ocupantes da referida área ameaçavam resistir e permanecer no terreno.

Não houve, pelo menos neste caso, “truculência” da polícia em relação à pessoa do ex-senador, como se poderá depreender pelo próprio depoimento dele. O que não desmente o fato de que o confronto com os ocupantes poderia ter terminado com um desfecho trágico, por vários motivos entre os quais está a maneira que a polícia militar opera em tais situações. Mas não só isso.

O terreno em questão é conhecido na prefeitura como ocupação da Carlos Farias, uma área originalmente planejada como praça pública que desde março de 2014 foi tomada por 211 famílias. Trata-se de uma área de risco predominantemente alto e muito alto: R1 (baixo); R2 (moderado); R3 (alto); R4 (muito alto).
A Carlos Farias tem 80% em R4, 15% em R3 e 5% em R2, conforme laudo do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). A reintegração havia sido dada desde janeiro de 2016 e foi adiada por 04 vezes. A prefeitura não poderia permitir que a ocupação continuasse crescendo e atravessasse o próximo período de chuvas.

Houve uma tentativa da subprefeitura do Butantã em encaminhar todas as famílias para o auxílio moradia. Contudo existem 30.000 (trinta mil) famílias recebendo esse tipo de auxílio e o dinheiro para isso acabou, exceto para casos muito específicos: 1. ocupações consolidadas em área de risco alto e muito alto (a consolidação se dá depois de 1 ano e 1 dia de ocupação; a Carlos Farias tinha menos do que isso na data em que o pedido da reintegração foi protocolado); 2. Frentes de obras (inexistente na Carlos Farias); 3. Portaria 131, que dispõem sobre atendimentos em casos extremos de vulnerabilidade socioeconômica (19 famílias das 211 foram atendidas na Carlos Farias por esse critério.)

A Carlos Farias não era “consolidada”, nem tinha “frente de obra” e as famílias enquadradas pela portaria 131 foram encaminhadas para o atendimento.

A subprefeitura do Butantã tem 93 favelas. Pelo menos 16 delas está em situação similar, embora ainda sem data de reintegração.

Existe um complicador que é o número de famílias deliberadamente “conduzidas” às áreas de risco com objetivos de serem atendidas pelo auxílio moradia, muitas delas depois de haverem sido contemplada com uma unidade habitacional e de tê-la vendido, voltando depois para as referidas áreas e agravando o ciclo vicioso. Mas boa parte é “inocente”, precisando realmente de moradia.

A falta de movimentos de moradia organizados que estudem áreas destacadas no Plano Diretor Estratégico como ZEIS (zonas especiais de interesse social); disponham de assessoria técnica e jurídica e politizem a questão habitacional dificulta bastante um quadro social já bastante dramático.

O Senador Suplicy sabia disso. Em nenhum momento ele reivindica que os ocupantes da Carlos Farias permanecessem na área de risco. Ele também tinha uma noção muito clara do problema. Ele “deitou” no chão quando percebeu a aproximação do Choque e sua condução ao DP serviu de certa forma para “quebrar o gelo” do confronto iminente.

Boa parte da comunidade já havia abandonado as casas.

Tivemos um desfecho que não foi o que desejávamos. Mas foi o desfecho previsível.
A solução para o problema habitacional exige mais do que frases demagógicas e jogos de cena. O caminho passa pela construção de movimentos de moradia organizados. A Carlos Farias não conseguiu atingir este patamar antes do final do processo judicial.

Como Supervisor de Habitação da Subprefeitura do Butantã desde abril deste ano acompanhei os últimos capítulos deste caso.

Fizemos o possível para que as famílias da ocupação pudessem ser atendidas, mas elas não se enquadravam nos critérios de atendimento, que são sempre mais rigorosos nos momentos de crise econômica.

A palavra final do atendimento é dada pela Secretaria de Habitação (SEHAB). E a SEHAB não tinha recursos para oferecer atendimentos fora dos critérios.

Fábio Barbosa – Supervisor de Habitação da Subprefeitura do Butantã

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

1 Comentário

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  1. NUMEROS, POR FAVOR!

    “Barbosa apontou que ainda existe outro “complicador”, que foi a identificação de famílias que já haviam ocupado outras áreas de risco, foram direcionadas a programas de moradia social, venderam o imóvel que adquiriram com a ajuda do poder público, e retornaram “deliberadamente” para essa “nova” área de risco”:

    Eu conheco essa historia desde no minimo os anos 90, muito antes de BF ou qualquer tipo de ajuda significativa.  Ta mais parecendo a historia das “welfare mothers” com Cadillacs mesmo:  eh fala tipicade quem eh contra programa social nos EUA tambem.  E igualmente nao vai com numero nenhum de suporte.

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