Por Sebastiao Nunes
A bouillabaisse tinha mais pão do que peixe, ainda assim Vincent arrotou satisfeito. Pagou dois francos no caixa, acendeu um cigarro e saiu. Uma mulher magra de rosto cadavérico e barriga grande passava lentamente do outro lado da rua.
“Ali vai a modelo perfeita”, pensou imediatamente.
– Moça, moça! – chamou ele.
A mulher parou, os grandes olhos curiosos arregalados.
Vincent se apresentou:
– Sou pintor e gostaria que você posasse pra mim. Não posso pagar muito.
– Estou com fome – disse ela.
– Você gosta de bouillabaisse? – perguntou ele. – Acabei de comer e posso pagar uma pra você.
A mulher fez que sim e seguiu Vincent de volta ao albergue. Ele mandou servir o prato. Sentaram-se e ele ficou olhando a mulher enquanto ela comia.
TRISTEZA
– Meu nome é Clasina Maria e sou uma puta – disse ela.
Vincent não respondeu. Enquanto Clasina comia, ele a examinava com olhos de desenhista: estudou as linhas do rosto escaveirado, os seios bambos através do tecido esgarçado, os olhos remelentos, o nariz comprido, os cabelos emaranhados…
– Qualquer dia desses vou me afogar no Sena – continuou ela.
– Antes de se afogar, gostaria que me servisse de modelo – disse ele entre sério e brincalhão. – E você precisa parir esse filho que tem na barriga.
– É. Por isso estou viva. Não tive coragem ainda.
– Eu a chamarei de Sien e você vai morar comigo. Te darei casa e comida.
– Está certo. Eu sou uma puta, me chamo Sien, vou morar com você e ganharei casa, comida e cama.
LEVEZA
O grande rio de águas escuras corria sem ruído, coalhado de barcaças.
– O Sena é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia – disse Vincent.
– Parece poesia – disse Sien, entre duas colheradas.
Vincent continuou:
– Mas o Sena não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia…
– É muito bonito – disse Sien.
– Porque o Sena não é o rio que corre pela minha aldeia.
Continua parecendo poesia – murmurou Sien, encarando Vincent. – Você é um poeta de verdade?
– Não, sou pintor – disse Vincent. – E quero que você me sirva de modelo.
– Só isso que você quer? – perguntou Sien.
– Não – respondeu Vincent. – Quero outras coisas também.
Sien sorriu, satisfeita e contrafeita, revelando grandes dentes cariados.
– Estou velha e feia – disse Sien, encarando Vincent. – Tenho 31 anos e estou grávida de um sujeito que não quis o filho. Não sirvo para modelo nem para amante.
– Estou meio doido e sozinho – disse Vincent encarando Sien. – Tenho 29 anos e preciso de alguém que me compreenda, além de meu irmão.
CARTA A THEO
“Tomei essa mulher como modelo e trabalhei com ela durante todo o inverno. Não pude pagar-lhe o salário completo, mas isso não impede que eu lhe tenha pago suas horas de pose, e que, graças a Deus, eu tenha podido salvá-la, a ela e a sua criança, da fome e do frio, repartindo com ela meu próprio pão. Quando encontrei essa mulher fiquei impressionado por seu aspecto doentio.”
“Eu a fiz tomar banhos, dei-lhe fortificantes tanto quanto pude, ela ficou bem mais saudável. Fui com ela a Leyde, onde há um instituto para mulheres grávidas que lá podem dar à luz. Não é de espantar que ela estivesse doente, a criança estava em má posição, ela teve que sofrer uma operação, foi preciso virar a criança com ajuda do fórceps. Há grandes possibilidades de que ela escape dessa.”
RESUMÃO
Em janeiro de 1882 Vincent encontra Sien.
Em junho de 1882 Vincent é internado com gonorreia.
Em julho de 1882 nasce o filho de Sien.
No outono de 1883 Vincent e Sien se separam.
Em julho de 1890, aos 37 anos, Vincent dá um tiro no peito.
Em 1904, aos 54 anos, Sien se afoga.
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