Nós, caipiras, por Eugênia Gonzaga

Quadro ‘O Violeiro’ (1899), de Almeida Junior

Por Eugênia Gonzaga

No dia 01.11.2015 vai acontecer o III Encontro da Família João Luiz Pinto, que era meu avô. A sua descendência já está em torno de 300 pessoas.

Ele é um autêntico representante da cultura caipira do sul de Minas. Então, para contar para a turma mais jovem de onde viemos, fiz pesquisas sobre a origem do caipira. Me baseei em vários textos de Internet, mas principalmente na obra daquele que é considerado o maior historiador sobre a cultura caipira: Antônio Cândido. Nascido no Rio de Janeiro, ele foi criado na região de Poços de Caldas e não se considera um mero pesquisador sobre a cultura caipira, mas sim uma pessoa que é fruto dessa cultura.

O(a) caipira

Existe a tendência de se chamar alguém de caipira de maneira jocosa, mas o termo indica um tipo cultural importantíssimo na formação da cultura brasileira.

O termo ‘caipira’ tem origem no tupi-guarani e é o mesmo que ‘capiau’. Significa ‘cortador de mato’. Os indígenas chamavam os brancos que vinham desbravar o sertão desse modo, porque o índio não precisa ‘cortar o mato’ para sobreviver, mas o branco, sim. A maioria desses brancos era composta de portugueses, mas uma parte significativa, em torno de 1/3 deles, era de judeus recém-convertidos, os “cristão novos”.

Rapidamente ocorreu a mistura entre esse homem branco e indígenas, originando o mameluco. Portanto, o caipira vira um mestiço, fruto dessa mistura, a qual se reflete em todas as suas características. O “r” bem aberto, ou retroflexo (porrrta), por exemplo, vem do tupi-guarani. Algumas palavras que são consideradas erradas, como ‘pregunta’, ‘despois’, na verdade eram a maneira culta de se falar a Língua Portuguesa no Séc. XVII. A maneira de fazer as festas religiosas de forma ostensiva é creditada aos cristãos novos, que precisavam convencer os outros de que adotaram o catolicismo para não serem perseguidos no Brasil-colônia.

Esse branco era principalmente o bandeirante, ou seja, aquele que vivia de andar de um lugar para outro, conquistando territórios, aprisionando e vendendo índios. Mas à medida que percebe que não pode mais continuar com essa atividade, vai se fixando e procurando adquirir suas próprias terras.

Alguns tornam-se fazendeiros, comerciantes, mas a grande maioria fica isolada no sertão e torna-se um “produtor de si mesmo”, cultivando sua pequena propriedade e produzindo para o seu sustento e de sua família.

O caipira, por ter essa origem bandeirante e indígena, tem alma livre. Não aceita se submeter ao trabalho escravo da época (ditado: ‘prefiro comer duas espigas de milho e uma abobrinha do que ser escravo’). E mais que isso, para a sua subsistência, usava a caça e a pesca, que eram também atividades prazerosas, de lazer. Daí a fama do caipira como aquele gosta de uma vida mansa.

Mas esses valores são qualidades importantíssimas: amor à liberdade e alegria de viver.

Os Bairros

Esse caipira livre, independente, fixado no interior, longe das cidades, acaba se isolando e tendo sua família e amigos como principal apoio. Então, a sua base não é sua casa, ou sua cidade, mas o BAIRRO. Casas próximas entre si na área rural.

Nossa família, por exemplo, se estabeleceu no Bairro dos Pintos.

A vida nesses Bairros era muito unida. Se reuniam para rezar, para festejar, para trabalhar… Quando alguém se casava, todos se juntavam para fazer a casa em regime de mutirão, o qual era sempre finalizado com muita comida e música. Luiz Gonzaga, o sanfoneiro, conta em seus shows que, nessas casas de pau a pique e piso de terra, o baile no final do mutirão já servia para bater o chão. A primeira casa dos meus pais e de muitos da família foi assim.

Essa maneira coesa de viver nos Bairros fez com que os caipiras dessem muito valor às tradições, principalmente as religiosas (pedir benção dos mais velhos, rezar terços, fazer promessas, novenas).

No Bairro havia figuras importantes como a parteira, a benzedeira e aquele que tinha mais leitura que os outros. Este fazia as vezes de juiz, conselheiro e contador de histórias. Nosso avô João Luiz Pinto era um desses. Lia os livros e recontava para as pessoas da região, muitas vezes em forma de versos. Serão distribuídas na festa camisetas estampadas com parte desses versos.

