Julian Assange e o Golpe de Estado na Austrália em 1975


Gough Whitlam na campanha eleitoral de 1972 pelo Partido Trabalhista Australiano.
 

por Jota A. Botelho

Neste trecho da entrevista exclusiva de Julian Assange com Fernando Morais para o Nocaute TV, Bloco 1, ele se refere à semelhança do golpe de estado ocorrido na Austrália em 1975 com o golpe de estado ocorrido recentemente no Brasil com Dilma Rousseff e provavelmente com a participação da NSA: “Na Austrália, meu país natal, houve um golpe que foi esquecido, aconteceu de forma muito semelhante ao golpe com Dilma e Temer no Brasil. Ocorreu em 1975 num processo muito parecido. Um partido de esquerda estava no poder por dois anos e não tinha estado há bastante tempo antes. Os setores de negócios e de inteligência, aliados aos governos americano e britânico se uniram e usaram um truque constitucional para derrubar o governo e instalar a oposição”.  

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Gough Whitlam fala para população fora da Casa do Parlamento, em 11 de novembro de 1975, depois que seu governo trabalhista foi demitido (foto: National Library of Australia).

O GOLPE ESQUECIDO

Por John Pilger, no Resistir.info

O papel de Washington no golpe fascista contra um governo eleito na Ucrânia surpreenderá apenas aqueles que veem os noticiários e ignoram o registro histórico. Desde 1945, dúzias de governos, muitos deles democracias, tiveram um destino semelhante, habitualmente com banhos de sangue.

A Nicarágua é um dos mais pobres países sobre a Terra, com menos população do que o País de Gales, mas na década de 1980, sob os reformistas sandinistas, ela foi considerada em Washington como uma “ameaça estratégica”. A lógica era simples; se o mais fraco escorregar, estabelecendo um exemplo, quem mais tentaria a sua sorte?

O grande jogo da dominância não dá imunidade nem mesmo ao mais leal “aliado” dos EUA. Isto é demonstrado por talvez o menos conhecido dos golpes de Washington – na Austrália. A história deste golpe esquecido é uma lição saudável para aqueles governos que acreditam que uma “Ucrânia” ou um “Chile” não lhes podiam acontecer.

A deferência da Austrália para com os Estados Unidos faz a Grã-Bretanha, em comparação, parecer uma traidora. Durante a invasão americana do Vietnã – à qual a Austrália implorou para aderir – um responsável em Canberra divulgou uma queixa rara a Washington: que os britânicos sabiam mais acerca dos objetivos estadunidenses naquela guerra do que os seus camaradas de armas nos antípodas. A resposta foi suave: “Temos de manter os britânicos informados para mantê-los felizes. Vocês estão conosco seja o que for que aconteça”.

Esta declaração foi brutalmente posta de lado em 1972 com a eleição do governo trabalhista de Gough Whitlam. “Embora não considerado como de esquerda, Whitlam – agora com 98 anos [1] – era um social-democrata independente, orgulhoso, proprietário e de extraordinária imaginação política. Ele acreditava que uma potência estrangeira não deveria controlar os recursos do seu país e ditar a sua política econômica e externa. Ele propôs “recuperar o controle” e falar com uma voz independente a Londres e Washington.

No dia seguinte à sua eleição, Whitlam ordenou que a sua equipe não deveria ser “verificada ou perturbada” pela organização de segurança da australiana, ASIO – então, como agora, devedora de favores à inteligência anglo-americana. Quando seus ministros condenaram publicamente a administração Nixon/Kissinger como “corrupta e bárbara”, Frank Snepp, um oficial da CIA naquele tempo atuando em Saigon, disse posteriormente: “Disseram-nos que os australianos podiam muito bem ser encarados como colaboradores dos norte-vietnamitas”.

Whitlam quis saber se e porque a CIA estava a dirigir uma base de espionagem em Pine Gap, próximo de Alice Springs, ostensivamente uma instalação conjunta australiana/americana. Pine Gap é um aspirador de pós gigante o qual, como revelou recentemente o denunciante Edward Snowden, permite aos EUA espionar tudo. Na década de 1979, a maior parte dos australianos não fazia ideia de que este enclave estrangeiro secreto colocava seu país na linha de frente de uma potencial guerra nuclear com a União Soviética. Whitlam sabia claramente o risco pessoal que estava a assumir – como demonstram as minutas de uma reunião com o embaixador dos EUA. “Tente apertar-nos ou fazer-nos saltar”, advertiu ele, “[e Pine Gap] tornar-se-á um pomo de discórdia”.

Victor Marchetti, o oficial a CIA que havia ajudado a montar Pine Gap, contou-me depois: “Esta ameaça de fechar Pine Gap provocou apoplexia na Casa Branca. As consequências eram inevitáveis… uma espécie de Chile foi posto em movimento”.

A CIA havia acabado de ajudar o general Pinochet a esmagar o governo democrático de outro reformador, Salvador Allende, no Chile.

