Artigo de Motta Araujo vira tema de debate

Jornal GGN – O artigo de Motta Araujo “Richelieu e a centralização do poder” foi publicado no Jornal GGN na segunda-feira (23). Adriano Benayon, do Blog dos Desenvolvimentistas preparou uma versão comentada, trazendo outro ponto de vista.

Centralização do poder do Estado e seu esfacelamento a serviço do império

Por Motta Araujo, comentários de Adriano Benayon

Do Blog dos Desenvolvimentistas

O Cardeal e Duque de Richelieu é o grande mestre do poder na História Moderna. Sua longa trajetória, que começa como representante da Igreja nos Estados Gerais, passa por agregação à corte da Rainha Mãe do Rei Luis XIII, Maria de Médicis, como braço direito do favorito da Rainha, Concini, até que o Rei, já livre da regência da mãe-regente, desde a morte do pai, Henrique IV, primeiro Bourbon a reinar, até a maioridade de Luis XIII – manda prendê-la no castelo de Blois, no Vale do Loire, em 1617, com o que Richelieu cai em desgraça até, pacientemente, reconstruir sua posição na corte de Luis XIII.

Em 1919 [AB. Obviamente é 1619.] Maria de Médicis foge do castelo de Blois e lidera conspiração de nobres contra o filho. Coube a Richelieu ser o intermediário do armistício entre filho e mãe. Como recompensa Luis XIII o indica como Cardeal e o Papa Gregório VI o nomeia em agosto de 1622. Richelieu já Cardeal e com o cargo de Secretário de Estado ainda não é ministro, aonde chega em 1624, mas tem que subordinar-se ao Primeiro Ministro, Cardeal de La Rochefoucauld até 1629, quando passa a ser o Primeiro Ministro depois de infinitas manobras e intrigas.

Richelieu tem como sua grande marca a centralização do poder do Rei contra a nobreza, criando o primeiro verdadeiro Estado Nacional no continente europeu. O poder até então era fragmentado, o Rei mandava pouco, depois de Richelieu cria-se o absolutismo, onde o Monarca tem poder absoluto sobre os nobres. Richelieu manda inclusive desarmar os castelos para evitar que possam resistir ao exército real, elimina os corpos armados da nobreza e cria o monopólio militar do Rei.

A ordens do Rei eram então obedecidas sem hesitação por toda a França, acabaram as constantes rebeliões dos nobres, muitas vezes aliados a potências estrangeiras, como foi o caso dos hugenotes em La Rochelle, apoiados pelos ingleses.

Com o poder real consolidado o Cardeal pode se dedicar à politica externa, ao enfrentamento com a Áustria e Espanha, o chamado Império, não tem qualquer problema em fazer acordos com os protestantes quando convém.

Morre em 1942 [AB. 1642. De novo, ignorando 300 anos de diferença!], deixando a maior fortuna da França, maior que a do próprio Rei e a sucessão de seu cargo encaminhada na pessoa do Cardeal Mazarin, de nascença o italiano Giulio Mazarino, seu amigo e parceiro.

[AB. Sim, é importante o papel de Richelieu na consolidação do poder da monarquia francesa, mas esse é um processo que tem outros marcos fundamentais, entre os quais os principais são as lideranças de Luís XI, na 2ª parte do século XV (esse rei assentou importantes bases para o desenvolvimento do país, Francisco I, na 1ª metade do XVI, Henrique IV, quase ao final desse século e seu filho Luís XIII, de quem Richelieu foi ministro. Continuou com Luís XIV, mormente com o impulso à industrialização sendo Colbert primeiro-ministro. Na época de Francisco a tecnologia que desenvolvera os canhões, dera um salto qualitativo na contenção do poder dos nobres, cujos castelos deixaram de ser invulneráveis.]

A lição a extrair de Richelieu, no século Armand Jean du Plessis, é a necessidade que os grandes Estados tem em ter um poder central forte para evitar a FRAGMENTAÇÃO do Estado, fenômeno que estamos assistindo em plena ebulição hoje no Brasil, processo que torna o Estado nacional INGOVERNÁVEL.

[AB. Penso que os séculos XVII e XVII correspondem ao ápice da civilização europeia, como transparece nas obras de arte e notadamente no espírito elevado e poderoso que se sente ao ouvir a música dos grandes compositores. Delas emana força, beleza e harmonia. Além disso, os saltos qualitativos nas ciências e o auge da qualidade nas obras filosóficas, como em Spinoza e Leibniz. Spinoza aprofunda-se na ordem e conexão das coisas. Ambos são também cientistas, e Leibniz o descobridor do cálculo diferencial.]

