Prostitutas perseguidas na ditadura reivindicarão reparação econômica e anistia

Sugerido por Gunter Zibell – SP
 
(duas matérias que se complementam)
 
Do jornal O Globo
 
Prostitutas vítimas de perseguição na ditadura reivindicam anistia
 
Profissionais do sexo querem direito à reparação econômica
 
EVANDRO ÉBOLI (EMAIL · FACEBOOK · TWITTER)
 
Publicado: 21/09/13 – 15h52  Atualizado: 21/09/13 – 15h53
 
BRASÍLIA – Lourdes Barreto se prostituiu por 53 anos. Hoje, com 71, e uma das principais líderes do movimento da categoria no país, preside o Grupo de Mulheres Prostitutas do Pará e tem muitas histórias de confronto com a ditadura militar. Foi presa várias vezes, apanhou e liderou movimento pela reabertura da zona do meretrício em Belém, fechada pelos militares em 1971. O local foi invadido e lacrado por agentes da Marinha, da Aeronáutica e da Polícia Federal. Dependiam do local cerca de duas mil profissionais.
 
— Quem estava dentro não saía, quem estava fora não entrava. Foi uma guerra — lembra.

 
A repressão às prostitutas e a outros profissionais do sexo não partia só das Forças Armadas. As polícias Civil, principalmente, e a Militar também agiam. Mesmo sem envolvimento ou militância política, há profissionais do sexo que reivindicarão na Comissão de Anistia o direito à reparação econômica e anistia do Estado por perseguição, que se dava por questões morais, de costume e sexual. O primeiro caso de pedido na comissão será da travesti Safira Bengell, que trabalhava em casa de shows no Rio. Ela diz que foi perseguida, presa e torturada.
 
— Afetaram a minha integridade. Fui presa várias vezes e me jogavam água gelada somente pelo fato de eu me vestir de mulher. Quando estávamos na cela, muitas se cortavam com giletes para serem soltas depois de irem para o hospital serem medicadas — contou Safira Bengell.
 
— Tínhamos que fazer sexo com os carcereiros e policiais para recebermos um pouco de água — disse Safira, cujo nome de batismo é João Alberto Souza. Ela ainda faz shows transformistas no Piauí.
 
‘Termo de vadiagem’ embasava prisões
 
A ação dos militares contra as prostitutas foi contínua nos anos de chumbo. Uma repressão não só dos militares, mas de outros setores, como a Polícia Civil, que aplicava o “termo de vadiagem” para prender essas profissionais. Nanci Feijó, coordenadora da Associação Pernambucana de Profissionais do Sexo (APPS), se lembra desse período. Com 54 anos, ela começou na profissão aos 16, em 1975.
 
— Éramos presas por vadiagem. Ia para a delegacia fazer faxina, levar palmatória e até lavar defunto. Levei muita carreira (violência policial). Nem todas suportaram. Algumas morreram. Era uma época de comissário e de radiopatrulha. Todo mundo tinha medo da rua. Naquela época, não tinha como pedir socorro, como tem hoje — disse Nanci.
Lourdes Barreto se lembra bem das prisões em Belém. As prostitutas podiam sair para programas nas ruas a partir das duas horas da madrugada. Mas só em locais específicos. Às vezes, saíam com escolta, dada a proximidade de cafetões e cafetinas com policiais.
 
— Nem era só isso. Não podíamos sair às ruas, ir ao salão de beleza ou comprar roupas. No comércio, não nos aceitavam. E, quando aceitavam, cobravam os olhos da cara.
 
Para reabrir a zona de Belém, a líder prostituta do Pará organizou a ida de uma comitiva a Brasília — com apoio de um padre, de leigos e de advogados — e obteve um mandado de segurança que assegurou a reabertura. Lourdes participou de atos e passeatas contra a perseguição.
 
— Como eu ia à frente, levei muita porrada.
 