Em 1974, a Casa Branca enviou Marshall Green para Canberra como embaixador. Green era um arrogante, uma figura muito experiente e sinistra no Departamento de Estado que trabalhava nas sombras do “estado profundo” (“deep state”) da América. Conhecido como o “mestre do golpe”, ele havia desempenhado um papel central no golpe de 1965 contra o presidente Sukarno na Indonésia – o qual custou um milhão de vidas. Um dos seus primeiros discursos na Austrália foi ao Australian Institute of Directors – descrito por um membro alarmado da audiência como “um incitamento aos líderes de negócios do país a levantarem-se contra o governo”.

As mensagens top secret de Pine Gap eram decodificadas na Califórnia por um empreiteiro da CIA, a TRW. Um dos decodificadores era o jovem Christopher Boyce, um idealista que, perturbado pelo “engano e traição de um aliado”, se tornou um denunciante. Boyce revelou que a CIA havia-se infiltrado na elite política e sindical australiana e referia-se ao governador-geral da Austrália, sir John Kerr, como “o nosso homem Kerr”.

Com a sua cartola negra e paletó coberto de medalhas, Kerr era a corporificação do império. Ele era o governador-geral australiano da Rainha da Inglaterra num país que ainda a reconhece como chefe de Estado. Seus deveres eram cerimoniais, mas Whitlam estava inconsciente, ou preferiu ignorar, os antigos laços de Kerr com a inteligência anglo-americana.

O governador-geral era um membro entusiasta da Australian Association for Cultural Freedom, descrita por Jonathan Kwitny do Wall Street Journal, no seu livro, The Crimes of Patriots, como uma elite, um grupo em que se entra só por convite… revelado no Congresso como sendo fundado, financiado e geralmente dirigido pela CIA. “A CIA pagava a viagem de Kerr, construía seu prestígio… Kerr continuava a ir à CIA por dinheiro”.

Em 1975, Whitlam descobriu que o MI6 (Departamento de Inteligência do Serviço Secreto Britânico) estava desde há muito a operar contra o seu governo. “Os britânicos estavam realmente a decodificar mensagens secretas vindas ao meu gabinete de negócios estrangeiros”, disse ele posteriormente. Um dos seus ministros, Clyde Cameron, contou-me: “Sabíamos que o MI6 plantava microfones nas reuniões do gabinete para os americanos”. Em entrevistas na década de 1980 com o jornalista investigativo norte-americano Joseph Trento, responsáveis executivos da CIA revelaram que o “problema Whitlam” fora discutido “com urgência” pelo diretor da CIA, William Colby, e o chefe do MI6, sir Maurice Oldfield, e que foram feitos “arranjos”. Um vice-diretor da CIA disse a Trento: “Kerr fez o que lhe disseram para fazer”.

Em 1975, Whitlam soube de uma lista secreta de pessoal da CIA na Austrália mantida pelo chefe do Australian Defense Department, sir Arthur Tange – um mandarim profundamente conservador com um poder territorial sem precedentes em Canberra. Whitlam pediu para ver a lista. Sobre ela está o nome, Richard Stallings que, sob cobertura, havia montado Pine Gap como uma instalação provocadora da CIA. Whitlam agora tinha a prova de que estava à procura.

Em 10 de Novembro de 1975, foi-lhe mostrada uma mensagem de telex top secret enviada pelo ASIO em Washington. Esta provinha de Theodore Shackley, chefe da Divisão da Ásia Oriental da CIA e uma das mais infames figuras desovadas pela Agência. Shackley fora chefe da operação da CIA com base em Miami para assassinar Fidel Castro e chefe de estação no Laos e no Vietnã. Havia recentemente trabalhado no “problema Allende”.

A mensagem de Shackley foi lida a Whitlam. Incrivelmente, ela dizia que o primeiro-ministro da Austrália era um risco de segurança no seu próprio país.

No dia anterior, Kerr havia visitado a sede do Defense Signalas Directorate, o NSA da Austrália cujos laços com Washington eram, e permanecem, estreitos. Foi informado sobre a “crise de segurança”. Pediu então uma linha segura e passou 20 minutos a conversar em voz baixa.

Em 11 de Novembro – o dia que Whitlam devia informar o Parlamento acerca da presença secreta da CIA na Austrália – foi convocado por Kerr. Invocando a arcaica “reserva de poderes” do governador-geral, Kerr demitiu o primeiro-ministro democraticamente eleito. O problema estava resolvido. 17/Março/2014

[1] Gough Whitlam nasceu em 11 de julho de 1916 e faleceu em 21 de outubro de 2014
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O original encontra-se em Counter Punch 
Este artigo encontra-se em resistir.info – links por autor, item 91- John Pilgerjornalista australiano baseado em Londres, escritor e cineasta. Um antigo correspondente de guerra, Pilger ganhou por duas vezes o mais alto prêmio de jornalismo do Reino Unido, onde ele é também conhecido pelos seus documentários.
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A Eleição de Gough Whitlam, o Golpe de Estado e a Conspiração da Cia contra seu Governo 


O Primeiro-Ministro trabalhista, Gough Whitlam, faz seu famoso discurso ‘It’s Time’ em Blacktown, no oeste de Sydney, em 1972 (foto: ABC News).