Hoje surgem pelo Brasil tentativas de captura de poder à custa da diminuição do poder central do Chefe de Estado, que vai perdendo dia a dia sua capacidade de ver suas ordens cumpridas sem que aparentemente a população se dê conta desse processo.

[AB. Motta Araújo assinala algo muito importante que é exatamente a bagunça, a desestruturação cada vez mais acentuada no Brasil. Coincidentemente é o que os desenvolvimentistas estamos debatendo há alguns dias, numa discussão a que procurei, sem quase êxito algum, dar rumo diferente, ao enfatizar, sugerindo até a mudança do título do assunto, de “como o capital aprendeu a se manifestar” para “Tirania imperial encoberta por controvérsias doutrinárias”.

Motta deixa de apontar a questão crucial: a quem está servindo a atomização do poder no âmbito do Estado. Podemos formular também assim: quem está elegendo o Congresso, que neutraliza o poder do Executivo; quem rege e determina os compromissos que assumiram os presidentes da República eleitos pelo PT e quem tem no PSDB agentes obedientes de sua agenda; e quem manipula os cordões dos chefes parlamentares, notadamente do PMDB (sem mencionar os outros de menor influência). E, ainda, quem é a força oculta que faz o Judiciário e o Ministério Público, entre outros poderes de direito e de fato, agirem quase sempre contra os interesses nacionais.]

Hoje uma decisão de um juiz de 1ª instância tem maior impacto que uma decisão da Presidente da Repùblica.

O Presidente da Câmara por sua vez torna-se personagem politico central, temido e respeitado acima do Planalto.

Precisamos lembrar sempre que o Brasil é o maior país da América Latina porque tivemos um processo histórico onde o poder central tinha completa autoridade sobre o território, ao contrário da América Espanhola. Essa centralidade faz parte do caráter do Estado brasileiro, se perdermos isso o Brasil pode esfacelar-se tardiamente.

A partir da Constituição de 1988 como reação “in extremis” ao centralizado regime militar deu-se maior valor à criação de “ilhas de poder”, de “poder às minorias”, de “poder a direitos sociais”, tudo à custa do poder do ESTADO NACIONAL, que foi a base da manutenção da integralidade do Estado Brasileiro. Hoje o País não tem um projeto nacional, tem “agendas” de grupos e de corporações, como se fôssemos uma arquipélago de gente e não um País.

[AB. O poder Executivo, embora fraco em termos de poder e talvez de competência, tem um projeto, mas manco, devido a suas inconsistências estratégicas. Mas o mais significativo não é que tenha ou não tenha um projeto nacional, mas, sim, que, se o tiver, não terá poder para levá-lo adiante. O projeto do PSDB pôde ser executado, porque, sem nuances, consistia em radicalizar, ampliar e aprofundar a desnacionalização da economia brasileira, iniciada desde agosto de 1954 (sem contar os cinco anos de Dutra, de 1946 a 1950).]

Vultos históricos perceberam essa tendência à fragmentação. Floriano Peixoto baseou seu autoritarismo na luta contra o esfacelamento do poder, ameaçou até fechar o Supremo Tribunal Federal. Vargas foi por excelência o grande centralizador do Estado Nacional, é a base de sua ideologia desde 1930 até 1954, tudo o que Vargas fez mostra uma continuidade na preservação da integralidade do Estado Nacional. O regime militar de 1964 tinha total controle do aparelho estatal a partir de um núcleo duro central sem concessões a poderes paralelos.

[AB. Os governos militares tinham um projeto que imaginavam ser nacional, o qual explicitamente afirmava o objetivo de fortalecer o poder nacional. Mas era um projeto incoerente, inconsistente, porque se fundamentava ideologicamente na “aliança” com os EUA, motivada por visão obnubilada pela suposta ameaça comunista, devidamente magnificada desde a “intentona” de 1935. O projeto “nacional” era inconsistente, porque não é possível fortalecer o poder nacional, enquanto se subsidia as empresas transnacionais para se apoderarem da indústria do País. Um dos resultados do fracasso de tal projeto é a dívida externa, que resultou das transferências feitas pelas transnacionais para o exterior. Não menos fatídico: a crescente inviabilização do desenvolvimento de tecnologias no País a serviço do País, pois asfixiou-se as empresas locais, retirando-lhes o solo e os nutrientes, que são o mercado. Em suma, objetivo proclamado de desenvolver o País e o resultado de enfraquecê-lo, torná-lo impotente.

