A Abril Cultural e a propaganda nazista no Brasil, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

Desde tenra idade acostumei a ser um leitor profícuo. À medida que meus interesses foram se modificando pulei da literatura infantil para a literatura adolescente, desta para a literatura adulta e comecei a ler livros de filosofia aos 16 anos de idade. Quando entrei na Faculdade de Direito em 1985, além dos livros específicos do curso, passei a ter interesse por política e sociologia. Formado fui atraído pela história e desta fui naturalmente levado aos livros de antropologia. Mas nunca perdi a oportunidade de voltar a ler livros das áreas que já haviam despertado meu interesse.

Conclui meu Bacharelado em Letras no início do século XXI. Durante este curso aprendi a dissecar textos literários. Durante o curso me interessei por análise do discurso e passei a empregar as novas habilidades que adquiri para destrinchar textos políticos. Também passei a me dedicar a análise do discurso cinematográfico, como os leitores já devem ter notado neste blog.

Quando começou a II Guerra do Iraque notei minha mais completa ignorância acerca deste assunto. Em razão disto comecei a ler livros de história militar. Com a popularização dos documentários em CD me tornei um colecionador. Tenho dezenas de documentários sobre a I e II Guerra Mundial, sobre a Guerra da Coréia, Guerra do Vietnã, sobre a guerra suja ocorrida no Brasil pós 1964 e, é claro, sobre os conflitos mais recentes envolvendo os norte-americanos. 

Hoje revi um destes CDs, o volume 6 da coleção Battlefield, produzido no Brasil pela Abril Cultural. O documentário tem pouco mais de 1 hora e ½ e a aborda o cerco a Leningrado. A coleção, lançada no Brasil e 2008, foi originalmente lançada pela Eagle Rock Entertainment Ltda., uma empresa com sede em Londres.

O documentário foi realizado com cenas de guerra feitas por alemães e russos. O movimento de tropas é elucidado por esquemas elaborados sobre mapas do teatro de operações. As estratégias, tropas, armas, avanços, recuos, vitórias parciais e os efeitos do clima da região de Leningrado são descritos através de um discurso envolvente e rico em detalhes sobre toda a campanha.

A agressão nazista à URSS é claramente referida no início do documentário. Mas à medida que o mesmo evolui o discurso vai sendo sutilmente modificado para que o telespectador sinta repulsa pelos russos e admiração pelos nazistas. Os invasores nazistas são descritos como profissionais e comandados por oficiais altamente preparados. Eles melhor equipados que seus adversários e sua motivação é alta. Sorridentes assassinos nazistas são mostrados em imagens de propaganda nazista sem qualquer crítica aos abusos que eles cometeram no front russo (extermínio de civis, judeus e etc…). Os russos são caracterizados mal preparados, desmotivados e desprovidos de comandantes capacitados. Eles estão mal equipados e agem de forma desesperada.

O discurso elogioso aos nazistas não sofre qualquer interrupção. Mesmo quando eles atolam na lama e congelam no inverno russo, o narrador sempre se refere ao profissionalismo e ao elevado espírito combativo dos exércitos alemães que cercaram Leningrado. O sofrimento dos civis russos é pouco explorado e para realçar a imagem negativa dos agredidos. O narrador faz uma longa e detalhada digressão sobre os casos de canibalismo que ocorreram durante o período de fome imposta pelo cerco. Casos de canibalismo também ocorreram entre as tropas alemãs na Rússia, mas este fato é cuidadosamente omitido pelo narrador.

A derrota dos alemães não é atribuída à virtude do Exército Vermelho e sim à estupidez de Hitler, que abandonou à própria sorte os exércitos que cercaram Leningrado. A superioridade dos novos armamentos russos utilizados nesta batalha (aviões e mísseis) é um tema pouco explorado. À medida que os alemães começam a recuar, o narrador passa a chamar os nazistas de “defensores”. O uso deste vocábulo é bastante significativo, pois o telespectador é levado a crer que os russos são os “agressores” muito embora a URSS tenha sido deliberada e criminosamente invadida pelo infame III Reich.

Durante o documentário, o narrador cita as virtudes da SS durante o recuo das tropas alemãs. O papel infame das SS durante a campanha da Rússia (o extermínio de judeus na retaguarda da Wehrmacht) é omitido. Também não há uma só referência ao extermínio a sangue frio dos oficiais políticos do Exército Vermelho capturados pelos nazistas.

