O que ninguém contará sobre Auschwitz

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Sugerido por Leo V

Por Miguel Angel Rodriguez Arias

Em O Diário

Os grandes media internacionais falam de Auschwitz à sua maneira: reescrevendo a história. E uma das formas de reescrever é fazer silêncio sobre o papel do grande capital internacional na promoção e no financiamento do nazismo. E fazer silêncio sobre os que tiraram lucro dos crimes monstruosos do nazi-fascismo.

Passam setenta anos sobre a libertação do campo da morte de Auschwitz, com toda a probabilidade o nome que evoca o mais próximo que o ser humano, em toda sua história, chegou a estar do mal absoluto. E já não é dizer pouco.

Auschwitz, e os outros mais de 50 “campos da morte” disseminados por toda a Europa ocupada, evocados em uníssono apenas com essa menção; e sem contar os quase 1000 campos de concentração do Terceiro Reich, os más de 1150 guetos e tudo o resto.

Declarado Património da Humanidade pela UNESCO, falar de Auschwitz continua sendo hoje demasiado difícil, demasiado insuficiente, demasiado assustador. Não há texto nem palavras suficientes para abarcar o que foi Auschwitz, e muito menos num breve artigo, é certo.

Contudo, é para mim demasiado inaceitável que mesmo no dia em que se recorda o 70º aniversário da libertação de Auschwitz tudo o que ali sucedeu seja permitido esquecer que Auschwitz foi o maior campo de trabalho forçado da Alemanha nazi.

E que Auschwitz foi também “IG Auschwitz”. Filial de IG Farben, o grande Cartel empresarial do momento, formado pelas empresas Bayer, HOECHST e BASF.

E não digo o grande Cartel empresarial “alemão”, porque isso não seria verdade, pelo menos até praticamente Dezembro de 1941 e o ataque a Pearl Harbor.

E não seria verdade porque, segundo o próprio relatório oficial da Secção de Investigação Financeira do Governo Militar de Ocupação, por altura de 1940, do total das 324.766 acções que compunham o Cartel IG Farben, unicamente 35.616 estavam nas mãos de pessoas com residência na Alemanha, enquanto quase o triplo, 86.671 acções, estavam nas mãos de investidores de nacionalidade estado-unidense, e quase cinco vezes mais, 166.100 acções, estavam nas mãos de cidadãos suíços.

Quer dizer que mais de 80% do capital social de IG Farben era financiado a partir de Wall Street e da Suíça, face a pouco mais de 10% de financiamento propiamente alemão.

E essa seria, precisamente, uma das razões determinantes para que os responsáveis empresariais de IG Farben (até 24 altos dirigentes da companhia) não tivessem sido processados nos Julgamentos principais de Nuremberga: a dificuldade em conseguir deixar fora da investigação penal outros cidadãos dos Estados Unidos, Reino Unido e outros países.

Porque os líderes nazis foram uns monstros e uns dementes, evidentemente que sim, mas algum dia acabará por se falar também da autêntica conspiração de Farben, Krupp e outras grandes empresas mundiais, supostamente “alemãs” que em nome de uma “vantagem” auto-referencial e à margem de qualquer sensatez e humanidade, os promoveram e financiaram sem limite, com mais de três milhões de marcos da época “para que as eleições de 1933 fossem as últimas eleições da República de Weimar” (von Schnitzler dixit) para poderem depois fazer à vontade “negócios” com o regime nacional-socialista aproveitando a “oportunidade de mercado” da invasão de quase toda a Europa bem como de “instalações de trabalho” como Auschwitz…
Porque, tal como assinalaria o promotor Taylor no seu “indictment” durante os Julgamentos posteriores a Nuremberga: “IG marchou com a Wehrmacht, concebeu, iniciou e preparou um detalhado plano para, apoiado por esta, se apropriar da indústria química da Áustria, Checoslováquia, Polonia, Noruega, França, Rússia e outros 18 países”.

E por isso tão pouco deveria surpreender que após a derrota do nazismo uma das Leis do Conselho de Controlo aliado fosse precisamente a número 9, de 20 de Setembro de 1945, especificamente destinada a dissolver o Cartel IG Farben e fundamentada, segundo as palavras do seu próprio preâmbulo, na necessidade de “impedir que IG Farben pudesse representar qualquer ameaça futura para os seus vizinhos ou para a paz mundial através da Alemanha”.
O que não quer dizer que fosse de esperar que, quando passam 70 anos sobre a libertação, surgisse algum tipo de comunicado ou pedido público de perdão pela “IG Auschwitz” por parte da Bayer, HOECHST ou BASF, empresas estas que, ao contrário da sua matriz Farben, continuam hoje a existir.