Ela acrescentou que eram obrigadas a ficar confinadas no cabaré:
 
— Não podia colocar a cabeça na janela. O camburão passava e levava todo mundo.
 
Mas não será fácil para prostitutas e travestis convencerem a Comissão de Anistia de que a repressão da qual foram vítimas tem relação com perseguição política. Para a vice-presidente da comissão, Sueli Bellato, a situação é semelhante à dos indígenas, moradores de rua e outros grupos vulneráveis atingidos no período militar:
 
— O imprescindível para a Comissão de Anistia é o reconhecimento da perseguição política. Os indígenas que foram arrancados de suas terras por causa dos projetos de ampliação de rodovias e construção de barragens são vítimas do regime militar e tiveram prejuízos culturais e econômicos? Sim, mas são perseguidos políticos? Provavelmente, não — disse Sueli.
 
Do jornal O Globo
 
 
Prostitutas sofreram com projeto de sociedade conservadora
 
EVANDRO ÉBOLI (EMAIL · FACEBOOK · TWITTER)
 
Publicado: 21/09/13 – 15h49  Atualizado: 21/09/13 – 15h52
 
BRASÍLIA – A relação da ditadura com as prostitutas não é um tema difundido no Brasil. Um dos poucos estudiosos do assunto, o antropólogo José Miguel Nieto Olivar, do Núcleo Pagu, da Unicamp, debruçou-se sobre o assunto. Na sua tese de doutorado, que virou o livro “Devir puta”, Nieto concluiu que as prostitutas foram vítimas de prisões, torturas e até mortes, com a complacência do Estado.
 
José Miguel Nieto afirmou que, apesar da violência contra essas profissionais ter sido praticada mais por policiais civis e militares, o contexto da ditadura militar favorecia a violência.
 
— Não era a repressão nos termos políticos clássicos, como o combate à guerrilha. Mas a ditadura tinha um objetivo não só de eliminar a esquerda comunista, mas também a construção de uma sociedade de princípios morais, cristãos e conservadores — disse Nieto.
 
No trabalho, o antropólogo, que é colombiano e vive há oito anos no Brasil, acompanhou também a rotina de quatro prostitutas de Porto Alegre (RS), que ingressaram na profissão nos anos 70 e 80.
 
“Sistemáticos e cruentos atos de violência física — mortes, torturas e prisões — foram cometidos contra as mulheres prostitutas com a participação direta ou a complacência do Estado. Tal situação, tais mulheres, deram origem ao movimento político da categoria que nos anos seguintes lutaria pela proteção dos direitos humanos das prostitutas e, enfim, pela constituição legítima de um sujeito político ‘prostituta’”, afirma o autor na sua tese de doutorado.
 
Nieto entende ser direito das prostitutas e travestis pedirem na Comissão de Anistia indenização pelo que sofreram.
 
— Entendo ser perfeitamente legítimo. Depende de como se entende a política e o jogo político. Se a repressão não se deu pelas mãos dos militares, foi sobre o contexto daquele regime e de seus corpos repressivos. Essas vítimas deveriam entrar com pedido coletivo.
 
Congresso tem projetos de regulamentação e criminalização
 
A disputa entre parlamentares religiosos fervorosos e os que defendem propostas mais liberais ganhou novo capítulo na Câmara: a prostituição. Numa ponta, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) quer regulamentar a atividade do profissional do sexo, um projeto que sempre enfrentou resistência no Congresso. Em outro extremo, o coordenador da bancada evangélica, João Campos (PSDB-GO), o autor da cura gay, quer criminalizar quem contrata serviços sexuais. A pena de detenção prevista é de um mês a seis meses.
 
