Mergulho na história do Brasil

Por Sandro_Araujo

Do Blog Sandro Araújo

1822: Desvendando um pouco da história do Brasil

Brasil, 1822: um país libertário, um líder marcante e uma constituição incrivelmente avançada. Piauí, 1776: “uma região tipicamente brasileira, misturada, miscigenada, sem distinções de raças e cores”. As descobertas da leitura do livro sobre a Independência do Brasil.

Por Sandro Araújo

Tenho me deliciado nos últimos dias com a leitura do livro 1822 – Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado, de Laurentino Gomes, Editora Nova Fronteira.

O livro lança luz aos acontecimentos que precederam a declaração da Independência do Brasil, a 7 de setembro daquele ano – assim como acontecimentos seguintes à efeméride. Procura ser uma leitura desapaixonada da história pátria, trazendo uma visão “neutra” dos episódios. Laurentino mostra um D. Pedro menos caricato que aquele da série “Quinto dos Infernos”, da Rede Globo e igualmente visto com menos ufanismo que o personagem interpretado por Tarcísio Meira em 1972, no filme “Independência ou Morte”. Vale lembrar que 1972 foi o ano do “sesquicentenário da independência”.

….

D. Pedro I é retratado como um homem ao mesmo tempo comum, “humano”, e também com características próprias de um “sangue azul” de primeira categoria. Os estudiosos das monarquias e mesmo os leigos sabemos que é comum um personagem surgir como unificador de uma nação, um conquistador ou um vitorioso em várias batalhas, aclamado pelo povo e alçado à posição real. O problema é a sua descendência, que em raríssimas situações consegue repetir as atitudes do fundador da dinastia… Em geral temos descendentes cada vez mais medíocres a cada geração.

Pois D. Pedro não foi necessariamente o primeiro. A dinastia da qual fazia parte (Casa de Bragança) ascendeu ao trono português em 1640, com D. João IV. O “brasileiro” D. Pedro I foi também D. Pedro IV em Portugal. Se tinha uma avó louca, D. Maria I, e um pai reticente, D. João VI, parece não ter herdado desses a mediocridade.

Um trecho do livro de Laurentino Gomes permite uma pequena ideia da dimensão de D. Pedro:

D. Pedro fez a independência do Brasil com 23 anos, idade em que hoje a maioria dos jovens brasileiros e portugueses ainda frequenta os bancos escolares. Dez anos mais tarde, estava em Portugal colhendo os louros da vitória contra o irmão, D. Miguel, que havia usurpado o trono e mergulhado o país em longo período de terror e perseguições. Nesse meio-tempo, abdicou de duas coroas – a portuguesa, em 1826, e a brasileira, em 1831. E recusou outras duas: a da Espanha, que lhe foi oferecida três vezes pelos liberais que lutavam contra o rei Fernando VII e a da Grécia, país que o convidou para, na condição de monarca, liderar a guerra contra os turcos otomanos em 1822. (Op. Cit, pp 122-3, 1a. Ed.)

Sim, D. Pedro era um personagem singular! Confesso que não sabia do episódio do trono Grego…

Dos fatos que culminaram na declaração da Independência, são de conhecimento público o episódio do “Dia do Fico”, a declaração às margens do Ipiranga, a composição do Hino da Independência, a convocação e depois dissolução da Assembleia Constituinte, a promulgação da Constituição de 1824 e finalmente a abdicação e a morte em Portugal. O que a grande maioria dos compatriotas sabemos é que tratava-se de uma constituição feita à imagem e semelhança de D. Pedro, que visava legitimar o poder do Imperador e que inclusive institui um quarto poder aos clássicos de Montesquieu: o Poder Moderador. Ou seja: tudo para ser uma Constituição sob medida para o despotismo.

Pois vejam o que nos relata Laurentino Gomes:

Na declaração de dissolução da constituinte, D. Pedro promete dar ao país uma constituição “duplicadamente mais liberal do que a extinta Assemblea acabou de fazer”. E foi, de fato, o que aconteceu. A primeira Constituição brasileira, outorgada pelo imperador no dia 25 de março de 1824, era uma das mais avançadas da época na proteção dos direitos civis. “Embora tivesse imperfeições, era a melhor entre todos os países do hemisfério ocidental, com exceção dos Estados Unidos”, afirmou o historiador Neil Macaulay. Foi a mais duradoura constituição brasileira. Bem-sucedida ao organizar o estado e discriminar as fronteiras entre os diferentes poderes, sucumbiu apenas em 1891, substituída pela primeira constituição republicana. (Op. Cit, p. 129, 1a. Ed.)

