Afinal, qual o governo que foi derrubado pelo Golpe de 01 de Abril de 1964?

Jango e Brizola no enterro de Getúlio Vargas
O Golpe Civil-Militar de 01 de Abril de 1964 e a Ditadura que se implantou na sequência tem sido dois dos temas mais estudados e pesquisados no Brasil nas últimas décadas.

E este é um dos assuntos que mais me desperta interesse e curiosidade. Por isso é que, frequentemente, compro e leio novos livros a respeito deste tema.

Atualmente, estou finalizando a leitura do livro ‘João Goulart – Uma Biografia’, do historiador Jorge Ferreira, renomado e respeitado estudioso do período da história brasileira que vai de 1930 a 1964, em especial, e que muitas obras sobre o Trabalhismo ou o Populismo já publicou ou organizou.

Na obra em questão, Jorge Ferreira mostra, de forma detalhada, como se desenvolveu o processo histórico que levou à derrubada do governo de João Goulart em 1964.

Tradicionalmente, sempre se disse que o Golpe de 64 teria sido levado adiante, pelas forças mais conservadoras da sociedade brasileira da época, para se impedir que Jango promovesse as mudanças previstas nas famosas ‘Reformas de Base’ (agrária, urbana, eleitoral, administrativas, tributária, entre outras).

Na visão janguista-trabalhista, tais Reformas de Base teriam, como resultado, a construção de uma Nação mais justa, soberana, democrática e igualitária. Tal doutrina deixava bem claro, no entanto, que tudo isso seria feito dentro das regras do jogo democrático, como o próprio Jango,bem como o próprio programa do PTB do período 1953-1965, sempre disse que o faria.

É sempre bom deixar claro que o PTB janguista nada tem a ver com o atual PTB, que é um partido conservador e fisiológico. O PTB janguista de 1953-1964 era um partido ideologicamente definido, sendo uma agremiação de centro-esquerda, na linha da Social-Democracia escandinava e do Trabalhismo britânico da época, mas com fortes tons nacionalistas.

Porém, a leitura do livro de Jorge Ferreira sobre Jango deixa bem claro, a meu ver, que o projeto janguista e reformista do PTB passou a sofrer, a partir de 1961, quando a tentativa golpista de impedir a posse de Jango na presidência da República foi derrotada, a concorrência de um novo projeto político, muito mais radical e com tons nacionalistas e reformistas muito mais fortes do que aquele representado e defendido por Jango e pelo PTB. Esta nova corrente política foi a dos Nacionalistas Radicais ou Nacional-Revolucionários.

A derrota dessa nova tentativa de Golpe, em 1961, e que foi realizada pela Direita conservadora, lacerdista, com o apoio do ‘Estadão’, de ‘O Globo’ e da ‘Tribuna de Imprensa’ (de propriedade de Carlos Lacerda) levou ao fortalecimento desta nova corrente nacionalista radical, cujo principal líder, representante e porta-voz era o ex-governador gaúcho Leonel Brizola.

A partir desta vitória, essa corrente nacionalista radical passou a exercer uma crescente influência sobre os movimentos sociais do período (sindical, estudantil, camponês, de intelectuais). Gradativamente, esse nova corrente política tornou-se hegemônica no campo progressista da época, deixando cada vez mais o PTB janguista em segundo plano e confinado ao campo de uma tendência de Centro-Esquerda. No campo das Esquerdas propriamente ditas, eram os Nacionalistas Radicais que davam as cartas.

No livro de Jorge Ferreira fica nítido, a meu ver, essa perda de influência de Jango e do PTB que seguia a sua liderança (o que excluía a facção mais radical do partido, que era liderada por Brizola) sobre os movimentos sociais da época.

Enquanto Jango e o PTB permaneciam firmes na defeda das Reformas de Base e na tese de que as mesmas deveriam ser adotadas progressivamente, respeitando-se as regras do jogo da Democracia liberal vigente no Brasil naquela época, as ideias e propostas mais radicais dos Nacionalistas-Revolucionários liderados por Brizola começaram a se tornar dominantes entre as forças de Esquerda e Nacionalistas daquele período histórico.

Também não se pode esquecer do crescente prestígio e popularidade do então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, que também foi ganhando terreno e conquistando adeptos entre as forças progressistas do país naquele momento, passando até a ameaçar as lideranças, mais tradicionais e mais fortes, de Brizola e de Jango.