A venda do corpo é algo não tolerado pela sociedade. A integridade sexual é bem indisponível e não pode ser objeto de contrato visando a remuneração — argumenta João Campos, que tenta incluir seu projeto na pauta de votação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
 
O projeto de Jean Wyllys prevê que a prostituta pode prestar serviços como trabalhadora autônoma ou coletivamente, em cooperativa. Proíbe a exploração sexual, entendida no texto como apropriação total ou maior que 50% do rendimento do serviço por terceiro; o não pagamento pelo serviço sexual contratado; e forçar alguém a praticar prostituição mediante grave ameaça ou violência. Propõe ainda a descriminalização das casas de prostituição, obrigando a fiscalização e pagamento de imposto.
 
— É de um moralismo superficial causador de injustiças a negação de direitos aos profissionais cuja existência nunca deixou de ser fomentada pela própria sociedade que a condena. É uma contradição causadora de marginalização desse segmento numeroso da sociedade — afirma Jean Wyllys.
 
O parlamentar do PSOL batizou seu projeto de “Lei Gabriela Leite”, que o procurou e o estimulou a apresentar a proposta. Gabriela, uma antiga líder das prostitutas, fundou a ONG Davida e lançou a grife Daspu, um projeto autossustentável tocado por essas profissionais.
 
João Campos diz que o quadro negativo da prostituição não envolve apenas o “sacrifício da integridade pessoal”. Criminalizar a contratação de prostituta, para o deputado tucano, é proteger as pessoas e combater a opressão sexual.
 
O projeto de Jean Wyllys tem o apoio da Coordenação de Identificação e Registro Profissional do Ministério do Trabalho. O coordenador dessa área, Francisco Gomes dos Santos, afirmou que a Constituição faculta a plena liberdade para o exercício do cidadão.
 
Desde 2002, o Código Brasileiro de Ocupações, do Ministério do Trabalho, inclui os profissionais do sexo no seu rol de profissões.

 

Luis Nassif

6 Comentários

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  1. Deveria ter um prêmio

    Deveria ter um prêmio Joselito para os artigos sem-noção postados, o Gunter nem precisaria concorrer, é disparado o campeão.

    A prostituição sempre foi reprimida, em alguns lugares mais, outros menos. Até hoje, ser prostituta sofre uma série de humilhações e, por que não, prisões pelas justificativas mais banais. Ainda que sempre foi um trabalho da mais alta utilidade pública.

    A sociedade sempre foi (e é) violenta, machista, covarde e hipócrita, quase sem exceções. O aparato de repressão sempre expôs e expõe o que há de pior em nós seres humanos.

    Mas aí, relacionar esta repressão à ditadura, aí é muito pra minha cabeça. 

    Interessante que O Globo fala de ditadura como algo do mal, de longe, como se não fosse algo que eles são parte. 

    Acho que as prostitutas deveriam pedir indenização à Globo pelo fato da Globo ter apoiado de corpo e alma a ditadura e na sua programação, reforçar os preconceitos, omitir a tortura, extorquir até hoje governos, perseguir gente honesta, etc.

     

    1. “prêmio Joselito para os

      “prêmio Joselito para os artigos sem-noção postados, o Gunter nem precisaria concorrer, é disparado o campeão.”

      Eu não posto nada, apenas faço sugestões. De vez em quando escrevo, o que você nunca faz.

      Por que você, que além de homofóbico, defensor do fascismo de Putin e antissemita é sem educação, não propõe o que julga interessante? O ‘clipping’ e o ‘fora de pauta’ são para isso.

      E ainda tem a pachorra de usar a palvra ‘solidariedade’ na assinatura.

      1. Só queria pedir, para o bem

        Só queria pedir, para o bem do blog, para não começar a surgirem ofensas banais mútuas, que quando você postar (sugerir) alguns artigos, que leia. O que aconteceu neste artigo que você sugeriu é que o título nada tem a ver com a matéria.

        De mais a mais, mesmo que tivesse, não faz muito sentido.

        O que quero dizer é que este espaço (Nassif) é uma mina de ouro de 80 g/ton numa grande cidade, ou seja, é raridade, logo, temos que preservar e elevar o nível com as nossas propostas, idéias e opiniões.

