Crisóstomo, condenado por ser gay, em reportagem da Brasileiros

Nassif, a revista Brasileiros de junho/2013 publicou uma matéria completa sobre a triste história do Antônio Chrysóstomo, agora contadaem livro-reportagem, que tomei conhecimento na época pelo Pasquim.

Do site da revista Brasileiros

Condenado por ser gay

O emblemático julgamento, durante a ditadura militar, do jornalista e ativista homossexual Antônio Chrysóstomo, acusado de abusar sexualmente da filha adotiva, é resgatado em livro-reportagem


 

André Cezar Mendes, Camilla Lunardi, Humberto Golla Beh e Isaque Criscuolo

 

Divulgação

 

O Jornalista e a imprensa – Chrysóstomo e parte de reportagem publicada na revista Veja

 

Era meio-dia de 29 de julho de 1981, no Rio de Janeiro. Na sala de audiências da 10a Vara Criminal, o juiz ouvia as testemunhas de acusação. Ana Alves de Souza, 50, brasileira, solteira e residente no bairro de Santa Teresa, visivelmente abalada, disse: “Sinto-me sufocada pelo envolvimento nesse processo. Pedi para não ser testemunha. Sinto-me incomodada e chateada pelas vizinhas do prédio que, em vez de assumirem a responsabilidade. (…) Não me arrependo de ter tirado a menina da companhia dele, pois, com ele, ela não pode ficar. Venho recebendo telefonemas me ameaçando. São anônimos, com voz de mulher. Não converso mais com as vizinhas. (…) Elas têm me pressionado para falar mal do acusado”. O depoimento da principal testemunha trazia dúvida ao processo do jornalista e crítico musical Roosevelt Antônio Chrysóstomo, que era acusado de estuprar a filha adotiva de 4 anos.

O caso seria a ruína pessoal e profissional de Chrysóstomo, um dos criadores do jornal Lampião da Esquina – marco da imprensa alternativa no final dos anos 1970, por tratar da temática homossexual e tinha, entre seus colaboradores, nomes como o do escritor e novelista Agnaldo Silva. O drama começou pela rota que o jornalista fazia diariamente para o jornal. A redação ficava na rua Joaquim Silva, 11, na Lapa, no Rio de Janeiro. Próximo dali, Chrysóstomo via a menina Cláudia pedindo esmolas com a mãe, a doente mental Maria José Pinheiro Santiago, que dividia momentos de lucidez com surtos psicóticos e eventual embriaguez. Ela teve mais quatro filhos, cujo paradeiro desconhecia. A casa de cômodos onde residiam, na Lapa, foi incendiada e o fato nunca explicado. Sem lugar para morar, passaram a viver sob uma marquise, próxima à redação do Lampião.

Alceste Pinheiro, editor do jornal a partir do número 10, conta que Chrysóstomo, compadecido, passou a ajudá-las. Dava dinheiro, comida e brinquedos. Durante um ano de idas e vindas pela Joaquim Silva, afeiçoou-se a Cláudia e falou em adotá-la. Os companheiros o repreenderam. “Sua atitude era estranha. Por que um cara como ele queria uma criança? A gente não entendia na época. Não passava pela nossa cabeça adotar um filho, como se não fosse problema nosso. Até reconheço que foi um pouco de alienação de nossa parte”, diz o escritor Glauco Mattoso, convidado por Chrysóstomo para colaborar no Lampião. Pinheiro relembra os conselhos de Aguinaldo Silva: “Chrysóstomo não faça isso, é uma maluquice, não vai dar certo. Essa mãe daqui a pouco vai querer a filha de volta. Essa menina é menor de idade. Não vai dar boa coisa”.

Decidido, Chrysóstomo não teve dificuldades para obter a guarda. No relatório do Juizado de Menores, sua situação parecia mais do que satisfatória – era colaborador fixo do jornal Folha de S.Paulo, crítico da revista Veja e diretor do Projeto Pixinguinha, da Funarte. Possuía três terrenos na Barra da Tijuca. Apesar do alerta da assistente social no relatório de adoção – a menina não teria desenvolvimento perfeito no campo emocional, face ao que vivenciara na companhia da mãe e outros mendigos –, em fevereiro de 1979, ele se tornou pai, em caráter provisório, de Cláudia. De cabelos cacheados, nariz alongado e bigode bem aparado, Chrysóstomo conservava certa notoriedade entre artistas e jornalistas. “Nasci no meio de jornalistas e sempre ouvi falar do Chrysóstomo, mesmo antes do Lampião”, afirma João Carlos Rodrigues, amigo e colaborador do jornal.

