Os caminhos da social-democracia

Por Hugo Albuquerque

Um dos pontos que passam desapercebidos é como os partidos bolsheviks europeus orientais e asiáticos- e suas cópias mal-sucedidas na Europa Ocidental e América Latina – guardam uma raíz profunda com a social-democracia kautskyana – e que fique claro que a reflexão que eu estou propondo se dá para além do binarismo maniqueísta, e por tabela moralista, que é comum ao debate político nacional. Essa raíz se expressa historicamente no entendimento comum do partido enquanto instrumento de vanguarda organizador das massas, organizado internamente como organização técnico-burocrática, cujo meio para promover as transformações sociais – e assim dirimir a contradição capital/trabalho – é a conquista da hegemonia do Estado.

Lenin, que bebeu das águas do pensamento kautskyano por um bom tempo, pode ter rompido com o inspirador – política e teoricamente -, mas isso não foi de um dado a ponto de transformar o Partido Bolshevik em algo que não guardasse qualquer semelhança com a linha dominante da social-democracia alemã da época. A verdade é que o lemento centralie prático que levou à distinção entre bolsheviks e social-democratas foi a condição da Rússia Tzarista, o que tanto deu aos teóricos bolsheviks uma visão mais privilegiada da divisão internacional do trabalho como também o vácuo de instituições burguesas – partidos, parlamento etc – e organizações proletárias coesas – os soviets estavam longe do que significavam em amplitude e profundidade o sindicatos alemães contemporâneos.

Dessa bifurcação necessária, surgiu o regime de partido único na Rússia e a modernização tecno-burocrática do Estado em boa parte da Europa Ocidental – e ambos os movimentos se ligavam por uma concepção semelhante de História e de “progresso”.

Como o Brasil não é diferente, a síntese dialética entre a miscelânia de teorias políticas socialistas – europeias orientais ou ocidentais ou não, até mesmo chinesas – desembocaram no PT que guarda em suas origens não um partido revolucionário, mas sim um partido de massas reformador e reformista, uma social-democracia tupiniquim, contando com participação ativa de sindicados e movimentos sociais. O PSDB, apesar do nome, foi construído de cima para baixo e ainda que em seus primórdios correspondesse ao ideal social-democrática, na prática nunca poderia ser confundido com um – fenômeno semelhante se viu acontecer em Portugal com o partido social-democrata local.

Por outro lado, temos as peculiariedades brasileiras. Um Estado arcaico, cuja última inflexão modernizadora aconteceu nos anos 30/40 e nos anos 80 encontrava-se em grave crise. É nesse cenário que surge a Constituição de 88, positivando direitos e garantias individuais e sociais -ainda que as segundas o tenham sido apenas programaticamente na maior parte das vezes- , instituindo a função social da propriedade privada, fazendo prevalecer a doutrina germânica dos contratos. Enfim, foi criado um instrumento destinado a ser a pedra de toque da modernização do sistema jurídico, o que criou uma tensão dialética entre o projeto dos fins dos anos 80 e a materialidade política débil, disfuncional e pré-iluminista sob a qual vivia boa parte do país.

É dentro dessa ambiente de tensão que passam a se dar as disputas eleitorais entre PSDB e PT, seus respectivos governos. Trata-se de uma relação de oposicionismo para obter a hegemonia de um Estado tensionado pelo que ele sempre foi e pelo que ele está se tornando, com o advento da globalização aparecendo e tornando o jogo mais complexo ainda. Isso transformou internamente tanto PT quanto PSDB. Isso, evidentemente, vai para além da retórica barata de palanque de Serra, que nem é útil para disputa nem avança no debate sobre a organização do Estado e as possíveis implicações disso. 

Luis Nassif

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