Mas, de fato, a tendência dos Nacionalistas Radicais (composta pelo CGT, UNE, Ligas Camponesas, militares da linha nacionalista e brizolista dentro das Forças Armadas, como era o caso dos sargentos, entre os quais a influência de Brizola era imensa, e a CGTI) era o novo, enérgico, vibrante e mais forte movimento político que surgiu no Brasil no período 1961-1964.

Tal movimento passou a disputar a hegemonia, com o PTB janguista, no campos das forças de esquerda e nacionalista naquele momento histórico.

Entre 1961-1964 essa influência cresceu sem parar e, de fato, principalmente nos meses anteriores que antecedem ao Golpe de 64, ela se torna a tendência hegemônica campo das forças progressistas brasileiras, ultrapassando a influência (pelo menos entre os movimentos sociais) do PTB janguista. E o aumento deste prestígio ocorre até pelo crescente desgaste e enfraquecimento do governo Jango durante o segundo semestre de 1963, ainda mais depois que o Plano Trienal e as Reformas de Base foram rejeitadas pelo Congresso Nacional, onde o PTB janguista era francamente minoritário.

Entre as principais propostas dos Nacionalistas Radicais daquele período, estavam:

  1. Aumento da intervenção estatal na economia, promovendo novas nacionalizações, no setor petrolífero. Defendia-se, por exemplo, que a Petrobras deveria tomar o controle de refinarias então em mãos do setor privado.
  2. Convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, exclusivamente formada por representantes dos grupos esquerdistas e nacionalistas (deixando de fora, portanto, as forças conservadoradas, mesmo as mais moderadas).
  3. Reforma Agrária sem prévia indenização em dinheiro.
  4. Fechamento do Congresso Nacional.
  5. Monopólio do câmbio e das exportações de café.
  6. Nacionalização do sistema financeiro.
  7. Legalização do PCB.
  8. Imposto de Renda progressivo sobre o patrimônio.
  9. Decretação unilateral da moratória da dívida externa.
  10. Limitação dos aluguéis residenciais.
  11. Imposição de limites aos investimentos estrangeiros.

Tal conjunto de propostas defendidas pelos grupos nacionalistas radicais ia muito além do que as Reformas de Base do PTB janguista pretendiam.

Assim, o programa Nacionalista Radical era muito mais agressivo e exigia mudanças muito mais rápidas do aquelas que o PTB janguista apoiava.

Além disso, enquanto Jango e o PTB que seguia a sua liderança diziam que as Reformas de Base deveriam ser feitas dentro das regras do jogo democrático, o programa Nacionalista Radical previa o fechamento do Congresso Nacional e a sua substituição por uma Assembléia Constituinte na qual as forças conservadoras, mesmo as mais moderadas, estariam excluídas.

O então presidente João Goulart tentou de tudo para viabilizar as Reformas de Base do PTB, porém as mesmas sempre acabaram esbarrando nos mesmos adversários:

A) Nas forças conservadoras que entendiam que elas ameaçavam os seus privilégios e o seu poder tradicional e que, portanto, ou rejeitavam totalmente as Reformas de Base (caso da UDN e, principalmente, de Carlos Lacerda, seu principal líder), ou então a aceitavam, mas apenas parcialmente e desejando que as mesmas fossem realizadas de forma mais lenta e cautelosa (o que era o caso, principalmente, do PSD, partido aliado do PTB desde 1945).

Aqui vale uma observação importante: Algumas facções mais progressistas do PSD de JK e Tancredo até apoiavam as Reformas de Base, mas não eram majoritárias dentro do partido… A maioria do PSD tendia a manter as reformas dentro de limites mais estreitos e desejava que as mesmas fossem realizadas de forma mais lenta e gradual… Até aceitavam algumas mudanças, mas não muitas e nem que elas se desenvolvessem de forma muito rápida.

B) No crescente prestígio e influência dos Nacionalistas Radicais entre os principais movimentos sociais da época (sindical, estudantil, camponês, de intelectuais e também entre a Esquerda mais tradicional, representada pelo PCB).

O principal líder desta tendência, Leonel Brizola, desfrutava de uma crescente popularidade em todo o país e sua postura muito mais agressiva e enérgica do que a do calejado e habilidoso negociador que era Jango, aumentava ainda mais o seu prestígio dentro do campo político progressista brasileiro da época.

E é claro que tanto os grupos mais Conservadores, como o dos Nacionalistas Radicais, fizeram de tudo para inviabilizar o sucesso das Reformas de Base janguistas, pois cada uma destas tendências possuía o seu próprio projeto político. E ambos os projetos eram muito diferentes daquele defendido pelo PTB janguista.