No auge da carreira, Chrysóstomo exerceu forte influência na promoção de artistas. Chegou a apadrinhar alguns cantores. “Vinham artistas de outros estados e os cariocas davam guarida nas suas casas até eles se arrumarem. Se achavam que a pessoa tinha talento, independentemente de qualquer relacionamento sexual, ajudavam”, conta Rodrigues, que também atuou como produtor musical. Segundo João Silvério Trevisan, no livro Devassos no Paraíso, Chrysóstomo gerava mal-estar: “Era um homossexual notório e arrogante”. Para Alceste Pinheiro, “era muito incisivo, duro nas afirmações. Sabe aquela pessoa que se acha mais importante que do que fazia? Era inconveniente nesse sentido. E muito inconveniente quando bebia”. Além de ser “o tipo de pessoa que não tinha papas na língua. Ele tinha a opinião dele e falava”, conta Rodrigues.

O apartamento do jornalista ficava em Santa Teresa. O imóvel alugado ficava no edifício Dois Irmãos, na rua Almirante Alexandrino, 1.808, um dos pontos mais altos do bairro. Nele, Claudinha foi viver com o pai adotivo. O relatório de guarda e responsabilidade do Juizado de Menores, apresentado no processo de defesa, informa que Chrysóstomo trouxera uma governanta “que foi sua babá”, vinda “especialmente de Minas Gerais para ajudar na educação da menor”. Mais que as festas que o jornalista dava, a chegada da menina causou desconforto entre os vizinhos do prédio. Ela passou a frequentar os shows e as reuniões com artistas e amigos de Chrysóstomo. Ainda se adaptando à rotina de uma casa, com horários para comer e dormir, enfrentava dificuldades: “Ela chorava muito, tinha acabado de sair da rua. Era, às vezes, um pouco rebelde”, afirma Alceste Pinheiro.

 

 

 

Registro – Lançado em 1986, o livro de José Silvério Trevisan traz detalhes do caso Chrysóstomo

Do lado de fora

Ao olhar dos vizinhos, a educação que ela recebia não era das mais ortodoxas. “Chrysóstomo não abriu mão de algumas coisas. Ia a bares com a menina, levava namorados ao apartamento. Eu os vi no carnaval. Chrysóstomo com Cláudia no colo, um cigarro e um copo de bebida na mão”, relata Pinheiro. Quando a menina completou 4 anos, a babá morreu. Ele se viu em apuros. Trabalhava durante o dia na Veja e, em algumas noites, dedicava-se aos ensaios dos shows que dirigia. Morava com Mário Constantino, um michê da Cinelândia, que foi, mais tarde, uma das testemunhas de acusação. Ao juiz, Chrysóstomo explicou: “Ele chegou a trabalhar na produção de shows. Não deu certo porque não queria trabalhar. Ao ser colocado fora de casa, passou a ter raiva de mim”.

Com dificuldades para encontrar nova babá, recorreu às vizinhas Ana Alves de Souza e Maria Aparecida Batista. “Ele me solicitou que cuidasse de Claudia durante o dia. Aceitei, pois estava condoída da situação e com o tempo fui me afeiçoando à menina”, esclareceu Ana, no primeiro depoimento de acusação à polícia. Um dia, ela e Maria Aparecida deram banho na menina porque a encontraram “suja no corredor do prédio”. Notaram o órgão sexual da criança “vermelho e inchado”. Os boatos correram. Em outubro de 1980, Chrysóstomo foi denunciado à 7a Delegacia Policial por maus tratos e estupro contra a menor. No mês seguinte, perdeu a guarda de Cláudia, que voltou à Fundação Estadual de Educação do Menor (FEEM), e o processo foi aberto na 10a Vara Criminal.