        O que disse é apenas um brincadeira, você é um cara que colobora e muito, ainda que eu discorde diametralmente de tudo que você propoe/escreve.

        Inclusive um dos argumentos que você tinha contra mim era que eu supostamente não era cadastrado. Agora sou, então de não cadastrado (o que para você era um crime hediondo), agora passei a antissemita, homofóbico, pró-putin, etc. Teve um outro que diferente de você, me chamou de pobre e viado, tudo bem que o cara pode ser viado e homofóbico, mas hoje seria difícil.

        Em resumo, pode me chamar do que vocês quiserem, eu não me incomodo, pois sou amoral e imoral, o problema é o Nassif não gostar, aí nós dois vamos para o brejo

        1. O que você faz é assédio

          Paulo Henrique Tavares, ou você finge que não percebe ou faz de propósito, mas o que você faz é assédio, um tipo de trollagem.

          São vários os posts que eu escrevi ou que eu sugeri nos quais você coloca comentários apenas para me ofender. Ou ofender judeus ou LGBTs. Essa é a razão de você ser considerado ativamente homofóbico e antissemita. Não tente se fazer de desentendido que não cola.

          Não sofisme com isso de ‘ofensas banais’ mútuas. As pessoas percebem que é você sempre quem começa. Começou ontem neste post, começou há dois dias atrás no post sobre Tchaikovsky. É sempre assim.

          Você se refugiou por um tempo com isso de não ser cadastrado, pois aí não ficava histórico registrado de seus comentários. 

          Nós dois não vamos pro brejo, como você diz, porque ‘amoral e imoral’ aqui é você.

          1. Magoou?
            Eu não sou nada disso

            Magoou?

            Eu não sou nada disso que você está falando/pensando. Ainda assim, já te disse, nenhum destes adjetivos me ofendem. No limite, tenho direito de ser tudo isso que você diz que sou. Já te falei, sou comunista. Falar que você é judeu é ofensivo, só se você tem vergonha de ser judeu. Eu tenho o direito de me opor à política que o judeus imprimem aos não judeus, quer você(s) goste(m) ou não. Eu não vou me fazer de covarde, com o papinho que são os “sionistas”, com relação à humilhação que os judeus impõem aos árabes, especialmente aos palestinos. Agora, se isso é ser antissemita, paciência meu véio. Estou mentindo que existe um lobbie brutal judaico, especiamente nos EUA? estou mentindo que israel é um estado terrorista, estou mentindo que o mossad é a inteligêntsia deste terrorismo de Estado, estou mentindo que os judeus do mundo inteiro financiam o terrorismo de Estado de israel, estou mentindo quando digo que israel é o único Estado racista do mundo quando exige que para ter cidadania plena deve necessarimente ser judeu?

            Agora, se você é religioso, aí é problema teu. Eu já me resolvi, sou ateu e rejeito todas as religiões (neste caso também sou criminoso por rejeitar as religiões?)

            De mais a mais, ofensa é algo subjetivo.

            O que vou fazer é o que sempre fiz e me dá muito prazer, que é comentar os artigos, paciência que meus comentários de “ofendem”.

            Você sistematicamente me acusava de um monte de borracha, por supostamente não ser cadastrado. Você sempre associava tentava dizer que eu me comportava daquele jeito por não ser cadastrado, agora sou, tenho até uma foto lá para facilitar teu trabalho. E continuo o mesmo “chato” de antes.

            Tenho a impressão que você não é muito simpático à liberdade, especialmente a de expressão.

            Abra essa cabeça meu véio. Ou deixe de ser chato com que tem a cabeça aberta.

            Eu de fato, tenho um monte de dúvidas, devo me exceder em alguns pontos, mas na média, acho que estou indo bem.

            E você se dá uma importância que acho que você não tem. Assim como eu também não tenho muita importância.

            Se o moderador entender que meus comentários são desproporcionais, que ele me avise, me tire e eu vou para outro lugar, mas não será você que vai me tirar daqui.

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