Estes foram, essencialmente, os grandes projetos políticos que se chocaram frontalmente no período de 1961-1964.

O fracasso das inúmeras tentativas de Jango em colocar as Reformas de Base em prática ocorreu, portanto, em função da falta de sustentação política para as mesmas.

E isso acontece, como eu disse há pouco, porque havia outros projetos políticos disputando a hegemonia no país naquele momento e para que eles conseguissem atingir os seus objetivos era necessário, é claro, inviabilizar o projeto das Reformas de Base do PTB janguista.

E foi exatamente isso que aconteceu.

Daí, com o fracasso das Reformas de Base, o então presidente João Goulart ficou diante de um dilema: O que fazer, agora? Se levarmos em consideração que Jango jamais pensou em se aliar aos seus inimigos da UDN e aos setores mais reacionários das Direitas tupiniquins do período, sobravam, basicamente, duas opções para o então presidente da República:

A) Se aliar ao PSD e levar o seu governo em banho-maria até o final do seu mandato e passando a faixa presidencial para o seu sucessor (que, quase com certeza, seria JK), mas abrindo mão do sonho de toda a sua vida, que era a de mudar e transformar a realidade brasileira através das Reformas de Base;

B) Se aliar a Leonel Brizola, Arraes, Prestes, ao PCB, CGT, UNE, Ligas Camponesas e promover (na lei ou na marra, como diziam os nacionalistas radicais) um projeto de mudanças e de transformações muito mais radical, agressivo e também muito mais rápido do que aquele preconizado pelas suas Reformas de Base.

No comício da Central do Brasil, no dia 13 de Março, o então Presidente João Goulart fez aquele que foi o melhor e mais emocionante discurso de toda a sua carreira política. Talvez porque esse discurso foi a sua ‘Carta Testamento’, a sua carta de despedida da política brasileira (pelo menos durante um certo período de tempo… Jango apenas não sabia que seria por tanto tempo assim e que morreria, triste e desolado, no exílio).

Neste discurso, Jango resume a sua visão política e o que desejava para o Brasil: ser um país moderno, desenvolvido, soberano, com justiça social e fazer, tudo isso, respeitando-se as regras do jogo democrático (algo que nem as forças mais conservadoras e nem as do grupo nacionalista radical aprovavam… Ambos, de fato, desprezavam a própria ideia de Democracia Liberal e queria adotar soluções autoritárias para o país naquele momento).

Porém, no livro de Jorge Ferreira, mostra-se que, no dia seguinte ao comício da Central do Brasil, a Presidência da República enviou uma Mensagem ao Congresso Nacional.

E nesta Mensagem estavam contidas todas as principais ideias e propostas dos grupos Nacionalistas Radicais, incluindo, por exemplo, a de pressionar o Congresso Nacional com grandes comícios pelo país inteiro a fim de que este aprovasse as Reformas de Base.

Além disso, a mesma Mensagem Presidencial propunha um grande aumento da intervenção estatal na economia, realizando-se uma série de obras importantes e de grande porte em rodovias, usinas hidrelétricas, petróleo, mineração, escolas, hospitais.

Na página 434 do livro, Jorge Ferreira diz o seguinte:

“Mas é inegável que a Frente de Mobilização Popular (Obs.: a FMP englobava os principais movimentos sociais nacionalistas radicais da época, como o CGT, UNE…) manifestava desprezo pelas instituições liberais democráticas. Nos discursos das lideranças de esquerda e do próprio governo, PRINCIPALMENTE COM A MENSAGEM PRESIDENCIAL (Obs.: coloquei em maiúsculas para enfatizar essa frase, é claro, pois irei comentá-la depois), o regime político era descrito com imagens bastante negativas: a Constituição de 1946 estava ultrapassada, o Congresso Nacional era um antro de latifundiários, e novas formas de governabilidade deveriam ser implementadas – a exemplo de plebiscitos, delegação de poderes e uma Constituinte formada por operários, camponeses, sargentos e oficiais militares nacionalistas… A FMP e o PCB não escondiam que seu projeto era governar o país com exclusividade, impondo seu programa de governo e não considerando outras tendências políticas do quadro nacional – vistas como conservadoras, decadentes, reacionárias, entreguistas.”.