Pesavam contra o jornalista depoimentos carregados de preconceito. A vizinha Wira Newton o acusava de promover “festas barulhentas” em que “nunca ouvi(ra) voz de mulher”. Maria Aparecida dizia ter visto Cláudia com a vagina inflamada e, com base no relato da menina, concluiu que “o senhor Roosevelt colocava o dedo e o próprio membro viril na sua vagina”. Georgina Macedo, filha da babá Salete, observara manchas de esperma no tapete, além de ter presenciado Chrysóstomo beijando a filha na boca.

Mário Constantino testemunhou que o denunciado costumava colocar a menor para dançar despida em cima de uma mesa, enquanto “batia nas suas partes íntimas”. E Ana Alves foi enfática: “No transcurso do ano findo, tive a atenção despertada para os gritos de uma menor, gritos que partiam do apartamento do senhor Roosevelt. Conforme apurei, era a menina, com 4 anos de idade, que gritava porque era submetida a maus-tratos (…). Ele não deixava que visse a menina”.

Aguinaldo Silva, em reportagem publicada na edição 2737 da revista Careta, escreveu que a vizinha Liane Mullemberg encarregou-se de espalhar a notícia. A história se espalhou das ruas de Santa Teresa para os corredores da Funarte e das redações do Rio de Janeiro. “Em todos os lugares onde ele algum dia pôs os pés chegou a notícia, levada por ela (Liane Mullemberg) ou por aqueles que ouviram dela, até que o boato se tornou verdadeiro. (…) Ouvia-se sempre a mesma coisa: Antônio Chrysóstomo estuprara a filha de 4 anos”, relatou Agnaldo Silva. No mesmo texto, o jornalista contou que a vizinha telefonou à redação de o Lampião, “exigindo que o internássemos numa clínica psiquiátrica, pois, do contrário, nos envolveria no escândalo”. Chrysóstomo perdeu o emprego na Veja e diminuiu o trânsito na direção de shows. Amtes do escândalo, já afastado há algum tempo do Lampião da Esquina por causa dos trabalhos e da rotina como pai, Chrysóstomo, desempregado, voltou à redação do mesmo jornal, enquanto se entregava à bebida.

Antes mesmo da oficialização do processo, ele procurou o advogado Paulo Goldrajch. “Eu o conheci no dia em que foi ao nosso escritório”, lembra Flora Strozenberg, advogada de defesa em primeira instância, junto com Goldrajch. “Na delegacia, estávamos eu, Chrysóstomo e Lulu”, apelido do promotor Luiz Fernando de Freitas Santos. “Ele foi interrogar. Fiquei espantadíssima! No Brasil, isso não é comum. Como podia um promotor ir à delegacia?”, questiona. Segundo Flora, Lulu havia sido escrivão do Departamento Estadual de Ordem Política e Social, o DEOPS, órgão de repressão dos movimentos contrários ao regime, durante os anos mais ferrenhos da ditadura militar. Para Flora, ele tinha interesse em firmar seu papel como membro do Ministério Público, pressionando a prisão de Chrysóstomo, para “limpar sua barra com o movimento de esquerda”.

 

 

 

Jornal – Marco da imprensa alternativa no final dos anos 1970, Lampião tratava da temática homossexual e tinha entre seus colaboradores nomes como o do escritor e novelista Agnaldo Silva

A reportagem de Aguinaldo Silva informava ainda que o jornalista vivia os “seis meses mais solitários de toda a sua vida, sem poder sequer pôr os pés em uma redação”. Finalmente, foi convidado por amigos para dirigir um show na Funarte. Na véspera da estreia, o jornal A Luta, do Rio, alardeou o caso Chrysóstomo em manchete: “Servia a menina de bandeja nos embalos do mexe-mexe”. A publicação anunciava que o promotor já havia pedido a prisão preventiva do “estuprador”. A advogada de defesa contrapõe: “Até aquele dia o promotor não tinha tomado nenhuma medida nesse sentido”.

Mas no dia seguinte à falsa notícia, ele recebeu ordem de prisão preventiva e foi levado ao Ponto Zero da Polinter, no bairro de Benfica. A alegação era de que se tratava de um “pedófilo, em uma cidade onde existem milhares de menores abandonados”. Para que o juiz tivesse “uma noção exata” da personalidade do acusado, anexava um exemplar do Lampião da Esquina. O documento fora redigido pelo promotor Luiz Fernando de Freitas Santos.