Nos minutos finais do documentário ocorre uma verdadeira apoteose de propaganda nazista. Ao invés de elogiar a vitória da URSS sobre o famigerado III Reich em Leningrado, o narrador elogia os soldados alemães que ficaram presos numa península e lutaram bravamente até o amargo fim. Segundo ele, os “defensores” alemães demonstraram grande motivação e elevado profissionalismo até se renderem aos russos.

A vitória soviética é depreciada pela referência ao fato de centenas de milhares de nazistas terem sido transformados em prisioneiros de guerra e obrigados a trabalhos forçados na URSS. Em momento algum o narrador menciona que os alemães foram, com justiça, obrigados a reconstruir o que eles mesmos haviam destruído desde que invadiram a Rússia. O documentário termina com um soldado nazista sendo condecorado pelos feitos heróicos durante a retirada de Leningrado. Os heróis soviéticos que salvaram a cidade dos nazistas são cuidadosamente esquecidos.

O discurso utilizado pelo documentário não é isento e baseado em fatos, tampouco leva em consideração o sofrimento humano inenarrável imposto pelas tropas regulares alemães e pelas SS aos soviéticos. A apologia ao nazismo em alguns momentos é evidente. O Brasil proíbe a censura, mas possibilita a punição dos abusos cometidos. A Lei 7.716/89 criminaliza a apologia ao nazismo, aos nazistas, ao III Reich e às famigeradas SS.

Quando o MPF começará a investigar a Abril Cultural e punirá os culpados pela fabricação e comercialização da coleção Battlefield? A empresa será proibida de continuar a produzir e distribuir referida coleção? Se o Procurador Geral da República quiser posso enviar a ele o volume 6-Cerco a Leningrado e ele poderá então confirmar tudo que foi dito aqui.

Fábio de Oliveira Ribeiro

14 Comentários

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  1. Lúcida e oportuna crônica,

    Lúcida e oportuna crônica, Fábio Ribeiro. Mas nenhum MP (seja nos estados ou mesmo da União) se interessará em investigar um pseudo-documentário com apologia ao nazismo, lançado pela abril Cultural. Eles estão muito ocupados, investigando o ‘tríplex’ que Lula jamais possuiu ou o sítio em Atibaia, no qual costuma passar períodos de descanso e do qual jamais foi proprietário. No Rio, um procurador do MPE quis histrionicamente aparecer, determinado que uma edição virtual de ‘Mein Kampf’ lançada em Portugal não possa ser comercializada no estado; a esdrúxula proibição, como agora bem sabemos, tem o objetivo de impedir a comercialização de uma edição impressa (e comentada por estudiosos), recentemente lançada pela Geração Editorial, cujo editor-diretor-proprietário é o jornalista Luís Fernando Emediato, não por acaso um crítico da direita e centro-direita e que vem publicando importantes livros com denúncias de corrupção do tucanato e da direita oligáquica brasileira.

    1. Tenho certeza de que você
      Tenho certeza de que você gostou da apologia ao profissionalismo e dedicação dos nazistas. Também deve ter gostado dos elogios às tropas da SS. Suponho que você nem notou as omissões apontadas por mim.

      PS: Não fiz um elogio a sua pessoa.

      1. Desculpe-me se o

        Desculpe-me se o contraditório de choca, mas aceite que tem gente que pensa diferente de você. Os alemães, que ninguém são vai dizer que eles tinham razão em fazer a guerra, foram sim soldados muito eficientes e bem preparados, tanto que uma fração da área do Planeta que eles ocupam deram trabalho para o resto.

        Quanto punir a Abril, eles só revenderam os DVDs, não criaram eles. São histórias contadas como outras tantas com viez político ideológico. Todas as histórias estão enviesadas nesse sentido. Nem pos isso se deve aceitar tudo, né?

        “Quando o MPF começará a investigar a Abril Cultural e punirá os culpados pela fabricação e comercialização da coleção Battlefield?”

        1. Suas convicções, pró-nazistas

          Suas convicções, pró-nazistas ou neo-nazistas, não me interessam. Você tem todo o direito de, dentro do seu lar, usar suásticas e cumprimentar seus camaradas à moda de Hitler. Todavia, a Lei brasileira que proibe propaganda nazista deve ser cumprida quer você queira quer não. Se você é incapaz de entender isto em algum momento você mesmo se tornará réu. Ha, ha, ha…