Portanto, o teor da Mensagem Presidencial do dia 14 de Março de 1964 constituía um programa muito mais radical de mudanças e de transformações do país do que aquele defendido, originalmente, por Jango e pelo PTB, que era o de se promover as Reformas de Base respeitando-se as regras do jogo democrático.

E foi esta Mensagem Presidencial que assustou, mais do que o discurso de Jango no comício da Central do Brasil na noite anterior, aos grupos políticos mais conservadores e mesmo as forças moderadas que, depois disso, passaram a apoiar o movimento golpista para derrubar Jango.

Escrevi tudo isso para, finalmente, chegar à minha tese final, e que é muito simples:

O Golpe de Estado de 01 de Abril de 1964 não foi feito para, apenas e tão somente, derrubar Jango da Presidência da República e, assim, inviabilizar as suas (e do PTB também) Reformas de Base.

O Golpe de 1964 foi levado adiante para impedir que os grupos Nacionalistas Radicais passassem a governar o país e, desta maneira, colocassem o seu projeto político em prática, pois este era, como vimos, muito mais agressivo e radical do que o do PTB janguista.

O PSD, por exemplo, até aceitava negociar as Reformas de Base de Jango e do PTB, mesmo que apenas parcialmente, mas com relação às propostas dos Nacionalistas Radicais, não havia chance alguma de se fazer qualquer tipo de acordo.

O Golpe de Estado de 1964, portanto, não foi contra Jango, o PTB e as Reformas de Base, mas contra os Nacionalistas Radicais, contra Brizola, Arraes, Prestes, o PCB, o CGT, a UNE, as Ligas Camponesas.

O Golpe de 64 foi contra as teses nacionalistas radicais que estes movimentos defendiam e que já estavam começando a colocar em prática a partir do dia 14 de Março de 1964, quando a Mensagem Presidencial com suas principais propostas foi enviada ao Congresso Nacional.

Fica claro, para mim, portanto, que a partir de 14 de Março de 1964 começou um processo de transição de um governo que chegava ao fim (o de Jango) para um novo governo, o dos Nacionalistas Radicais, que ainda estava em fase de formação quando ocorre o Golpe de Estado de 01 de Abril de 1964.

Aliás, um fato ilustra muito bem o quanto a autoridade política de Jango já tinha sido consideravelmente corroída a partir do dia 14 de Março de 1964 quando a Mensagem Presidencial de 1964 foi enviada ao Congresso Nacional e o quanto os grupos Nacionalistas Radicais haviam se fortalecido dentro do ‘seu’ governo.

Após a revolta dos Marinheiros, Jango determinou ao novo ministro da Marinha, Paulo Márcio Rodrigues (de Esquerda e que foi indicado para o cargo pelo CGT) que prendesse o Almirante Aragão e os marinheiros rebelados, mas deixando claro que eles deveriam ser bem tratados. O que fez o novo ministro? Ele não prendeu Aragão e ainda mandou soltar os marinheiros no mesmo dia em que eles haviam sido presos.

Logo, as ordens de Jango foram desrespeitadas por seu próprio ministro. E este permaneceu no cargo, como se nada tivesse acontecido.

Oras, que história é essa de um presidente ter as suas ordens desrespeitadas por um ministro e este permanecer no cargo? Isso demonstra, claramente, que Jango não era mais, de fato, o presidente da República. Sua autoridade como tal estava indo ladeira abaixo, visivelmente.

De certa forma, na segunda metade do mês de Março, Jango já era o que, nos EUA, se chama de ‘pato manco’, ou seja, um Presidente em fim de mandato e ao qual nem o mordomo respeita ou obedece mais, pois estão todos aguardando a posse do novo presidente que será eleito.

Basta ver como Dilma demitiu Nelson Jobim do Ministério da Defesa, depois que o mesmo atacou várias ministras do seu governo, para se ter uma ideia do quanto Jango já se encontrava enfraquecido no final do mês de Março de 1964 quando estourou a Revolta dos Marinheiros e o ‘seu’ novo ministro da Marinha não acatou as suas ordens.

Assim, de certa forma, quando estoura, de fato, o Golpe de Estado, em 01 de Abril de 1964, Jango não era mais o Presidente da República, pois o comando das decisões mais importantes de ‘seu’ governo já estava nas mãos de outras pessoas, como nas dos líderes do CGT que indicaram e, praticamente, nomearam Paulo Márcio Rodrigues como o novo ministro da Marinha.

Logo, o Golpe de 64 derrubou um governo (o de Jango) que, na prática, já não existia mais.