Com a oficialização da denúncia e a cobertura da imprensa, o caso passou a dividir opiniões. Foi quando o acusado levou um golpe que não esperava. O ex-editor de o Lampião da Esquina, João Antônio Mascarenhas, redigiu uma carta para o cenógrafo e dramaturgo Darcy Penteado, distribuída aos grupos gays. O interesse era evitar que o movimento homossexual, emergente no País, assumisse uma postura a favor do acusado. “Chrysóstomo não estaria prejudicando o Movimento Brasileiro de Liberação Homossexual, que passaria a defender um homossexual acusado de corrupção de menores?”, pergunta-se Mascarenhas. “Estaria prejudicando sim, e muito. Muita gente tem medo de homossexuais porque imagina que sejam corruptores de menores. No Brasil e em outros países! Não por acaso, o grito de guerra de Anita Bryant foi Save our Children”. Como define Alceste Pinheiro, o ex-editor “tinha uma visão do movimento gay de terno e gravata, conservador e próximo dos moldes da família burguesa”.

O pensamento da linha editorial do periódico, por consenso de quase todos os editores, era de uma militância marginal, aliada a uma esquerda menos ortodoxa. Glauco Mattoso acrescenta: “Mascarenhas era uma pessoa pouco afeita ao ativismo de esquerda. Não que o pessoal do Lampião fosse necessariamente de esquerda. Na verdade, a gente divergia da esquerda tradicional. Não queríamos saber daquela luta maior, que era como os comunistas chamavam a luta operária e significava renunciar às suas problemáticas individuais ou grupais para assumir uma atitude padrão, como se fosse tudo massificado. Nós queríamos o espaço do homossexual. E o Mascarenhas não estava interessado em ambiente eleitoral, formação de partidos, queria algo mais pessoal”.

João Silvério Trevisan relata, em Devassos no Paraíso, que “numa evidência de baixíssimo nível de consciência e autoestima, quase toda a elite do movimento homossexual brasileiro do período ignorou deliberadamente o caso Chrysóstomo – por estar de relações estremecidas com o Lampião”. A grande imprensa preferiu não tocar no assunto. Alguns veículos alardearam argumentos sensacionalistas. A Veja, a mesma na qual Chrysóstomo fora um renomado crítico de música popular, em matéria sobre o caso, afirmou que o acusado obrigava a filha a acompanhá-lo “em suas crises de alcoolismo, perversão sexual e loucuras”. Publicado em 19 de agosto de 1981, antes do julgamento, o texto dizia: “Uma vez, num bar da cidade, (Cláudia) foi queimada no braço esquerdo por Chrysóstomo, com a brasa de um cigarro e em casa, uma noite, acordada com um soco no nariz”.

O final da história

Após oito meses de prisão preventiva, quando foi levado a julgamento, o primeiro depoimento do dia foi o da vizinha Ana Alves de Souza. Ao entrar na sala, ela teve uma crise. O juiz procurou acalmá-la. Em vão. A dona de casa não conseguia prestar depoimento. O juiz a deixou para ser ouvida por último. Em audiência, Maria Aparecida Batista reafirmou seu depoimento: “Quando me referi ao inchaço na região genital da menina, não quis aludir a qualquer tipo de assadura, mas sim a um inchaço verdadeiro. Cláudia me disse perfeitamente que seu pai mexia ali”. No entanto, o exame de corpo de delito, feito após as primeiras denúncias, em novembro de 1980, no Instituto Médico Legal, constatara que a menor estava com o hímen íntegro e não apresentava lesões anais. “Logo destruímos a primeira afirmação. O inchaço podia ser uma infecção urinária”, relembra-se Flora.

