O que realmente deve ser celebrado, por Jandira Feghali

Por Jandira Feghali*

O dia 31 de março não deve ser nunca esquecido. Tão pouco festejado. A data marca o início de uma ruptura democrática e de um período vergonhoso em nossa história. O belo trabalho realizado pela Comissão Nacional da Verdade concluiu que “está perfeitamente configurada a prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e de tortura, assim como o cometimento de execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres por agentes do Estado brasileiro.”

Não há dúvidas, portanto, de que a ditadura militar instalou no Brasil um estado de exceção, onde os que ousavam divergir de suas ações e métodos eram tratados como inimigos do Estado e sujeitos a todo tipo de arbitrariedades. Censura, perseguição, tortura, mortes e desaparecimentos foram a tônica de uma época que jamais pode ser motivo de comemorações.

A nós, militantes da esquerda, cabe registrar a data e relembrar às gerações mais novas a luta e a dor das famílias que sequer tiveram o direito de enterrar seus mortos, que ainda hoje se encontram na lista dos desaparecidos. Nos cabe alertar para os riscos de qualquer ruptura democrática. E reforçar, sempre, que fora da democracia não há possibilidade de uma nação livre, soberana e capaz de oferecer a toda a sociedade perspectivas de uma vida com dignidade e respeito.

Se há algo a homenagear nesta data é a resistência de democratas, artistas, estudantes, trabalhadores do campo e da cidade, militantes do Araguaia, esses bravos brasileiras e brasileiros que sacrificaram suas vidas para que os ares da liberdade voltassem a soprar em nosso país. Pessoas que não aceitaram as atrocidades e se uniram para combatê-las. Jovens estudantes que foram às ruas denunciar a censura e a repressão. Militantes dos partidos de esquerda, muitos do PCdoB, que deram suas vidas para que os anos de chumbo chegassem ao fim.

Negar ou celebrar a ditadura é desrespeitar quem mais lutou pelo Brasil. É uma inversão total de valores. É inaceitável, imoral e inconstitucional. As ações do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União apontaram essa afronta à Carta Magna. Como bem registrou o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz: “Comemorar o golpe é mirar uma estrada tenebrosa e que a iniciativa do presidente da República acentua as divisões no país”.

O que deve ser celebrado é a coragem de um povo que abriu mão de seu futuro para garantir um amanhã melhor para todos. Fica nossa indignação veemente contra um desgoverno que macula a memória de todos que não aceitaram calados o arbítrio. Que tem na intimidação e na mentira os únicos instrumentos a dirigir um ataque aos direitos do povo brasileiro.

Não nos calará. Não nos intimidará. Honraremos a luta de quem perdeu tudo por nós e pelo Brasil.

¹Médica, deputada federal (PCdoB/RJ) e líder da Minoria

Redação

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