O problema é que o novo governo, pós-Jango, o dos Nacionalistas Radicais, também ainda não estava definitivamente formado, estabelecido e consolidado. Muito longe disso.

É como se estivesse acontecendo uma transição de um governo (de Jango) para o outro (dos Nacionalistas Radicais) de maneira informal e totalmente desorganizada.

O país estava, no final de Março de 1964, de fato, acéfalo, e os principais líderes progressistas da época (Jango, Brizola, Arraes, Prestes) e tampouco os movimentos sociais nacionalistas (UNE, CGT, Ligas Camponesas…) não tinham mais, nem de longe, o controle da situação, até porque as desconfianças entre os seus principais líderes também era muito grande e isso os manteve desunidos e afastados até mesmo no momento em que o Golpe acontece.

Isso talvez ajude a explicar a quase inexistente reação dos grupos Nacionalistas Radicais e do PTB janguista ao Golpe de 01 de Abril de 1964 e a incrível facilidade com que o governo (qual governo, mesmo? O de Jango? Ou o dos Nacionalistas Radicais? Para mim, foi este último, tal como procurei demonstrar neste texto) foi derrubado.

Até mesmo os golpistas, na sua quase totalidade, ficaram imensamente surpresos com a rapidez e com a facilidade com que seu Golpe de Estado foi vitorioso.

É muito provável que tal facilidade tenha acontecido, em grande parte, pelo fato de que o Brasil estava numa transição, totalmente desorganizada, entre um governo que desmoronava e que caminhava rapidamente para o seu desaparecimento (o de Jango) a cada dia, a cada hora que passava, enquanto que o novo governo (o dos Nacionalistas Radicais) ainda não tinha se formado de fato.

E com isso o Brasil embarcou rumo a uma longa noite de trevas, que durou 21 anos. 

Observação:

Quando Jango se encontrava no exílio, ele recebia a visita de muitos políticos, empresários e amigos que o mantinham muito bem informado sobre o que acontecia no Brasil. 

Em uma dessas ocasiões, o presidente João Goulart recebeu a visita do seu ex-ministro João Pinheiro Neto. Durante a conversa com o mesmo, Jango fez uma análise bastante lúcida a respeito do Golpe de 64 que o derrubou da presidência da República. 

Abaixo, reproduzo o que Jango falou nesta conversa (conteúdo retirado das páginas 580-581 do livro ‘João Goulart – Uma Biografia’, de Jorge Ferreira) com João Pinheiro Neto:

“Pessoalmente, nem você, nem eu, nem os nossos companheiros podemos nos lamentar de toda essa tempestade que desabou sobre nossas cabeças. 

Uns vão sofrer mais, outros menos, mas nada irá se comparar ao flagelo que já começa a viver o povo brasileiro. 

Sem as reformas de base, os anseios por renovação que incutimos em grande parte da população, especialmente entre os mais humildes e carentes, serão contidos à força. As liberdades públicas serão podadas. 

Tu te lembras, quando estavas no Ministério do Trabalho, quantas vezes te pedi que dissesses aos nossos amigos dos sindicatos para moderarem as exigências. Não era possível atender todos e tudo ao mesmo tempo, reparando injustiças graves, velhas de séculos… 

Se me forçarem demais a barra, vem aí uma ditadura militar, e eles não vão poder nem andar na rua. E não deu outra. 

O pior é que vem aí um arrocho salarial dos diabos, e a mesma classe média que marchou alvoroçada contra o meu governo, agora, você já está vendo, começa a comer o pão que o diabo amassou. 

Toda essa onda contra o governo, valendo-se da ingenuidade e boa-fé de tantos, não passou de uma gigantesca montagem cênica, uma orquestração de forças externas aliadas aos grandes industriais, ao capital financeiro especulativo e ao latifúndio. 

E, o que é mais grave: fomos ‘ajudados’, você sabe de que modo, pelos insensatos que havia do nosso lado… O radicalismo exacerbado, de muitos que estavam do nosso lado, a tal história de ‘reformas na lei ou na marra’, as lideranças esquerdistas exercitando mais a vaidade do que o bom-senso e o patriotismo, tudo isso foi aos poucos empurrando o governo para extremos condenáveis. 

Confesso que não me eximo de certa culpa, tudo isso teria se desfeito se eu desistisse das reformas”. 

Simplesmente perfeita, esta análise do grande brasileiro que foi o Presidente João Goulart. 

Redação

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