 

 

 

Revista Veja – Reportagem dizia que o acusado obrigava a filha a dançar “em suas crises de alcoolismo e perversão sexual”

Pesava ainda contra o réu a entrevista de sua filha adotiva com a psicóloga da FEEM. Segundo Elizabeth de Lemos Leoni, a criança lhe narrara que “seu pai tirava a roupa da declarante, tirando também sua própria roupa, passando a tocar o corpo dela e mandando que ela tocasse o seu”. O advogado criminalista Mauro Nacif esclarece que o procedimento padrão é que o juiz ouça a criança. “Não se pode confiar na psicóloga porque ela faz uma interpretação”. E acrescenta: “O juiz é acima dos especialistas, então, se o juiz fica em dúvida, ele nomeia mais dois peritos. Vai nomeando, o promotor também participa, o advogado também, mas o juiz não é obrigado a ficar ligado ao laudo”. Como registram os autos do processo, a defesa havia solicitado que a menina comparecesse à sala de audiência: “(…) é importante analisar com que finalidade Chrysóstomo acariciava sua filha. Se não havia manifestação libidinosa, o tipo penal não se completa. Tal parte do tipo – elemento subjetivo – não se pode presumir”. Mas a psicóloga se opusera: “Com relação a um contato pessoal com o juiz ou na feitura de um novo depoimento de Claudinha, entendo que tal fato seria desnecessário porque ela resistiria a uma abordagem sobre esse assunto e lhe prejudicaria ainda mais”.

Em um gesto que surpreendeu a todos, antes de fazer sua breve declaração, Ana Alves se dirigiu ao banco dos réus, abraçou Chrysóstomo e disse o que todos ali ouviram: “Eu é que deveria estar no seu lugar”. Parecia despontar ali o primeiro alicerce da grande mentira arquitetada pelos moradores do edifício Dois Irmãos. Porém, em fevereiro de 1982, o juiz condenou Chrysóstomo a dois anos e oito meses por atentado violento ao pudor, mais dois meses e 20 dias por maus-tratos e mais um ano por periculosidade criminal. Uma pena total de três anos, dois meses e 20 dias de prisão. Flora Strozenberg custou a acreditar na condenação. “O juiz José Carlos Murta Ribeiro era conhecido como filho de juiz. Não era má pessoa. Foi espantoso para nós”, avalia. “Foi puramente um preconceito”, define Ubyratan Cavalcanti.

Quando começou a preparar o recurso de apelação contra a sentença condenatória, o advogado recebeu apoio de amigos de Chrysóstomo. Para ajudar na apelação, Darcy Penteado enviou a Ubyratan uma carta com um dado precioso: “Em 1973, a American Psychiatric Association retirou o homossexualismo da lista de distúrbios mentais”. A informação servia para contrapor o laudo do exame de sanidade mental do acusado, com a taxativa conclusão de que, por ser homossexual, o réu possuía desvio de comportamento. Penteado também escreveu uma declaração, assinada e reconhecida no 9o Cartório de Notas de São Paulo, na qual se diz surpreso pela prisão do amigo, “acusado de crime que em nada corresponde à pessoa que ele é”. Em março de 1983, Chrysóstomo foi absolvido, sob a alegação de que o julgamento anterior não se baseara em provas, mas em conjecturas. O advogado de defesa e vários amigos, como a cantora Eliana Pittman, a mãe e o pai dela, o jazzista norte-americano Booker Pittman, além de Aguinaldo Silva, aguardavam na porta da penitenciária o cumprimento do alvará de soltura.

 

 

 

Revista Careta – Na edição 2737, texto sugere que houve má-fé da vizinhança para incriminar Chrysóstomo

Na prisão, Chrysóstomo definhou rapidamente. Como jornalista, cumpria pena em um quartel da polícia militar. “Encontrei um Chrysóstomo muito envelhecido, sobretudo porque perdera vários dentes, em consequência de uma infecção na boca”, contou Trevisan em seu livro. Ubyratan Cavalcanti também descreve um Chrysóstomo terrivelmente abalado: “Um momento muito difícil, eu lembro, foi na prisão. Ele estava no chão, abalado moral e psicologicamente. Inclusive, na pior condição que se tem”. Quando Chrysóstomo saiu, foi um momento de intensa emoção. “O pessoal chorava, se abraçava. Ele também começou a chorar, tanto que nem tinha condição de falar. E o levaram para casa”, conta Ubyratan. O estigma que agora carregava o impedia de continuar sua vida profissional. Estava sem dinheiro, falido.