E continua Gomes:

Uma das novidades da Constituição de 1824 era a liberdade de culto. O catolicismo mantinha-se como a religião oficial do Império, mas, pela primeira vez na história brasileira, judeus, muçulmanos, budistas, protestante e adeptos de outras crenças poderiam professar livremente a sua fé. Também assegurava plena liberdade de imprensa e de opinião. Ninguém poderia ser preso sem culpa formada em inquérito policial nem condenado sem amplo direito à defesa. (Op. Cit, p. 129, 1a. Ed.)

É… Há muito da história do nosso querido Brasil a ser desvelado aos próprios brasileiros! A constituição atual, de 1988, é conhecida como “Constituição Cidadã”. E pensar que, ainda em 1824, já tínhamos uma Carta Magna tão avançada…

E por falar em avanços, no capítulo dedicado à Batalha do Jenipapo, “o mais trágico confronto na Guerra da Independência”, que resultou em “cerca de duzentos brasileiros mortos e mais de quinhentos feitos prisioneiros”, Laurentino Gomes fala da participação do Piauí nos episódios que consolidaram a independência e a unidade da antiga colônia portuguesa na forma do Brasil atual (o Acre foi posteriormente anexado). Pois ao falar do Piauí, Gomes cita relatório enviado pelo seu primeiro governador, João Pereira Caldas, à coroa portuguesa, em 1776:

“Neste sertão, por costume antiquíssimo, a mesma estimação têm brancos, mulatos e pretos e todos, uns e outros, se tratam com recíproca igualdade, sendo rara a pessoa que se separa deste ridículo sistema” (Op. Cit, p. 188, 1a. Ed. – citando Abdias Neves, A guerra do Fidié, p. 33-6)

Confesso que li com admiração o trecho acima. Ressalto que a última parte é de um preconceito e racismo latentes. Mas, enfatizando-se a constatação de João Caldas, temos uma região no Brasil que, ainda em 1776 (por costume antiquíssimo, ou seja, anterior àquela data), não fazia distinção entre raças! Um lugar onde brancos, mulatos e pretos se tratavam com recíproca igualdade. O Piauí de hoje é, de maneira preconceituosa, quase sempre lembrado como um dos lugares mais atrasados do país. Nos episódios que precederam a campanha presidencial de 2010, Paulo Zottolo, presidente da Philips e integrante do grupo “Cansei” chegou a afirmar: ”Não se pode pensar que o país é um Piauí, no sentido de que tanto faz quanto tanto fez. Se o Piauí deixar de existir ninguém vai ficar chateado”. Pois hoje eu digo: minha estima com o Piauí somente cresceu ao conhecer as palavras de João Pereira Caldas.

Na busca de corrigir “erros históricos” e resgatar uma “dívida secular” com os “afrodescendentes” o Brasil de hoje tem implementado diversas políticas afirmativas. No acesso às universidades públicas foram criadas várias cotas para negros e “afrodescendentes”. Foi ainda criado um ministério para tratar do tema, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, cuja primeira titular, Matilde Ribeiro, teve a capacidade de afirmar que “não é racismo quando um negro se insurge contra um branco” (mutatis mutandi, a recíproca é racismo…). Fala-se ainda na criação de cotas para negros e “afrodescendentes” em vagas de concursos públicos e até mesmo na iniciativa privada.

Como o Brasil atual teria a aprender com o Piauí pré-1776! É importante entender que a crítica é à mão-única em que se promove a igualdade racial. Em um país miscigenado como o nosso, a cor da pele pouco diz sobre a ascendência do indivíduo: em pesquisa promovida pela BBC Brasil, no projeto Raízes Afro-brasileiras, o cantor Neguinho da Beija-Flor foi surpreendido ao saber que possui nada menos que 67,1% de genes europeus. Criar cota para “afrodescendente” significaria atingir quase toda a população: poucos compatriotas não possuem, em alguma parte de sua ancestralidade, um “avô” africano. (O termo “afrodescendentes” está entre aspas para enfatizar que é tratado como um grupo “especial”, como se não o fossem os “eurodescendentes”, os “indiodescendentes”, os “orientais”, etc)

Recomendo a todos a leitura de 1822. É igualmente deliciosa a leitura de 1808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil, também de Laurentino Gomes, e que fala da chegada da família real de Portugal ao Brasil, episódio que acabou por desencadear a Independência do país, relatada com detalhes no livro aqui retratado.

Publicado originalmente em Blog Sandro Araújo: http://www.araujosam.net/2012/03/1822-desvendando-um-pouco-da-historia-d…

Luis Nassif

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