Outra característica da vida nos Bairros, fruto desse isolamento, era o casamento consanguíneo (entre primos). João Luiz já dizia: ‘casamento é vizinhança!’. Ele mesmo, alguns de seus irmãos, irmãs e filhos, inclusive meu pai, casaram-se com primos(as).

Com o final da escravidão, o negro também vem trabalhar desse modo independente na área rural e torna-se caipira. Ocorre uma fusão entre as três culturas (indígena, portuguesa e africana). Depois chegam no Brasil os imigrantes, a maioria italianos e espanhóis. A área rural também é procurada por eles e a cultura caipira vai sendo assimilada.

Quando o caipira passa a sair do seu sítio e ir vender seus produtos na cidade, ele vê que faz parte de um país. Ele então se sente brasileiro e vai transmitindo a sua cultura. É quando começa a entrar no mercado de consumo e se muda para as cidades. Só que na cidade, a maioria se coloca em profissões mais simples, como porteiro, soldado, pedreiro, doméstica e vai morar nas periferias. Antônio Cândido chama São Paulo de “destruidor de caipiras”, pois há um período em que sua cultura fica marginalizada. Mas ela sobrevive, formando uma grande relação entre a cultura caipira e a urbana.

Hoje no Brasil há extremos: pessoas totalmente distantes dos costumes rurais e outras ainda presentes em lugares afastados e sem contato com cidades. Mas entre esses extremos há uma gama infinita de pessoas que mantêm muito vivos os costumes e valores caipiras, tais como o apego à família, à religião, o gosto por comida simples, pescaria, festa, música e dança. Ou seja, quase todos nós, caipiras com muito orgulho, sim senhor.

Redação

5 Comentários

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  1. Eugênia, tenho a honra, honra mesmo, de ter sido aluna de

    ANTONIO CÂNDIDO, lido quase todos os seus livros e aprendido a respeitar o SER CAIPIRA.

    Sou carioca, vivi toda minha juventude e maturidade na cidade de SP.

    Mas… escolhi voltar pra cidade pequenina, tentando reencontrar a caipira de mim, em mim. Aqui, em Barbacena, jazem meus pais, meus avós, meus tios e , logo mais quem sabe, eu também.

    Preferi, escolhi VIR PARA CÁ.

    Abraço. 

  2. O sertanejo

    Que beleza de post ! Também venho do interior, ainda que morando em cidade média, e gosto muito da cultura caipira. Recentemente estive no interior de MT, onde ainda se pede a benção às pessoas mais velhas e elas ainda sentam nas cadeiras de rodas nas calçadas ao fim do dia para contar historias a quem ainda se interessa. Eh um prazer ouvi-los e mais ainda, identificar a origem de palavras e expressões usadas. Vejo que em MT, por exemplo, os mais velhos, os caipiras, usam uma lingua que tem ramificação no francês e com fonéticas um pouco espanhol. 

    Falar o quê do querido Antônio Cândido. Maravilhosa pessoa. Outro dia comentei que faz falta essa turminha: Antonio Callado (e seu belissimo Retrato de Portinari), Antônio Houaiss, Darcy Ribeiro e tantos outros que entenderam a cultura brasileira para muito além do intelectual esnobe e urbanoide. 

    [video:https://youtu.be/4YWcrWqgNEg?list=PLgoKs9PQ-wI1RYgD7kOXYpF08V9PBZJ9j%5D

  3. Qual município fica o Bairro do Pintos?

    Encontrei alguns:

    Tem bairro dos Pintos em:

    Itatiba SP

    Piedade SP

    Ibiúna SP

    Mogi das Cruzes SP

    Serrinha dos Pintos RN

    Penápolis SP

    Recife PE

    Itapeva SP

    Conceição dos Ouros MG

    Piranguçu MG

    Maria da Fé MG

    E mais 356.000 referências no Google.

  4. Pra mim a principal
    Pra mim a principal caracteristica do caipira é o respeito à vida e à natureza. Coisas que o urbano parece considerar como pragas. O caipira é sabio, inteligente e ama sua terra. Meus respeitos a essa gente maravilhosa, e muitas alegrias a familia do Seu João Luiz Pinto. Que essa festa sirva de lição aos que só sabem olhar pra fora do Brasil.

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