Frente às dificuldades de reengatar a carreira no Rio, o jornalista seguiu os conselhos dos colegas de redação e se mudou para a capital paulista. Ninguém sabe o que aconteceu com Chrysóstomo em São Paulo. Ubyratan Cavalcanti chegou a ajudá-lo na organização do livro Caso Chrysóstomo – O Julgamento de um Preconceito. A advogada Flora Strozenberg também perdeu contato com o jornalista. A atriz Rogéria, instada a falar desse momento da vida do amigo, respira fundo: “Querido, eu não sei te explicar”. João Carlos Rodrigues arrisca: “Ele morreu do coração, não foi?”. Alceste Pinheiro é quem parece deter as informações mais precisas sobre o fim de Chrysóstomo: “Da saída da prisão até sua morte decorreu um tempo curto. Seis ou sete meses, eu acho”. Depois da retirada da guarda, Cláudia e o pai adotivo nunca mais se encontraram. Hoje, ela estaria com 37 anos. Como voltou à FEEM, seu paradeiro é sigiloso. Pode ser que tenha sido adotada novamente. O livro Caso Chrysóstomo saiu pela extinta Codecri, com a dedicatória: “Para Claudinha, minha filha”. I

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4 Comentários

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  1. “No auge da carreira,

    “No auge da carreira, Chrysóstomo exerceu forte influência na promoção de artistas. Chegou a apadrinhar alguns cantores.”

    Creio que lí na época que um casal de artistas vizinhos do jornalista engrossou o coro de acusação. Ela, cantora do circuito independente, aliás, muito boa. Ele, fotógrafo famoso, autor de fotos de vários discos da MPB. Como na reportagem não consta o nome deles prefiro não relatar. De repente, posso estar enganado.

  2. Não conhecia o caso.
    Mas o

    Não conhecia o caso.

    Mas o que chamou a atenção, inicialmente, foi o fato de ter sido concedida a guarda de uma menor a um homem solteiro e reconhecidamente homossexual, ainda na década de 70. Aliás, parece que a condição da homossexualidade não teve importância alguma na decisão. O que realmente contou para a concessão da adoção parece ter sido a condição financeira do requerente: “Chrysóstomo não teve dificuldades para obter a guarda. No relatório do Juizado de Menores, sua situação parecia mais do que satisfatória – era colaborador fixo do jornal Folha de S.Paulo, crítico da revista Veja e diretor do Projeto Pixinguinha, da Funarte. Possuía três terrenos na Barra da Tijuca. Apesar do alerta da assistente social no relatório de adoção – a menina não teria desenvolvimento perfeito no campo emocional, face ao que vivenciara na companhia da mãe e outros mendigos –, em fevereiro de 1979, ele se tornou pai, em caráter provisório, de Cláudia”.

    O fato de a mãe da menina beber, ter surtos psicóticos e morar na rua, foi decisivo para nascer no jornalista a vontade de adotar a criança, no entanto, ele a levou para morar em sua casa onde também bebia, fumava e fazia festas até altas horas. O adotante não pretendeu em momento algum mudar seu comportamento a fim de tornar o lar um pouco mais preparado para receber uma criança.

    É provável que ele não tenha cometido o crime que lhe fora imputado, a própria Justiça o absolveu algum tempo depois, porém o que chama a tenção nesse post é: será que é a condição econômica que deve determinar onde uma criança pode ou não ser criada?

  3. Trabalhei com Chrysóstomo na

    Trabalhei com Chrysóstomo na revista Gourmet em meados dos anos 80… 85, 86, não lembro bem.

    Soube da morte dele alguns anos depois. Ele não morreu logo depois de sair da prisão, portanto.

    Estava sim muito deblliitado e doente. A sua arrogância era típica dos gênios, que só os medíocres não percebem…

  4. Crime inventado

    Que história triste, vejam só como é fácil se montar um teatro e ali se criar um crime que não existiu, me lembrei do mensalão, onde pessoas foram condenadas por serem petistas, veja só aonde pode chegar a virulência provocada pelo ódio e pelo preconceito de classe, político, sexual, tudo muito lamentável

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