Considero que “IG Auschwitz” representa um motivo muito real de preocupação acerca da necessidade de rever os “limites e controlos” do poder corporativo no mundo actual, e sobre a actual insuficiência dos instrumentos de Direito penal internacional perante tudo isso. E que, neste dias de rememoração, é demasiado inaceitável, e arriscado para um futuro que ninguém deseja ver repetido, que nem sequer seja mencionada a fundamental responsabilidade assumida por estes e outros actores empresariais no imenso crime de Auschwitz.

*Advogado. Perito em Direito penal internacional.
Rebelión publicou este artigo com autorização do autor mediante uma licença de Creative Commons, respeitando a sua liberdade para o publicar em outras fontes.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

18 Comentários

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  1. Condena-se os assassinos,

    Condena-se os assassinos, depois de terem falhado no propósito principal, e absolve-se os mandantes do crime. Assassinos pagos por seres etéreos.

  2. Além de ser proprietário de

    Além de ser proprietário de várias unidades fabris nos EUA, Henry Ford também tinha uma fábrica de caminhões em Frankfourt. As empresas dele produziram e venderam caminhões para o III Reich e para o US Army. Um bom capitalista lucra enquanto os idiotas pagam para se matar uns aos outros. A essência do capitalismo não é apenas o fetiche da mercadoria, a produção de mais valia e a alienação do trabalhador (Karl Marx), mas a violência organizada e sistemática que possibilitou a dominação de territórios, continentes e do planeta. Antes de controlar a Europa o capitalismo teve que destruir todos os resquícios das tradicionais terras comunais que existiam em solo europeu. O mesmo foi feito com as terras comunais ocupadas por indigenas no Novo Mundo e por civilizações negras na África. A violência organizada numa escala nunca antes vista na história da humanidade sempre esteve no DNA dos capitalistas. Felizmente, porém, o capitalismo conseguiu evoluir tecnicamente até conseguir produzir Bombas de Hidrogênio em grande quantidade. Em algum momento elas serão usadas e então nem mesmo os capitalistas mais ricos conseguirão sobreviver ao holocausto planetário que eles produziram. O fim do mundo, da história e do capitalismo serão um recomeço para a Natureza. O que virá depois da hecatombe do capitalismo só a própria Natureza dirá, pois comparado ao tempo dela (medido na escala de milhões de anos) o tempo de vida do capitalismo terá sido um infeliz acidente momentâneo, um desvio de curso instantâneo soterrado por cinzas contaminadas de radiação.  

    1. OPEL, Estaleiros de Hamburgo, Fábricas de armamento, etc

      Muito bom seu comentário senhor Fábio, mas a questão é tão absurda que, o principal capital americano, inglês e outros financiaram os nazistas desde o início (a proposta era tomar Moscou) e inclusive burlando as limitações armamentícias do acordo de Versalhes e no final da guerra a GM entrou com uma ação e ganhou uma reparação pela destruição de sua fábrica (Opel) pelos ataques aéreos dos Aliados. Hoje neste vale tudo do Neo Liberalismo (lucro a qualquer custo) esquecer dessas práticas e acreditar que o capital possa ser controlado moralmente terminaremos em outros HSBCs muito mais desumanos e cruéis. Só nos resta a barbárie e sacrifício da cultura da humanidade, a fatura está chegando e os pobres e trabalhadores acabarão sendo novamente os sacrificados.

      Atenciosamente.

  3. Gaza

    Dentre os crimes antigos e os presentes, creio que quando se olha demasiado para trás se deixa de ver o presente.  Qual a participação do capital nas tragédias da faixa de Gaza? Os EUA DOAM anualmente 3 bilhões de dólares  a Israel todos os anos, para que o país compre armas estadunidenses de empresas poderosas, que financiam campanhas eleitorais de deputados, senadores e presidentes. Não esquecer que dentre os produtos comprados, Israel lançou bombas de fósforo, arma química proibida pelas Convenções de Genebra, muitas das quais responsáveis pelo genocídio de 800 crianças, na guerra de 2008, fora mísseis, aviões etc. Não que as barbáries dos nazistas não devam ser referidas, é óbvio. Mas se a gente olha somente para trás, deixa de cuidar do presente. No presente, os nazistas são os governantes de Israel, sobretudo depois de Itzhak Rabin. E é no presente que vivemos. Não adianta nada olharmos para trás para aprender com erros antigos, se simplesmente fechamos os olhos aos mesmos erros, quando cometidos no presente. É minha convicção.