Então, apesar de iniciativas como o CTA, EMBRAER, Telebrás, projeto nuclear etc. e muitas outras que utilizaram o poder do Estado para desenvolver tecnologias importantes e favorecer a indústria privada, os governos militares já haviam legado herança grandemente negativa, quando a potência a que se submeteram resolveu dispensá-los para manobrar os cordéis das marionetes que se intitulavam democráticas. A CIA, como sabemos, foi a parteira da Nova República…

O próprio Geisel (é na época dele que os EUA, comandantes e orientadores das torturas no País, começam a criticar os abusos contra os direitos humanos no Brasil) – presidente que tomou iniciativas no campo do desenvolvimento, desagradáveis para a potência dominante, e assumiu política externa diferente, a ponto de apoiar a independência de Angola e Moçambique, defendida por tropas cubanas – perdeu, através do flanco econômico-financeiro, dirigido inclusive pelo Banco Mundial, o controle até do Programa de Álcool, empreendimento que não dependia de um centavo sequer em moeda estrangeira. Exemplo interessante de como, através da finança, se subordina um país, cujo governo tem veleidades de independência, mas desprovido de visão estratégica para entender quais são as bases materiais sem as quais a independência não é possível.]

Os constituintes de 1988 e seus seguidores até hoje parecem dar maior valor à fragmentação do poder em “polos” do que à centralidade do poder no interesse do ESTADO NACIONAL. Hoje o Estado está fraturado, a politica justicializada, o Ministério Publico quer legislar, o Congresso sitiado por inquéritos, o ordenamento jurídico inteiramente subvertido, já não se sabe mais quais são as garantias individuais, a Constituição pode valer ou não, depende das forças que tem interesse em cada caso, nunca o Brasil esteve tão estilhaçado em pedaços como agora. O mundo olha estarrecido um grande País se dissolvendo no poder quebrado em pedaços que não se colam.

[AB. Tem muita razão Motta. Mas é isto: precisamos ir mais longe, reconhecer, inclusive com a ajuda das ilustrações que ele mostra da fragmentação do poder do País, e reconhecer que o atual sistema político é de todo imprestável para o País, embora muito bom para as potências imperiais, que, desse modo, se estão aprestando para aumentar a dimensão das já enormes bicadas que seus abutres vem dando nos recursos e no povo do Brasil. Dos atuais partidos nada a aproveitar. Apenas alguns poucos de seus quadros poderiam ajudar na reconstrução nacional, tomando, como primeiro passo, juntar-se à resistência nacional e agir inteiramente independentemente dessas estruturas partidárias, desde que demonstrassem entender a questão fundamental.]

O resultado ai está , um País ingovernável, processo cuja reversão custará muito tempo no futuro.

 

 

Redação

10 Comentários

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  1. Bela discussão, impossível de se ler

    na tal “mídia corporativa”, que só sobrevive adulando a mente dos Homero S. que de vez em quando aparecem no nosso blog para vomitar seus impropérios. Só tem um Pr Hariovaldo Almeida Prado, e ele não merece mais o OESP.

  2. Apenas criticou pontos do

    Apenas criticou pontos do texto original, mas não confrontou a tese central, no meu entendimento.

    Mostra uma visão meio deturpada, como se tudo fosse uma conspiração das elites, dos EUA e de mais não sei quem. Hoje o mundo é globalizado, existem evidentemente interesses pesados, mas isso é geral, de parte a parte. Brasileiros estão comprando grandes empresas nos EUA e na Europa.

    Será que autor também concorda que o Brasil está dando bicadas em empresas e no povo dos EUA, ou  quando os fatos contrariam a tese dele, ai  não vale ?

    1. Os brasileiros comprando

      Os brasileiros comprando empresas nos EUA são aliados aos interesses do grande capital financeiro.

      http://www.brasil247.com/pt/247/economia/172505/Jorge-Paulo-Lemann-%C3%A9-quem-financia-o-golpismo.htm

      Exemplo dos empresários brasileiros que, na sua opinião, estão “dando bicadas em empresas e no povo dos EUA”?

      Visão deturpada é considerar mera coincidência movimentos semelhantes, ocorrendo em áreas distintas do globo, como Síria, Ucrânia, Brasil, sendo sempre financiados pelas mesmas pessoas.

      O modelo do golpe jurídico, por exemplo, iniciado em Honduras, implementado no Paraguai, com reflexos no Brasil(AP 470, Lava Jato)e Argentina)o “partido judiciário”, segundo Kichner.