          1. Respeito muito sua opinião neste blog

            Caro Fábio, mas quem está sendo radical é você. Discutir a eficiência e profissionalismo do exercito alemão não é apoiar Hitler ou suas políticas de exterminio. Eu possuo a coleção 70º aniversário da 2º guerra mundial e exemplares da coleção Battlefield infelizmente publicadas pela editora Abril. Comprava mas sabia o mal que esta editora faz ao nosso país. Mas estas edições na sua maioria são produções da rede BBC Britânica e esta sempre demonstrou profiissionalismo e imparcialidade em suas produções, ao contrario das produções americanas como do canal history channel. Não tenho o exemplar sobre Leningrado, mas outros que eu assisti mostram muita imparcialidade histórica. Sugiro assistir você ao episódio antes de classicar ou julgar opiniões contrárias. Sou consumidor voraz de história militar e respeito muito, embora não deixe de condenar, os atos do exercito alemão na 2º guerra mundial. Afinal, foi preciso as maiores nações do mundo se unir para vence-la.

  2. bom alerta…
    mas a veja já é

    bom alerta…

    mas a veja já é um reduto de farscistas há tempos e ninguém

    toma nenhuma providiencia.

    e olha que eles se renovam em infamias semanalmente…

  3. Ora, veja!

    Não é necessário ler a bem redigido e fundamentado artigo do Fábio de Oliveira para ter a certeza das inclinações ideológicas da Veja. Basta, somente acompanhar suas infames manchetes da chamada mídia “livre”. Diante de Deus, quando deixarem a carcaça entregue aos cuidados dos vermes, se darão conta dos crimes cometidos. Tarde demais. Retornarão para o devido resgate. Assim acredito. 

  4. Fábio, apesar do universo de

    Fábio, apesar do universo de conhecimentos bem adquiridos e analisados com postura crítica, no íntimo, é um inocente bem intencionado.

    Acreditar que o MPF vai investigar e processar um dos seus aliados, a Editora Abril, revela não ter lido Raimundo Faoro.

    Mas, o post é válido, se o mesmo visava fazer uma denúncia sobre as atividades dos nazistas nativos, entretanto, poderia ter parado antes do questionamento/apelo ao MPF.

    Se bem que o questionamento/apelo ao MPF também é válido, pois coloca o órgão público sob suspeita, se não agir.

    Enfim, retiro o que eu afirmei de início sobre o Fábio: ele não é tão inocente assim.

    Tenho dito.

    1. 450 kg de cocaína tucana
      450 kg de cocaína tucana apreendidos num helicóptero tucano dentro de uma Fazenda tucana e nenhum denunciado. Cinco pessoas delatam Aécio Neves por receber propina de Furnas e nenhuma denúncia . O fato de voce chamar o MP tucano de Órgão Público diz muito sobre sua inocência.

  5. Cabelo em ovo de galinha.

    A única coisa que me pareceu questionável no documentário são paraquedistas alemães portando Stg44 e Panzerfaust aparentemente já no início do Cerco de Leningrado…

    Vejamos estes trechos abaixo.

    “Mas para alguns, o alimento trazido através do gelo [referência aos comboios que chegavam pelo congelado Lado Ladoga] era pouco e chegara tarde demais. Vítimas da fome, sofrendo de pressão baixa e desgaste do coração e de órgãos internos, jamais recobrariam a saúde. Muitos morreriam depois, antes do alimento e dos suprimentos médicos chegarem. As crianças sobreviventes saíram traumatizadas pelo cerco.

    ““Como lembrou uma testemunha: “Isso se refletia no modo como as crianças brincavam sozinhas. Pelo jeito com que, até nos jogos coletivos, brincavam em silêncio com os rostos sérios. Vi o rosto de crianças que refletiam tanta dor e sofrimento que aqueles olhos e faces contavam muito mais do que todas as histórias do horror e da fome.””

    Mesmo tratando-se de um documentário de uma hora e meia essencialmente sobre operações militares, a questão do sofrimento dos civis não foi esquecida.

    “Casos de canibalismo também ocorreram entre as tropas alemãs na Rússia”

    Mas não durante o Cerco de Leningrado; e sim durante o cerco soviético aos alemães que atacavam Stalingrado.

    Estou certo ou você tem melhores informações?

    Lembremos que o documentário é sobre o primeiro episódio.

    “o narrador cita as virtudes da SS durante o recuo das tropas alemãs.”

    As SS – ou ao menos suas principais divisões – eram excelentes soldados.

    Reconhecer esse fato torna alguém nazista?

    Observe-se que o documentário menciona tanto o bolsão soviético em Oranienbug – jamais vencido – quanto a resistência dos remanescentes do Grupo de Exércitos Norte germânico na Curlândia até o fim da guerra.

    “A apologia ao nazismo em alguns momentos é evidente.”

    Fábio achou cabelo brotando em ovo de galinha.

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