  4. Gaza

    Dentre os crimes antigos e os presentes, creio que quando se olha demasiado para trás se deixa de ver o presente.  Qual a participação do capital nas tragédias da faixa de Gaza? Os EUA DOAM anualmente 3 bilhões de dólares  a Israel todos os anos, para que o país compre armas estadunidenses de empresas poderosas, que financiam campanhas eleitorais de deputados, senadores e presidentes. Não esquecer que dentre os produtos comprados, Israel lançou bombas de fósforo, arma química proibida pelas Convenções de Genebra, muitas das quais responsáveis pelo genocídio de 800 crianças, na guerra de 2008, fora mísseis, aviões etc. Não que as barbáries dos nazistas não devam ser referidas, é óbvio. Mas se a gente olha somente para trás, deixa de cuidar do presente. No presente, os nazistas são os governantes de Israel, sobretudo depois de Itzhak Rabin. E é no presente que vivemos. Não adianta nada olharmos para trás para aprender com erros antigos, se simplesmente fechamos os olhos aos mesmos erros, quando cometidos no presente. É minha convicção.

  5. Na epoca devem ter falado:

    Na epoca devem ter falado: “eles empregam milhões…”, “os culpados são as PF não as PJ…” ou a melhor de todas “eu não sabia!!!”

     

     

  6. Punir ?

    Em algum momento devem ter dito: “Mas eles empregam milhões…”, “Não devemos punir as PJ devemos sim punir as PF ” ou ainda “eu não sabia !!!”.   

      1. mas, o capital aprendeu?

        Prezado senhor André Araujo.

        Não há mais o que punir? O capital aprendeu a não investir na violência e na interferência direta da política de nações? Claro que não e basta ver as contribuições para todos os fundos desestabilizadores de governos autóctenes e ditaduras sanguinárias que surgiram desde os anos 50.

        Essa punição teve essa idéia que o senhor prega; reconheçamos essa imputação e não falamos mais nisso!!!!!!!!!!!!!

        Atenciosamente.

         

      2. Quem compra o petróleo exportado pelo ISIS?

        É extremamente interessante, uma das fontes de financiamento do ISIS é a venda de petróleo do Síria, do Iraque e agora da Líbia, a grande pergunta sobre a responsabilidade dos grandes é quem compra este Petróleo?

  7. Informaçao velha de decadas.

    Informaçao velha de decadas. O gas Zyklon B que era injetado nas salas da morte era produzido pela IG Farben, consorcio constituido pela Hoechst, Bayer e Basf. Ja foram acusadas, processadas, pagaram multas e sao hoje empresas respeitaveis na Alemanha e no mundo. So what?

  8. PSDB, o novo nazismo tupiniquim.

    Conheci um alemão judeu que sobreviveu a Auschwitz. Em 1939 fugiu de Berlin e estava próximo à fronteira com a França, quando foi demovido a voltar. Se ele se entregasse às autoridades alemãs, sua família seria poupada. Seu “crime”: ser judeu. Por amor ao pai, mãe e irmãos, ele voltou. Todos foram chacinados, menos ele, que foi posto para alimentar porcos, por causa de sua constituição física, muito fraco, não tinha serventia na indústria. Fraco mas esperto, separava uma pequena parte da lavagem dos porcos para alimentar-se e a uma amiga. Se fosse descoberto, seria fuzilado imediatamente, sem julgamento, um tiro na nuca e pronto. Quando os Aliados libertaram os poucos prisioneiros que restaram, ele correu a Europa toda em busca de parentes. Convencido de que estava só no mundo, veio parar no Brasil, mais por acidente do que qualquer outra coisa. Em nossa terra, casou-se e teve 3 filhos. Minhas homenagens ao sr. Michael Meisler, aliás, “seo” Miguel, mais um herói anônimo dos milhões que ajudaram a construir o Brasil..

  9. É……………………

    Histórias………….., estórias……………… !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    O artigo sugerido por Leo V  e escrito por Miguel Angel Rodrigues Arias, vem muito bem a calhar neste dias de pouca memória ou de intencional esquecimento!

    Se realmente quisermos saber o que de fato aconteceu, ignore os relatos oficiais. Busquem fontes independentes e verão o que realmente se passou àquela época.

    Não só foi financiada por Wall Stret, como após o término da guerra, muitos cientistas alemães foram  beneficiados com indultos pelos vencedores, e levados para trabalharem na Nasa!

    Isto sem falar no julgamento de Nuremberg, que é  outra historia, cujos fatos ocorridos surpreende os mais competentes juristas internacionais até hoje!!!

    Tipo do recente – Dominio do Fato !!!!!!!!!!!!!!!!!!

    Arendt tinha razão !!!!!!!!!!!!!!!!!!! ou, como dizem – ” informação velha de décadas ” !!!

     

     

     

  10. O Tratado de Versalles, obra

    O Tratado de Versalles, obra dos aliados, é o causador da tragédia  e ninguem encara iessa realidade conduzidas por ingleses e franceses,  responsáveis diretos do ato seguinte, a Segunda Grande Guerra. Embora se sabe quem prococou estas guerras foram os capitalistas sionistas infiltrados na economia mundial e hoje ainda façam a pajelança com os auspícios do seu protetor: Os Estados Unidos

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