      Coincidência?

      Interessante que nunca vi o Judiciário dar golpe por causas progressistas.

  3. Gostei muito da colocação

    Gostei muito da colocação histórica de Motta Araujo e compartilho com Adriano Benayon suas opiniões, particularmente, o fabianismo da corrente militar fascista (o golpe dentro do golpe), que assume o poder na década de setenta, ao assentar seus laços econômicos no lobo mau da época, os EUA. É preciso entender, entretanto, que o quadro de alternativas econômicas, à época, era muito diverso do atual. Tudo o que havia era uma Europa subjugada e ocupada militarmente pelos EUA, uma potência tecnológica antagônica, a URSS e uma Ásia em reconstrução. A única nação com domínio pleno e exclusivo da tecnologia eram os EUA.

    Hoje em dia o quadro é muito diferente, e esta é a razão pela qual os mecanismos de dominação externa não se mostram mais tão eficientes, daí o uso acentuado dos processos de criação do caos via mecanismos internos.

  4. O senhor Benayon auto

    O senhor Benayon auto intitula-se um progressista. Ocorre que o ovo da serpente está em suas palavras. O inferno esta cheio de boas intençoes progressistas. Stalin, Hitler, Pol Pot, Duce, para citar só os contemporaneos. É só ler a ultima frase de seu comentario. As trevas teimam em retornar na cabeça de pessoas como o tal de Benayon. É grotesco e patético.

  5. Discussão pra lá de

    Discussão pra lá de “panoramica”. Esse debate sobre centralização/descentralização nem precisava lançar mão da virtù  de algum Richelieu ou outro “personagem” histórico. Se dependesse somente, somente de “talentos individuais” não aconteceria em tantos casos distintos.

    Sobre a formação/centralização dos estados nacionais muito mais acrescentador é o classico de Norbert Elias, “O Processo Civilizador”. E também, claro, Joseph Strayer, “As Origens Medievais do Estado Moderno”.

    Mesmo assim ambos falam muito pouco do fato de que o estado Portugués e o Espanhol – uma matriz muito mais próxima de nós – atingiram a unidade muito antes!

    Dos “nossos clássicos” pode-se lembrar de todo o esforço para observar esse centrifugismo e centripetismo (sem provocação com os mais suscetíveis) desde Raymundo Faoro e, até mesmo, Oliveira Viana.

    O que ocorre é que a disputa pela “conquista do Estado” está muito mais próxima de 64 do que da Frannça de Richelieu. Com as diferenças causadas pela maior diferenciação social e inovações institucionais que ocorreram desde lá. O fato novo é ver o setor industrial completamente avassalado diante do setor financeiro, principalmente após a década de 90, quando um vice presidente da FIESP, Nicolaau Jeha, ficava rouco de insistir na necessidade de um pacto entre empresários e trabalhadores.

    Mas as semelhanças são gritantes: a mentira e a hipocrisia ainda dão a tônica do debate sempre que as desigualdades insiistem em não se manterem

  6. Falta o projeto que conquiste corações e mentes dos brasileiros

    Contra este, não existe força internacional, nacional, ou multinacional, por mais poderosa que seja, capaz de vencê-lo.

    Um projeto que deixe claro os lucros e quando eles acontecerão.

    Um projeto que devolva o dinheiro do povo braslileiro ao seu controle.

    Um projeto, em suma, com Norte, Rumo e Estrela.

    1. Quem vai por o guizo…

      Na famosa fábula, os ratos também tiveram uma brilhante ideia!

      Porém, na hora ‘H’, nem um, sequer, ou seja, nem ao menos um roedor, dispôs-se a por o guizo no pescoço do felino, o grande problema das ratazanas.

      Atualmente, eis o grande problema, que implica na ausência de solução.

  7. A preocupação com a ordem por

    A preocupação com a ordem por parte de Motta Araújo é conservadora, não é preciso muita imaginação para se entender o que um recorrente defensor da ditadura entende por “ordem”.

    O processo de fragmentação em curso é a implementção da estratégia americana, baseada com o que eles apren deram em suas concepções de campanhas de anti-insurgência. É o mesmo modelo adotado no Irã, Ucrânia, Síria, etc. Até mesmo o fortalecimento de correntes fundamentalistas(vide os discursos do atual presidente da Câmara dos deputados)faz parte desse projeto anti-modernista, que visa enfraquecer o curso desenvolvimentista em diversos países.

     

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