A vitória eleitoral do trabalhista Gough Whitlam, em 1972, interrompeu o continuísmo dos liberais de mais de duas décadas no poder desde 1949. Como Primeiro-Ministro, ele tomou decisões positivas como retirar os militares australianos, aliados dos Estados Unidos, da Guerra do Vietnã. A Austrália rapidamente se tornou um estado independente durante o governo de Whitlam, de 1972-1975. Um comentarista americano escreveu que “nenhum país tinha invertida a sua postura em assuntos internacionais de forma tão radical como ele, sem ter que passar por uma revolução interna”. Ele terminou com o servilismo colonial da nação, abolindo o patrocínio régio e deslocando a Austrália para o Movimento dos Não Alinhados, apoiando “as zonas de paz” e exercendo uma oposição contra as armas nucleares e as bases militares dos Estados Unidos no país. Whitlam sabia dos riscos que estava tomando. Ele acreditava que uma potência estrangeira não devia controlar o país, seus recursos naturais e ditar a sua política externa e econômica. Embora fosse considerado o menos à esquerda do Partido Trabalhista e talvez nacionalista demais para os australianos, mas Gough Whitlam na realidade foi um social-democrata com princípios leais e convictos. O seu governo realizou muitas políticas que mudaram drasticamente a forma como a Austrália se relacionava com o resto do mundo e igualmente transformava a sociedade internamente. Legislou sobre os direitos trabalhistas das mulheres no mercado de trabalho, introduziu o divórcio no pais, e o pagamento de pensões para as mães solteiras,  aprovou  uma legislação incluindo os direitos universais à saúde, aumentou o apoio à seguridade social e o financiamento escolar, estabelecendo a educação universitária gratuita. Ele ratificou vários tratados internacionais de direitos humanos e criou a Lei de Discriminação Racial, permitindo os serviços legais e outros para os australianos aborígines, defendendo a autodeterminação e o direito dos proprietários tradicionais à sua própria terra. Restabeleceu os laços diplomáticos com a China, muito antes do presidente Nixon dos Estados Unidos, num movimento sinalizando uma busca de relações mais estreitas com os países da região. Também democratizou a imigração, a qual antes priorizava pessoas de pele clara. 

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O Governador-Geral John Kerr (foto: CathNews Archive)

Em 1975, Whitlam tinha maioria simples na Câmara dos Deputados e minoria no Senado. No debate sobre o orçamento nacional para o ano seguinte, o projeto de lei ficou emperrado na câmara alta. O Governador- Geral, sir John Kerr, o representante da rainha Elizabeth II da Grã-Bretanha, chefe de Estado à distância do país, exonerou Whitlam e o substituiu interinamente pelo dirigente liberal Malcolm Fraser. Esta iniciativa de Kerr fazia parte de uma conspiração para derrubá-lo do poder e que incluía o serviço secreto australiano ASIO, a CIA e o MI6 inglês, e provavelmente o apoio da mídia do hoje multimilionário australiano-americano Rupert Murdoch, além de muito dinheiro sujo da CIA arrecadado com o tráfico de drogas em países asiáticos da região e depois lavado em depósitos num banco australiano para financiar as operações e pagar os conspiradores. Portanto, esta iniciativa teve o efeito de um Golpe de Estado. Fora da Casa do Parlamento, uma multidão se reuniu para ouvir a proclamação do secretário oficial do Governador-Geral, David Smith, que foi interrompida pela resposta de Whitlam. Suas palavras finais transformaram-se em uma condenação histórica: “Bem podemos dizer, Deus salve a Rainha… Porque nada salvará o Governador-Geral”. Nas eleições a seguir, Fraser foi confirmado no cargo, depois de atacado em comícios pelos militantes trabalhistas. Gough Whitlam foi considerado o fundador da Austrália moderna.

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Referências: Site SBS/Wiki – Gough Whitlam/Wiki – 1975 Australian Constitutional Crisis
Canal John Pilger no YouTube: John Pilger – vídeos

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Jota Botelho

3 Comentários

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  1. Pegaram pesado aqui

    O golpe na austrália pode ter sido parecido, mas pelo menos pegaram leve lá, não destruiram a indústria australiana como fizeram aqui. O Brasil, não se recupera nem em décadas, talvez nem em séculos da “lawfare ” da guerra jurídica que emprenderam em nosso território.

    Este foi o preço que o Brasil pagou por se unir aos BRICS.

     

  2. Só não houve ainda u golpe de estado

    nos EUA pois lá não existem embaixadas americanas… simples.

    Outros agentes americanos que passam despercebidos são os tais “obreiros voluntários” (podem observar: normalmente são cidadãos norte-americanos jovens e do sexo masculino de boa aparência e “simpáticos” demais) de igrejas evangélicas que se instalam em periferias normalmente, esses não me enganam: são os que fazem o trabalho de formiguinha pra Tio Sam.

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